O sol começava a desaparecer no horizonte daquele longo domingo. Clark entrou pela porta da cozinha seguido por Shelby, no exato momento em que Lois descia as escadas. Ainda vestia o jeans no qual chegara pela manhã, mas a jaqueta roxa de manga dera lugar a uma camiseta branca. Estava totalmente suada por todo o trabalho que tivera para arrumar o quarto e suas coisas pela casa. Ela então olhou para Clark, de cima abaixo. Não havia uma gota sequer em sua camisa azul. Ela o fitou curiosa,

“Você trocou de roupa?”

“Eu? Não, por quê?”, ele olhou para si mesmo tentando encontrar a curiosidade de Lane.

“Você nem está suado... Até parece que poderia fazer tudo isso novamente...”

Clark sorriu sarcasticamente para Lois, caminhando pela cozinha. Shelby correu na direção de Lois, e ela, apesar de toda a alergia que aquela criatura peluda lhe despertava, não pôde deixar de dar-lhe algum carinho.

“Hei, garoto...”, ela disse se agachando e afagando o cachorro, que abanava o rabo freneticamente para a morena, “Estava vigiando seu companheiro de vasilha?”

“Eu coloquei o resto das caixas no celeiro...”, Clark disse dando pouca atenção às já habituais brincadeiras de sua companheira de trabalho, “A não ser que você queira dormir com aquela fantasia de faxineira que eu encontrei...”

Lois encarou Clark, que sorria pela provocação, “Foi por uma boa causa, ok?”

Ela seguiu até a mesa, parando diante de Clark. Os dois ficaram ali naquela cozinha, observando um ao outro, claramente procurando algo para dizer. Naturalmente eles não se davam conta, mas faziam isso um bocado. Clark interrompeu o momento, arqueando as sobrancelhas enquanto

enchia seus pulmões de ar,

“E como ficou o quarto?”

“Oh, venha ver!” Lois arrastou Clark pela camisa e os dois subiram as escadas com pressa, sob o olhar de Shelby que agora estava esparramado no chão da cozinha

Lois e Clark adentraram o quarto e Clark o analisou atentamente. Apesar da insistência de Lois pelo contrário, a convenceu a ficar no quarto de sua mãe Martha, o qual já estava vazio há um longo tempo. Se ele bem conhecia Lois, e se recordava com detalhes dos tempos em que ela passara na fazenda, ela iria requerer bastante espaço. Além do mais, era isso ou ceder o seu próprio quarto, o que lhe renderia mais algumas horas de trabalho “árduo”, já que a utilização de seus poderes estava descartada por questões óbvias.

Clark deu uma boa olhada e sorriu ao ver como o aposento vazio já havia sido completamente transformado para o modo Lois Lane de viver. Até as paredes pareciam diferentes, embora o máximo que Lois tenha feito foi substituir um ou dois quadros por outros de sua preferência.
Clark caminhou até o armário abrindo-o e se surpreendeu com a quantidade de roupas que ela já havia organizado lá. No entanto, ainda havia 4 malas no chão do quarto, fechadas. Ele fitou Lois curioso,

“O que tem aqui?”, perguntou apontando para as malas.

“Algumas roupas...”, ela respondeu sorrindo. Ele então voltou o indicador para o armário.

“E o que tem aqui então?”

“Algumas outras roupas...”, seu sorriso já era um pouco sem graça. Clark arqueou a sobrancelha novamente, impressionado e assustado ao mesmo tempo.

“Lois... Você está contrabandeando roupas?”

“Não, Smallville”, ela respondeu passando por ele e fechando a porta do armário com força, “Eu apenas tenho mais roupas do que a sua mãe.”

“E do que Smallville inteira! Eu nem mesmo sabia que você tinha tempo de ir ao shopping... Quer dizer, trabalhando tanto.”

“Como você poderia saber se sempre some quando as coisas começam a ficar boas?”

Clark sorriu de forma desafiadora para Lois, embora não tenha certeza exatamente do porquê. Lois, por outro lado, não pareceu confortável com o que disse. Teve a sensação de que aquilo soara de uma outra forma, e achou melhor não investir no assunto. Clark percebeu e se manteve

calado, pensando em como sair daquela. Agiu então da forma que lhe parecia mais necessária no momento,

“Eu vou aumentar o armário para você”, ele respondeu analisando a peça.

“Não é necessário, Clark...”, Lois respondeu sincera, fazendo-o olhar para ela. “Eu não quero dar trabalho com isso.”

“Não é trabalho. Até porque eu sei que se eu não arranjar lugar para essas roupas, eu acabarei perdendo o MEU armário...”

Clark sorriu rapidamente para Lois e deixou o quarto sob o olhar dela, que sorriu de volta. Embora trabalhassem juntos e se alfinetassem o dia inteiro, Lois havia se esquecido do quão cavalheiro Clark era, sempre fazendo o melhor que podia por aqueles que lhe eram próximos. E ela se sentiu

muito feliz em tê-lo por perto, mais do que poderia admitir...

***

As horas seguintes até o jantar se passaram de forma tranqüila. Clark aproveitou o banho de quase duas horas de Lois e organizou toda a casa, arrumando inclusive o armário. É claro que ela ficou totalmente impressionada ao ver o resultado no quarto em tão pouco tempo, mas Clark desconversou dizendo que adaptou uma peça já pronta ao local. O que ela não sabia era que naquele meio tempo, ele não só construíra o armário do zero como ainda fizera a janta e aproveitara para dar um bom banho em Shelby, livrando-o da sujeira que o coitado acumulara correndo de um lado para o outro enquanto Clark revirava o celeiro procurando lugares para as

coisas de Lois. E como o cachorro gostava muito dela, era importante que estivesse bem limpinho, para não despertar as alergias da jornalista. Clark se surpreendeu com a própria preocupação, já que o mais lógico era fazer de Shelby um vetor para manter Lois o menor tempo possível na casa.

