Sophia

Uma Surpresa


A semana que sucedeu ao jogo foi uma tentativa muito intensa de acabar com a alegria dos sextanistas. O Prof. Snape, particularmente, parecia mais amargo que o costume, provavelmente porque ninguém do time da Sonserina fora chamado para o jogo amistoso. Passou um exercício de criar antídotos a partir da Terceira Lei de Golpalott que ninguém da sala conseguiu terminar - no caso de Sophia, mesmo mais de cinquenta ingredientes depois. Saiu da classe exausta, tanto física quanto emocionalmente, e gemeu ao lembrar que ainda tinha mais dois períodos de Herbologia mais tarde.

“Eu só queria descansar”, lamentou-se enquanto descia as escadas.

“Nem me diga”, disse uma voz a seu lado. Sophia virou-se e encontrou Cedrico, com o cabelo todo desarrumado. “Snape foi especialmente cruel hoje.”

“Ah, sinto muito. Do que posso reclamar quando você, além de estar fazendo a mesma quantidade de matérias que eu e as aulas de Aparatação, também participou do jogo sábado e é um campeão do Torneio Tribruxo.”

Cedrico riu. “Não é tão ruim assim.”

“E você ainda namora!” ela continuou. “Ah! E é monitor! Pelas barbas de Merlin, Cedrico, você é a minha inspiração de vida.”

Ele sacudiu a cabeça, encabulado. Era incrível como ele conseguia ser tanto educado como humilde sempre. “Bom, espero que a Prof. Sprout nos dê uma folga hoje”, disse. “Ela bem que podia ficar feliz que pelo menos metade do time da Lufa-Lufa ganhou no jogo.”

A Prof. Sprout, afinal, não lhes deu descanso algum; tiveram que continuar cuidando das plantas cheias de tentáculos vivos que tentavam matá-los. Ao final do dia, cada um voltou para o seu dormitório abatido, e só levantaram para jantar e tomar banho.

O farol de esperança que ainda os movia era a visita a Hogsmeade no sábado. Sophia e os amigos tinham combinado de irem todos juntos - e, no caso, ‘todos’ incluía também os agregados: Viktor e Miranda.

Desde o momento de resolução dos amigos com Rogério em relação a sua vida amorosa, o garoto havia se declarado em dúvida sobre Miranda. No dia seguinte, entretanto, ele voltou todo feliz, reatado com a menina, pois dizia que haviam conversado e resolvido. Combinaram de levar o relacionamento em um ritmo devagar, mas nos dias seguintes mostraram-se muito afetivos, e Sophia estava quase acreditando que eles realmente gostavam um do outro. O fato de que Rogério se apaixonava muito rápido também ajudava, é claro. E Miranda, por sua vez, parecia estar realmente melhor - foi atrás de Georgie e as duas tiveram a conversa que deveriam ter tido quatro anos antes.

Mesmo assim, a perspectiva desse encontro triplo estava deixando Sophia ansiosa. Passou a aula de Aparatação de sábado inteira preocupada, mas seu nervosismo desapareceu quando foram dispensados e avistaram Miranda e Viktor conversando em um canto do gramado.

“Oi!” cumprimentou Sophia, entrelaçando seus dedos nos de Viktor, que lhe retribuiu um sorriso.

“Oi!” respondeu Miranda, mas indo diretamente para Rogério. Os dois se abraçaram e Rogério começou a beijar o rosto de Miranda repetidamente, fazendo-a rir.

“Ok”, disse Sean, colocando um braço em volta da namorada e encaminhando-se para a saída da escola. “Não me importa o quão feliz Rogério está, eu não preciso ficar vendo isso.”

“Ah, eles até que são bonitinhos”, argumentou Georgie.

O garoto virou-se para ela com os olhos arregalados e uma expressão estupefata. Então balançou a cabeça e continuou andando. “O que está acontecendo com o mundo?”

Sophia riu e puxou Viktor consigo. Rogério e Miranda enfim terminaram de se cumprimentar e seguiram os quatro até o vilarejo. As lojas os animaram, como sempre, e logo estavam caminhando e divertindo-se como se fossem amigos desde sempre. Passaram pela Dedosdemel, onde Sean comprou uma sacola enorme cheia de doces para Georgie (“Comprei com o dinheiro da aposta, é o mínimo que você merece por ser uma jogadora maravilhosa”), e depois foram à loja de esportes, onde ele complementou a série de presentes para a namorada. Sophia ficou muito feliz ao ver Viktor e os amigos finalmente conversando entre si de um jeito animado e, pela primeira vez, ficou grata pelo fato de que eles gostavam tanto de quadribol. O interesse em comum dos quatro, por outro lado, também deu a Sophia e Miranda um momento de conexão, pois ambas ficaram reclamando de como era possível gostar de um esporte tanto assim.

Terminaram a visita indo tradicionalmente ao Três Vassouras. Em meio às várias rodadas de cerveja amanteigada - e uma de uísque de fogo, com o resto do dinheiro da aposta de Sean, para comemorar a vitória no jogo - era difícil não se alegrar. Em determinado momento, as meninas começaram a discutir seus filmes favoritos, visto que Miranda também era nascida-trouxa.

