Capítulo 30

Narrado pela Autora.

A hora do rush estava mais tumultuada que o habitual, como se grande parte da parcela assalariada de Nova York decidisse sair para um happy hour depois das horas exaustivas de trabalho. A música soava alta na vitrola automática que alguém tinha programado para tocar Cindy Lauper por um tempo um pouco maior que o necessário.

Grupos pediam rodadas de chope e brindavam com mais entusiasmo à medida que os quase meio litro de bebida eram sugados com fervor. Para quem entrasse de surpresa ou desavisado pareceria uma situação caótica, mas para quem lidava com isso no dia a dia era uma situação a se comemorar. Casa cheia era sinal de bolso cheio. Quanto mais confusão, melhor.

Emma limpava mesas, distribuía bebidas, servia petiscos dos mais variados e às vezes arriscava uma nota ou outra para um grupo mais animado que pedia uma performance particular de Girls Just Wanna Have Fun. A correria era um balsamo para a loira que naquelas poucas horas poderia desviar seus pensamentos e preocupações da doença filho, do processo de guarda de Henry e principalmente da proximidade de Regina.

Mas o tumulto naquele dia tinha uma função um tanto quanto mais importante, ela podia fugir das perguntas e insinuações de Bex. A ruiva estava atrás dela como se fosse um urubu e a loira o bichinho moribundo. Maldita seja Ruby que havia fofocado sobre a visita de Mills. Emma queria afoga-la no barril de bebida com suas próprias mãos. Ela ainda não estava preparada para falar sobre isso. Externar qualquer coisa torna-a real. Ela não conseguia saber o que exatamente estava lutando para sair dela.

_Então... – Bex que só havia esperado o último cliente sair para trancar a porta e bombardear a amiga que não tinha qualquer chance de escapatória começou a falar - você e Regina se acertaram finalmente. – disse mal escondendo sua empolgação, aliás ela não fazia qualquer esforço para esconder - Emma que limpava as mesas olhou por todo salão percebendo que estavam sozinhas. Rebecca provavelmente havia mandado todos para arrumar a cozinha nos fundos do bar para dar-lhes privacidade.

_Se por se acertar – Emma suspirou enquanto levantava um banco para por em cima da mesinha, ela sabia quando tinha sido derrotada – você quer dizer que eu a contratei para serviços advocatícios relacionados exclusivamente ao processo de Henry por um preço que ela ainda vai me falar e que passarei a eternidade pagando com meu suor e desespero, então sim, eu e Regina nos acertamos. – a loira continuava seu trabalho tendo respondido seu monólogo sem se quer olhar para a ruiva que bufava e revirava os olhos como se estivesse realizando uma performance da Broadway.

_Você não é movida a paixões e entusiasmo Emma. – Rebbeca gesticulava enquanto falava sem parar – Eu já sabia dessa parte. Eu quero a parte boa. O choro. O drama. Os detalhes sórdidos. Os copos quebrando na parede, a emoção mulher. Me conta vai.

_Primeiro, isso aqui é vida real não um palco que está exibindo uma peça teatral. Segundo, paixão e entusiasmo não me são de direito porque os deuses decidiram praticar sapateado e estão me usando como o piso do salão. E terceiro, chega de drama. Já tem drama suficiente para a minha vida inteirinha. – Emma respondeu listando com os dedos como se as desgraças de sua vida fosse uma lista de compras que ela deveria memorizar.

_Credo, que amargura. Cadê a loira sorridente maravilhosa cheia de carinho, compreensiva e que confiava e amava a ruiva aqui? - perguntou fazendo bico. Quando nada funcionava com Swan, ela apelava para o drama básico de “você não confia mais em mim para abrir seu coração? Olha minha cara de cachorro sem dono.” E sempre funcionava não que Bex fosse fofoqueira ou que desejasse especular a vida alheia, mas ela sabia que Emma tendia guardar tudo para ela até se sufocar. A amiga era igual a uma cebola, sempre havia uma camada para retirar.

Rebbeca achou, quando Regina a reconheceu no hospital, que Swan e sua família jamais a aceitariam por ser quem ela era e por ter escondido essa informação. A loira não somente a apoiou como afirmou que se Zelena fosse um décimo do que Rebbeca era ela já a amava também. Não era difícil de entender porque Regina havia se apaixonado por ela. Emma suspirou exausta deixando seu corpo cair na cadeira ao seu lado jogando o pano em cima da mesa.

