Sonhadora

Capítulo 1- Introdução


Ouço destrancarem a porta e me encolho embaixo das cobertas. A porta se range ao ser aberta e a luz que invade o quarto ofusca um pouco minha visão. Forço um pouco meus olhos e assim que vejo que era Clarisse dou um leve sorriso e vou ao seu encontro.

–Alice, vem - diz Clarisse. Ela é a governanta do orfanato, é baixa e usa óculos, seus cabelos são presos em um coque e suas roupas exageradamente impecáveis.–Hoje você vai ser adotada- ela diz abrindo um sorriso enorme.

Contente pego minha mochila, mas antes olho para trás. Todas as meninas estavam dormindo, tento não fazer muito barulho e saio me despedindo do quarto. Mesmo sendo um orfanato eu sentiria falta daquele lugar. Afinal, quando meus pais morreram no incêndio, esse foi o único lugar que me acolheu. Clarisse segura a minha mão e me leva até o hall, assim que abre a porta tenho a visão de um casal sentado, ambos sorridentes.

–Que menina linda- diz a mulher acariciando minhas trancinhas, ela é alta e seu rosto perfeitamente maquiado, tem a pela muito branca e seus cabelos são castanhos ondulados. Até que ela era um pouco parecida comigo. O homem, mais alto que ela, vem para o meu lado e me dá um abraço.

-Vamos te adotar!- ele diz se abaixando ao meu lado.

-Vocês serão meus pais?- Pergunto no auge dos meus 4 anos.

-Sim e você terá um quarto só seu.

Nessa hora eu fiquei feliz. Afinal eu era uma criança e achei que finalmente poderia viver com uma família normalmente.Eles me pegaram no colo e me levaram rumo a minha nova casa

Afasto-me de meus devaneios e volto para a realidade. Nessa época eu fui realmente feliz, éramos uma família unida, eu tinha um quarto enorme, igual aos das princesas dos desenhos animados. Eu adorava a rapunzel e desde esse dia esse foi o meu apelido.

O quarto era enorme e impecavelmente arrumado. Suas paredes rosas eram cheias de prateleira com muitas bonecas. Nós saímos todo final de semana e eu fazia aulas de balé algo que eu amava, mas como nada é perfeito minha felicidade durou pouco, para ser exata durou somente 4 anos. Tudo que eu amava e gostava foi aos poucos sendo arrancados de mim.

Eu estou deitada em minha cama chorando, era difícil pensar que eu tive uma família . Quando eu saí do orfanato era muito nova e não sabia o que era ter uma família, mas hoje em dia no auge dos meus 14 anos, posso com certeza afirmar, aquilo que eu tinha não era uma família e de longe aparentavam ser.

Vivo em um dos piores quartos onde só existe uma cama e um abajur. Meus pais... Bom, digamos que eu não os considero como pais. Eles somente me criaram e confesso que preferia ter ficado no orfanato, afinal. Nessa casa, sou tratada como prisioneira. Eu não posso sair, somente para ir a biblioteca, eu não posso estudar em escolas normais e não tenho amigos.

E bom... Eu vou morrer. Me lembro muito bem do dia em que eu descobri o meu verdadeiro destino. Tudo começou dois anos depois do meu aniversário de 8 anos, meus pais começaram a ficar distantes, paramos de sair nos finais de semanas, paramos de fazer as refeições sentados na mesa, paramos de conversar e de rir. A casa foi ficando triste, vazia e eu também. Perguntava o que estava acontecendo, mas eles não respondiam e durante esse tempo vivi sobre os cuidados de Madelaine, ela era a governante e depois passou a ser minha babá. Durante anos a minha única amiga. Ela era nova, tinha 20 anos e era bem bonita, um pouco baixa mas possuía olhos azuis e seus cabelos era loiros. Quando completei treze anos ela foi despedida e até hoje eu não soube o por que.

Eu sempre que andava pelos corredores conseguia ouvir meus pais cochichando, toda semana chegavam papeladas, caixas e caixas mas eu não entendia o porque. Porėm teve um dia, talvez o pior da minha vida, que eu descobri a verdade.