“É semprre assim?” perguntou Viktor enquanto elas falavam de Guerra nas Estrelas.

“Ah, fica pior, muito pior”, respondeu Sean. “Só agradeça que elas não estão nos atacando ainda.”

Sophia virou-se e girou os olhos para o amigo. Então alcançou a mão de Viktor e disse: “Desculpa. Algum dia eu te mostro os filmes trouxas, são maravilhosos.”

Rogério e Sean deram uma risada. “Sabe, elas já nos mostraram um pouco dessas guerras nas estrelas aí, não entendemos nada”, disse Rogério.

“Os trouxas já são tão esquisitos, não sei por que ficam inventando mais coisa ainda”, complementou Sean.

Georgie e Miranda trocaram um olhar e um segundo depois estavam discutindo com os garotos. Sophia bufou e voltou sua atenção para Viktor, aproximando-se do mesmo.

“Essas coisas de estrrelas têm alguma coisa a fer com aquele carra Merrcury?” ele perguntou.

“O quê?” Sophia riu. “Não, não tem. Freddie Mercury era o cantor da banda Queen. Guerra nas Estrelas é um filme, uma história sobre vida em outros planetas.”

Viktor fez uma cara confusa mas mesmo assim assentiu. “Algum dia focê me mostrra. Non estou entendendo nada.”

“Ah, eu adoraria! Vou tentar trazer o filme da casa dos meus pais depois das férias de Páscoa, talvez consiga enfeitiçar para assistirmos. E você também tem que me mostrar mais da cultura bruxa eslava! Ou só da cultura bruxa mesmo, ainda tem tanta coisa que eu não sei.”

“Sim, eu gostarria disso.” Ele tomou um gole de sua cerveja antes de continuar. “Focê poderria me visitarr na Bulgárria nas férrias, o verão lá é pem agrradável.”

Sophia congelou. Apesar do barulho costumeiro do pub, o único som que conseguia ouvir era o de seu coração batendo muito rápido. “Sim”, soltou por fim, “parece ótimo.”

Viktor sorriu e deu um beijo em sua mão.

Pelo resto da tarde, Sophia não conseguia pensar em mais nada além do fato de que Viktor Krum a havia convidado para visitá-lo na Bulgária durante as férias de verão. Até o fim da visita, ficou alienada das conversas dos amigos, só caminhava de mãos dadas com Viktor, sem tirar o sorriso do rosto.

Voltaram a Hogwarts quando já estava escurecendo, então foram direto para a janta no Salão Principal.

Georgie parou subitamente. “Ah, eu tenho que guardar meus presentes no dormitório!”

“Eu vou com você”, disse Sean prontamente, e os dois desapareceram escada acima.

“Ei”, chamou Viktor, puxando Sophia para um canto enquanto Rogério e Miranda seguiram. “Isso me lembrrou. Eu comprrei parra focê um prresente de aniverrsárrio.”

“Viktor… Não precisava!” ela protestou, embora um sorriso involuntariamente começasse a se abrir em seu rosto.

Ele deu os ombros. “Eu querria. Vi e me lembrrou focê.”

“O quê?”

“Vai terr que esperrar. Deixei no navio. Ia te entrregar na quinta, mas focê fugiu…” Ele deu um sorriso divertido.

Sophia cobriu sua face com as mãos, rindo envergonhada. “Ah não…”

Ele tirou suas mãos do rosto e as segurou. “Encontrre-me depois da janta no ancorradourro. Dou parra focê lá.”

Foram, então, para o Salão, Sophia mal cabendo em si de ansiedade. O que será que Viktor iria lhe dar? Sua maior aposta era um livro, já que na ocasião ele caminhava distraído olhando para um. Queria discutir com Georgie - e também contar-lhe sobre o convite para ir à Bulgária que ele fizera -, mas a amiga demorou a descer com Sean. Certamente se distraíram no caminho, pensou Sophia, suspirando.

O casal chegou no momento que ela terminou de comer, então Sophia não os esperou e desceu direto para a Casa de Barcos. Viktor ainda não se encontrava lá, então sentou-se inquieta no chão frio. A cada ruído que ouvia, Sophia pulava e escaneava o cômodo, mas não havia sinal do garoto.

Ele finalmente apareceu, segurando um livro em suas mãos. Acertei, pensou Sophia, esticando-se para tentar espiar o título do livro.

“Até que enfim!” cumprimentou-o Sophia, levantando-se e abrindo os braços. No entanto, ele os segurou com as mãos e fez uma cara séria.

“Eu encontrrei aquela gata do zelador quando ecstava vindo aqui. Talvez ela tenha me seguido.”

Sophia enrijeceu. “Droga. Temos que sair daqui, vamos!”

Os dois se correram em direção à saída, mas deram de cara com uma figura alta e negra.

“Não tão depressa, Laurie”, disse o Prof. Snape.

“Detenção?” exclamou Georgie. “Por quê?”