_Houve drama Bex, gritos, e basicamente muito choro, uma quantidade excessiva de choro para o meu gosto. – disse olhando para seus pés.

_E? – incentivou a ruiva que já estava sentada a sua frente ansiosa esperando pelos detalhes.

_E mais nada Bex.

_Como assim mais nada? O que Regina te disse? O que você disse a ela? Solte a informação mulher, to sentindo a vibração dela querendo sair daqui de onde estou. Desembucha.

_Regina veio com um monte de fotos jogando elas na minha cara, em algumas eu beijava Ruby na cafeteria há alguns quarteirões da mansão - Rebbeca franziu o cenho tentando conceber esse absurdo com uma cara de nojo - era claro que eram montagens, mas segundo ela, recebeu essas fotos no dia que eu fui lá. Quer dizer, no dia que ela pensava que eu não fui.

_Como assim não foi? Não estou entendendo nada. Você foi lá, você ouviu ela conversando com Ariel. Não foi? – Emma suspirou antes de voltar a explicar, era complicado ate para ela que era parte envolvida.

_Ela já começou perguntando por que eu tinha ido lá mais cedo, porque originalmente tínhamos marcado mais tarde.

_E por que foi mais cedo mesmo?

_Porque Ariel havia me ligado para ir. Supostamente era a melhor amiga dela, eu devia acreditar nela. - deu de ombros.

_Mas por que ela teria feito isso sem Regina saber? – a mãe de Robin falava consigo mesma – você acha que ela faria mal a Regina? Ela sempre pareceu ser sincera e realmente gostar de minha irmã.

_Não sei se a pretensão dela era fazer mal a Regina por livre e espontânea vontade. Mas foi a conclusão que Regina chegou, afinal teria sido ideia dela o plano de Regina falar mal de mim para que sua mãe ouvisse. Aparentemente a tal da Cora teria visto nós duas no acampamento e Regina tinha que falar de mim com desprezo para Cora desencanar de nós duas.

_É um plano bem milaborante e com poucas chances de dar certo, Regina devia estar realmente desesperada para acreditar nisso, mas estamos falando de adolescentes, então devemos relevar. – Bex parecia conversar com os próprios pensamentos - E você?

_Eu o que? – Emma perguntou na defensiva.

_O que você acha?

_Sinceramente, eu não sei. Eu sofri muito Bex, eu não tenho tempo para isso mais, Henry ocupa toda minha cabeça. – a loira jogou claramente fugindo da resposta a qual nem ela mesma sabia.

_Não foi o que eu perguntei. E você está agindo como se estivesse aos setenta anos e não como alguém que nem chegou aos vinte e cinco. – disse pegando as mãos dela na sua – Do que você tem medo? – levantou o queixo de Emma a obrigando olhar em seus olhos.

_Do fato de ter acreditado nela cem por cento. – Deu de ombros e mordeu os lábios ainda fitando Bex. Seus olhos mostravam todo o sofrimento que a confissão trazia. – E ao mesmo tempo da carga de desgraças que isso trás para minha vida. É algo que não dá para apagar. Foi só vê-la de novo que eu perdi o emprego dos meus sonhos, estou em uma batalha judicial pelo meu filho. Tenho medo da próxima tragédia.

—Eu não posso te culpar por ser relutante quanto a isso, não quando eu acompanhei tudo o que passou. Mas tente entender que também não deve ter sido fácil para Regina.

—Eu não consigo entender o que eu fiz para merecer tanto ódio de sua mãe, sabe? É mais do que preconceito. Ela é uma pessoa muito ruim, como pode fazer isso com a própria filha? – Emma estava indignada.

—As únicas coisas que minha mãe conhece são controle e o poder. Ela sempre teve o controle de Regina e sempre quis estar no poder de tudo. E para isso acontecer ela é capaz de qualquer coisa. Ela me teve num caso extraconjugal e me deu para adoção porque eu podia atrapalhar os planos dela de ser rica através da influencia do meu pai. E além do mais nem todo mundo é como Mary e David, sabe disso não é? Algumas pessoas não nasceram para ter filhos, quem dirá para amá-los.

—Bex! – Emma disse abraçando a amiga – eu sinto muito, eu não sabia.

