- Você vai poder ter um cachorro quando for adulto e tiver sua própria casa! – Ela sempre dizia.

Mas acontece que ela não entendia. De que adiantava deixar esse tipo de coisa para quando ele fosse adulto? Era o mesmo que dizer: “você jamais terá um cachorro!”, só que um jeito menos honesto. E ele realmente odiava aquilo.

Diversas vezes ele fechava os olhos, jurando, jurando que um dia teria um cachorro. Mas sabia que era em vão. Quando se tornasse adulto, não iria mais querer um cachorro. Na verdade, não iria mais querer nada. Não teria mais vontades, não teria mais desejos, não teria mais impulsos, nem erros. Seria completo, absoluto, senhor de todo o conhecimento e de toda a sabedoria, em perfeita sintonia com os outros adultos e completamente capaz de liderar as crianças.

Em resumo, não seria mais gente.

E não compraria um cachorro.

Mas então, ele cresceu. Antes que percebesse, o estudo já o consumia, já o esmagava, e brincar era coisa de antigamente. Porém, diferentemente do que pensara um dia, ele ainda era o mesmo. Ainda sentia. Mas isso era porque era adolescente: seu erro de infância fora pensar que, depois dos 12, todos eram iguais. Que bobagem! Aos 14, ainda era gente feito criança; só que mais inteligente, só isso. Num futuro distante, depois do vestibular... aí, sim, ele seria outra pessoa. Completo e absoluto. Um adulto.

O único problema era que, cada vez mais, os adultos o tratavam de outra forma, eram mais abertos com ele, mais sinceros... Quanto mais ele crescia, mais fácil parecia acreditar que os adultos também eram gente.

Nem viu o tempo passar, e já era vestibulando. Grandes vestibulandos, estudiosos, responsáveis! E o que faziam na escola? Sobre o que conversavam? No que pensavam? Grandes crianças! Difícil acreditar, mas eram todos crianças, ainda!

E, cada vez mais, ele via como não entendera nada na infância. Como fora bobo, imaturo. E ele nem viu o momento chegar, mas de repente já estava formado, recém-casado, e para sua eterna surpresa, tinha comprado um cachorro. E as crianças? Vai saber o que se passa na cabeça delas! São apenas crianças, não entendem nada; assim como ele não entendera nada quando era uma.

E ele envelheceu. Teve seus próprios filhos. Nunca os entendeu verdadeiramente. Eram de uma idade completamente diferente... e ele já não se lembrava mais de como era estar numa cabeça de 5 anos de idade. Mas não devia ser nada demais: que grandes complicações poderiam passar por ali? Seus filhos, nessa idade, mal eram gente ainda.

Viu os filhos irem embora. Se aposentou. Logo, logo, sua vida se resumia a comer, dormir, tomar banho e tentar encontrar algo interessante para fazer no resto do tempo. Geralmente, ele se sentava na varanda de sua velha casa, e pensava. Até que um dia pensou na sua vida, como um todo; pensou na evolução dos pensamentos na sua cabeça.

Quando era criança, não entendia os adultos. Quando enfim se tornou adulto, e entendeu que eles eram tão – ou até mesmo mais – falhos que os jovens, logo parou de entender as crianças. Qual era o sentido de tudo aquilo? Não fora ele gente a vida toda? Como pudera mudar tantas vezes de opinião?

Mas agora ele, finalmente, entendia verdadeiramente tudo. Lembrou-se do cachorro que achou que jamais teria, e que teve. E riu. Naquela tarde, quando seu filho veio visitá-lo, aproveitou para lhe contar a idéia que tivera. Somos todos gente, filho! Nunca mudamos, não de verdade!

Mas o filho não entendeu. E ele suspirou, cansado. O filho tinha 40 anos: era uma criança, afinal, o pobre menino! Não entendia nada.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.