Sophia deslizou ainda mais para baixo na poltrona. Havia acabado de voltar para a Sala Comunal depois do encontro com Snape no ancoradouro. “Ele me pegou com Viktor na Casa de Barcos. Falou que não tínhamos permissão para estar lá, que devíamos estar em nossos dormitórios a essa hora, essas coisas. Até falou que iria falar com Karkaroff sobre Viktor.”

“Mas Krum não vai se dar mal, né, porque Karkaroff o adora”, apontou Rogério.

“Bom, não, Rogério, mas Soph vai ficar sem os sábados livres até a Páscoa!” ilustrou Georgie. “Mas não se desanime, acho que você só vai perder uma visita a Hogsmeade!”

Sophia deu um meio sorriso em resposta ao consolo da amiga, mas continuava se sentindo péssima. “Só espero que Viktor também fique bem. O Karkaroff adora ele, sim, mas me odeia, então não sei o que vai acontecer.”

“Vai ficar tudo bem”, disse Georgie.

“É”, concordou Sean. “De qualquer jeito, como é que isso aconteceu? Que má sorte! Nunca vi ninguém entrar em confusão por estar na Casa de Barcos.”

“Pois é, mas aparentemente o show de fogos no meu aniversário não passou despercebido. Sabiam que alguém tinha usado os barcos, e só deduziram que fui eu, porque não é muita gente que fica indo lá. Filch também apareceu, e vocês sabem que ele estava querendo me castigar desde o incidente com a Madame Norra. E Snape, então, esteve tão amargo esta semana; também estava procurando motivo para descontar sua frustração em qualquer um.”

Rogério bufou. “Ele é tão mesquinho.”

“Muito infantil”, ecoou Georgie. “Imagina, Rogério, se eu e você ficássemos abusando do poder de monitor assim. Tirar pontos ou dar detenções para quem não gostamos sem justa causa!”

Rogério desviou o olhar, fazendo uma cara engraçada, e Sophia se perguntou se Georgie realmente não sabia da vez que ele havia dado detenção a Warrington por estar com os cadarços desamarrados. Considerando a expressão da amiga, achou melhor não contar.

“Bom”, pigarreou Sean, “a detenção de Snape é desproporcional. Cinco tardes de sábado! Isso é mais de um mês!”

“Pare de me lembrar disso”, pranteou Sophia, curvando-se na poltrona na posição fetal.

Os amigos tentaram animá-la pelo resto da noite, mas Sophia não conseguia ficar positiva. Detenção em qualquer situação já era ruim, mas nos sábados à tarde, sendo que já estava perdendo a manhã com as aulas de Aparatação, e sabendo que poderia estar com Viktor, deixava tudo ainda pior.

No dia seguinte, encontrou-se com Viktor para ver o que havia acontecido com ele.

“Foi tudo trranquilo”, ele afirmou. “Karkaroff só falou que eu non deverria ecstar perrdendo tempo com focê, que focê erra uma péssima influência, mas non me castigou nem nada.”

“Ah, que bom!” ela respondeu, sem muito entusiasmo.

“Sinto muito por focê ter recebido detenção. É minha culpa.”

Sophia bufou. “Não, não é. É culpa de Snape e Filch, eles que adoram acabar com a alegria alheia.”

Viktor colocou um braço à sua volta e a abraçou. Ficaram um tempo em silêncio, deprimidos, até que ele se afastou e disse: “Ah, trrouxe seu prresente. Agorra non parrece fazer valer a pena uma detenção, mas esperro que goste mesmo assim.”

Ele abriu sua mochila e retirou dela o mesmo livro que ele quase lhe dera em duas ocasiões: um exemplar com uma bela capa de couro preto. Sophia o pegou e leu o título: Sítos Históricos da Bruxaria.

“Ah, já ouvi falar deste!” ela exclamou.

Ele sorriu. “Pensei em focê porrque sei que focê gosta muito de histórria, e focê também disse que tinha gostado muito de visitar a Grrécia.”

Sophia retribuiu o sorriso afetuosamente e deu-lhe um beijo na bochecha. “Muito obrigada. Eu adorei.”

Mais tarde, quando encontrava-se de volta à Sala Comunal, Sophia pegou o livro para apreciá-lo; era uma edição novíssima: o cheiro de couro ainda era muito forte e agradável. Folheou o livro, que era bem grosso, mas, tão logo o abriu, caiu dele um pedaço pequeno de pergaminho. Ela e o pegou e leu: “Feliz aniversário, Sophia. Desculpe-me por ler seu livro novo, mas queria mostrar alguns lugares que espero podermos visitar juntos no futuro. Viktor.

E, conforme o bilhete, havia marcadores em diversas localizações nos mais longínquos lugares; dois deles, no entanto, tinham cores diferente: o da estalagem em Hogsmeade e o da Casa dos Gritos. Sophia sorriu. Eram os dois lugares aonde já haviam ido juntos.

Naquela noite, apesar de saber que passaria os próximos sábados na detenção, Sophia adormeceu com um sorriso no rosto.