—Tudo bem, foi há muito tempo. Mas o que quero dizer é que minha mãe é uma pessoa que faz de tudo para conseguir o que quer. Ela está fazendo isso com Henry para desestruturar você, para você ficar longe de Regina. Ela precisa controlar Regina para tudo ficar nos eixos para ela, porque é só isso que ela sabe fazer. Mas não se engane, se você se afastar da minha irmã agora, nem mesmo isso vai parar minha mãe.

—Eu não entendo isso. Ela já tem o nome que ela tanto queria. O sucesso. A empresa. Pra que ela precisaria de Regina? Não faz sentido. Por que não deixar sua irmã em paz?

—Também não sei, mas sempre foi assim. Ela não conseguiu comigo. Mas ela ainda tinha minha irmã e eu, bem... Eu era o resultado do erro dela. Ela sempre me quis fora do caminho. Eu facilitei para ela. E ferrei tudo para Regina. Eu entendo o ódio dela por mim.

—Ela não sente ódio de você. Ela bem que tentou. Mas sempre contou da sua querida irmã com saudosismo, rispidamente, mas era mais saudista do que com ódio. O que acontece é que você era a heroína dela, e a decepcionou. Muito.

—E isso é bem pior que ódio. – Bex disse debochando, não de Emma, mas da obviedade da situação.

—É sim. – Emma deu um sorriso triste. Ela sabia bem como era. – Mas ninguém aqui está comparando. – elas riram tentando aliviar um pouco a tensão.

—Ela também te decepcionou, você decepcionou ela e apesar de terem caído em uma grande armação é difícil se livrar disso. Imagino o orgulho que aquela morena teve que engolir para ir atrás de você. - Coçou seus cachos que estavam presos num coque frouxo. Emma somente acenou concordando. – independente do que aconteceu e do sentimento de vocês em relação a isso, em relação uma à outra, você estão juntas para combater mais essa maldade. E unidas eu tenho certeza que vencerão. Nossa isso soou tão desenho animado. Acho que estou assistindo demais Dora The Explorer. – Emma riu concordando. - E além do mais Regina deve estar furiosa, eu não queria estar no caminho dela.

—Haaaa isso ela está mesmo. – Emma confirmou – E às vezes, cá pra nós, ela me dá um baita medo.

A gargalhada de Bex poderia ter acordado o quarteirão inteiro.

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Não foi muito depois que deixou Emma em casa e retornou para seu apartamento, checou Robin na cama e tomou um relaxante banho antes de finalmente por sua cabeça no travesseiro para desfrutar do sono dos deuses que Bex acordou num salto já parando de pé. Seu coração batia apressadamente zumbindo em seus ouvidos de uma forma que estava deixando-a zonza. Ela sabia de uma forma de ajudar Regina e talvez Emma, não sabia bem como isso aconteceria, mas ela sabia. Rebbeca abriu um sorriso e olhou para cima, na direção do céu, seu coração começava voltar ao normal e lágrimas desciam de seus olhos enquanto ela deitava novamente.

_Obrigada papai. – sussurrou para o escuro antes de cair no inconsciente outra vez.

Narrado por Regina

Uma coisa eu tinha que admitir, seja lá o que Gold armou para arruinar a acusação de Emma ele fez um trabalho bem feito. Eu já havia lido todas as matérias sobre o caso, já havia ligado para o defensor de Emma e aguardava sua resposta, mas tudo parecia dar no mesmo lugar, ou seja, em nada. Eu estou ficando sem tempo, as pesquisas na estão dando em nada, tenho que agir.

Juntei os papeis espalhados na cama do hotel e guardei dentro da bolsa, na posse do meu Ipad desci até saguão onde meu carro já estava parado. Agradeci ao manobrista e parti para o meu primeiro destino. Na medida em que me aproximava da delegacia meu coração podia saltar pela boca. Emma e Ruby me deram os nomes dos policiais com quem falaram e do delegado responsável pelo caso, eles só precisavam ainda estar por lá.

Meus dedos tamborilavam o volante enquanto estava presa em um engarrafamento quilométrico. Os outros motoristas buzinavam atrás de mim como se esse barulho irritante pudesse fazer o trânsito ser mais rápido. Tentei exercitar minha paciência, mas o som irritante estava começando a atacar minha enxaqueca. Liguei o rádio do carro, nunca havia feito isso, mas ao menos a música me distraía do som externo e me deixava sozinha com meus pensamentos. Sorri. Emma sempre dizia isso. Que a música limpava sua alma. Ela conseguia a preencher e esvaziar ao mesmo tempo. A rasgava e a curava.