O que sentia, entretanto, era uma vontade imensa em fazer a estada dela a mais agradável possível.

Lois surgiu na cozinha no momento em que Clark arrumava os pratos sobre a mesa. Olhou encantada para aquele caipira que agia concentrado em cada detalhe do que fazia, posicionando os talheres perfeitamente alinhados ao pratos e aos copos. Ele então se viu sendo observado da entrada da cozinha e sentiu-se um pouco embaraçado pela forma como Lois sorria enquanto o fitava.

“Eu... fiz o jantar...” Ele disse abrindo a tampa do forno e levando a mão ao pirex de vidro, no que Lois imediatamente interviu, correndo até ele.

“Não, Smallville!” Ela gritou puxando o braço dele, “Você quer se queimar ou o quê?”

Clark parou surpreso pela própria distração enquanto Lois pegava uma luva de cozinha pendurada próxima ao fogão. Pôs a luva e se inclinou em frente ao fogão, pegando ela mesma o pirex. Clark permaneceu inclinado junto a ela e não pôde deixar de sentir o maravilhoso aroma de ervas que exalava do recém-banhado corpo de Lois, a poucos centímetros dele. Clark se concentrou ainda mais no cheiro, praticamente hipnotizado, no que Lois o fitou curiosa:

“Smallville?”

Ele a encarou despertando do devaneio sensorial, observando-a colocar o pirex sobre a mesa. “Hein?”

“O forno. Pode desligar o forno agora...”

Clark se levantou fechando a tampa e desligou o forno, voltando-se para a mesa. Sentou-se confuso, tentando entender o que acabara de acontecer ali.

***

Aquele fora um jantar calado, mais da parte de Clark do que do habitual incômodo que existia quando os dois não estavam falando de trabalho. Trocaram algumas palavras quando Lois elogiou a macarronada ao molho de tomate e alguns outros comentários enquanto ela lavava os pratos e

ele secava. Trabalharam juntos na organização final da cozinha e seguiram cada um para um canto da casa, convencidos de que tinham ainda alguma coisa para fazer. Lois seguiu para o quarto, tinha uma matéria para o dia seguinte e queria adiantá-la. Clark então foi para a sala e sentou-se

no sofá, ligando a TV com o controle remoto. Aquilo era algo que não costumava fazer, mas ainda precisaria pensar em uma forma de despistar Lois para sair de casa à noite.

Clark ainda assistia à TV quando Lois surgiu na sala, vestida em uma calça de pijama e camiseta.
Ele ainda não estava pronto para ir dormir, ainda mais porque não iria desfilar com seu calção do Snoopy na frente de Lois, não daria motivos para novas piadinhas a ela. Vestia um jeans surrado e uma blusa vermelha, e seus cabelos ainda estavam molhados do rápido banho que tomara após o

jantar. Olhou para Lois enquanto ela se aproximava dele.

“Nunca pensou em colocar wireless? Seria um avanço, sair da pedra
lascada para a virtual...”,

comentou a jornalista se sentando do lado vazio do sofá com as pernas dobradas próximas ao próprio corpo, ajeitando-se confortavelmente.

“Conseguiu terminar?”, ele perguntou a observando no sofá.

“Nem uma linha.”

“Foi um dia longo...”

“Muito...”

Os dois dirigiram seus olhares para a televisão. Passava alguma coisa relacionada a fenômenos da natureza, mas nenhum dos dois estava realmente prestando atenção.
Lois olhou de canto de olho para Clark, era evidente que queria lhe dizer algo. Alguns poucos segundos de silêncio se seguiram até que ela acumulou a coragem.

“Obrigada, Smallville.”

Clark fitou Lois com um olhar de que não sabia ao certo do que ela estava falando. “Por quê?”

“As coisas estavam ficando loucas no Talon, e o meu salário do Daily ainda não dá para bancar um apê decente em Metrópolis... Obrigada por me deixar ficar aqui.”

“Você será sempre bem vinda aqui, Lois”, ele disse sorrindo para ela.

Lois devolveu o sorriso, feliz em ter tido coragem para dar aquele passo. Se sentia feliz por estar de volta à fazenda, e por ter alguém como Clark ao seu lado. Era uma mulher de sorte, sem dúvida.

Clark sentiu-se mais à vontade após as palavras de Lois e relaxou no sofá. Alguns minutos se passaram e os dois permaneceram ali, quietos diante da televisão. Clark pensou mais uma vez no incidente da cozinha. Seria complicado manter Lois por fora de seu segredo, mas valia a pena

tentar. Ele não queria admitir antes, mas estava feliz em tê-la ali, ao seu lado.

“Lois... É muito bom tê-la aqui comigo”, ele disse em conclusão ao seu pensamento, convicto de suas palavras. Não houve reação da morena, entretanto, e Clark a olhou mais uma vez. Foi surpreendido por uma Lois desfalecida, sua cabeça inclinada no encosto do sofá.

“Lois?”, Clark chamou uma vez, mas não insistiu. Lois havia sido vencida pelo cansaço.

Ele a admirou por um momento, pensando como ela era adorável enquanto dormia. Clark então se aproximou de Lois pelo sofá e, delicadamente, encostou seu peito até a cabeça dela, tentando fazer com que ela não despertasse.
Deslizou uma mão pelas suas costas e a outra por baixo de seus joelhos dobrados e, quando teve a certeza de que ela estava segura, se levantou com cuidado, tendo-a devidamente confortável em seus braços. Sentiu a respiração serena dela em seu peito enquanto caminhava devagar em direção às escadas, carregando-a até a cama.

Era um cara de sorte, sem dúvida...