Eu tinha 10 anos e estava no jardim, eu adorava aquele lugar. Era primavera, por isso as árvores estavam carregadas de flores coloridas que tinham perfumes maravilhosos. Nosso jardim era bastante grande, eu adorava sentar em um banco que ficava embaixo de um grande carvalho, onde possuía a melhor sombra do jardim. Eu ficava horas vendo as crianças brincando na pracinha ao lado da minha casa e escrevendo em meu diário. Sinto alguém se aproximar, olho para trás e vejo que a minha mãe chegou. Ela se senta ao meu lado e me conta sobre tudo. Ela parecia estar com pressa, por isso foi direto ao assunto. Acho que foi por isso que eu fiquei tão chocada... A frieza com que ela tratava tudo aquilo, chegava a me assustar.

–Alice, não vou te enrolar... Por isso vou te contar a verdade.O seu pai está muito doente...

–O que?

–Ele está com problema de coração e... A qualquer dia ele pode parar.

–Mas... Ele vai morrer? - pergunto chorando

–Claro que não, por isso foi bom adotar você, não posso perder o homem que amo.

–Mas como eu vou ajudar? - Ela ajeita as minhas trancinhas e olha bem nos meu olhos.

–Você vai doar- ela diz apontando para meu peito esquerdo –O seu coração para ele.

–O que? - pergunto indignada- Mas seu eu dar o meu... Eu vou morrer?

–Vai, mas pense bem... Seu pai vai viver.

–Isso não é justo- digo enquanto fios de água desenham linhas tênues em meu rosto e uma só mão não chegava para contê-las e impedi-las de riscar minhas bochechas.

–Nada nessa vida é justo-ela diz e a cada palavra eu vou ficando com mais nojo dela.

–Eu te odeio!- grito e saio correndo. Subo as escada em meu tranco no meu quarto.

–Saia daí - ela grita espancando a porta.

–Não!

–Então vai ser por mal- Ouço os seus passos se distanciarem e imagino o que ela irá fazer. Eu sou tão burra, com certeza ela deve ter uma chave reserva.

Ouço a porta sendo destrancada e assim que ela entra meu coração começa a acelerar. Me encolho ao lado da cama, segurando minha caixinha de musicas, meus olhos estavam inchados de tanto chorar.

–Você não pode desobedecer sua mãe.

–Você não é a minha MÂE! Eu te odeio, vou fugir.

–Coitada, e como você acha que vai viver sozinha? Você não passa de uma menininha infantil e muito enjoada, na verdade eu nunca gostei de você... Você vai morrer se fugir.

–Então não vai fazer diferença, se eu continuar aqui esse vai ser mesmo o meu destino.

–Fico feliz que tenha entendido- ela diz abrindo um sorriso

_ Mas entenda seu pai irá viver.

Jogo uma caixa tentando acerta-la.

–Eu te odeio!

–Que coisa feia Alice- ela balança a cabeça em forma de reprovação.

Ela se abaixa, se aproximando de mim e eu fico com muito medo, começo a soluçar. Ela chega bem perto e imediatamente sinto a dor em meu rosto. O impacto do tapa que ela deu foi tão forte, que com certeza ficariam marcas mais tarde. Essa foi a primeira vez que eu apanhei mais naquela hora eu jurei a mim mesma que seria a última .

–Vai ficar sem jantar- ela diz saindo e trancando a porta.

Começo a soluçar lembrando desses fatos. Afasto meus pensamentos, não queria mais pensar em coisas ruins, mas continuando naquela casa, aquelas lembranças se manteriam constantes. Ouço destrancarem o meu quarto, limpo as lágrimas correndo e sento na cama.

–Alice, venha aqui- Era a voz de minha mãe, começo a tremer de medo do que podia acontecer. Mas então uma ideia, arriscada admito, mas eu não aguentava mais, e essa parecia ser a única opção. Pego a minha mochila e coloco algumas mudas de roupa, coloco dinheiro que eu guardava a muito tempo e umas barrinhas de cerais que eu pegara escondido. Eu sei que era pouca coisa, mas era suficiente para eu sobreviver alguns dias.

Não vou mais ficar aqui, adeus mamãe querida, digo sussurrando em tom de ironia.Abro a janela e saio, mas para minha infelicidade ele me viu.

Assim que caio sinto a dor do impacto, levanto correndo e percebo somente alguns arranhões no meu corpo, pego a minha mochila quando sinto alguém me puxar, olho para trás e vejo ele me fitando com seus enormes olhos castanhos.