Balancei minha cabeça para desviar desses pensamentos. Ficar pensando em Emma, em como éramos não faz bem para minha sanidade, mesmo quando ela tinha toda razão, a música era um remédio para alma e eu me arrependia de não tê-la usado pelos últimos anos. Nada do transito andar. Bufei irritada e troquei de estação, mas a música seguinte trazia a minha mente o pôr do sol de Santa Monica e novamente ela estava lá, linda, sorridente, aqueles dente tortinhos que eram só charme.

Deixei minha mente vagar nessas lembranças, as melhores que eu possuo. Enquanto a cantora solta a voz penso em como eu e Emma estaríamos se estivéssemos juntas desde aquela época. Será que realmente levaríamos adiante nosso relacionamento? Éramos tão novas. Talvez tivéssemos brigado por qualquer outra coisa e terminado por qualquer bobeira. Agora quem queria apertar a buzina com certa força era eu. Ficar aqui divagando sobre Emma não é nada bom. Tudo bem que a gente está se dando bem, mas ela ainda me olha como se eu carregasse uma praga que pudesse jogar nela.

Eu queria não me apegar a esperanças vãs, mas seus olhos verdes me desestruturam toda vez que a vejo. Troquei a estação novamente. É difícil tentar esquecer algo, quando foi esse algo que fez você enxergar a vida pela primeira vez e vem fazendo isso novamente. Uma buzina soou ao longe quando uma musica começou a tocar ao mesmo tempo em que os carros começaram a se movimentar. That Arizona Sky burnin' in your eyes. You look at me and, babe, I wanna catch on fire. It’s buried in my soul like California gold. You found the light in me that I couldn’t find. Aquele céu do Arizona queimando nos seus olhos. Você olha para mim, amor, e eu quero pegar fogo. Está enterrado na minha alma como ouro da Califórnia. Você encontrou uma luz em mim que eu não pude encontrar.

Por um segundo eu arfei, esvaziar e preencher. Olhei desesperada para o trânsito desejando ardentemente que parasse tudo de novo para que eu pudesse viver esse momento. Por todos os deuses. But all I really know you're where I wanna go. The part of me that's you will never die. Mas tudo o que eu realmente sei, você está onde eu quero ir. A parte de mim que é você, nunca irá morrer. As lágrimas saíam dos meus olhos e eu nem sei o porquê disso, é como se essa música fosse feita para mim. O sinal fechou Oh, yeah, I don't wanna be just a memory, baby, yeah. Oh, sim, eu não quero ser só mais uma memória, querida.

Parada no sinal eu agarrei o volante com força, meu coração estava batendo tão rápido que estava me dando falta de ar. Sinto que estou sendo rasgada ao meio só para me juntar novamente. De fato, a música pode te desconstruir só para te fazer entender os segredos mais profundos do seu coração. Eu não queria ser só mais uma memória na vida de Emma e no que dependesse de mim, eu seria muito mais.

Narrado pela Autora.

Não muito longe dali, num quarto de hospital um menino jogava concentrado no seu minigame não dando a mínima para sua mãe que estava sentada ao seu lado porque naquele momento estava em uma partida do seu jogo preferido. A mãe, que desistiu de chamar a atenção do filho, voltou a escrever a historia que desenvolvia desde a última internação. Seus dedos digitavam as teclas tão conhecidas do velho notebook. Seus fones plugados no computador ouvindo uma rádio online.

Emma não conseguia ver, mas finalmente tinha chamado a atenção do filho para si. Henry abandonara o jogo para observar a mãe que pousava as mãos inertes no teclado do computador, o olhar perdido em algum lugar dentro dela, um lugar que ele não sabia onde era, mas onde quer que fosse fazia seus olhos brilharem e um sorriso tímido aparecer.

Nos fones a musica ecoava não muito alta, mas percorrendo cada molécula do corpo de Swan When you look at me, and the whole world fades, I'll always remember us this way. Quando você olha pra mim, e o mundo inteiro desaparece, eu sempre lembrarei de nós desse jeito.

Inevitavelmente um par de olhos cor de chocolate tomou conta da mente de Emma, e não era aqueles olhos que a observavam ali do lado. Não, esses olhos refletiam o luar de uma noite em Santa Monica. E o mundo parecia realmente desaparecer.