Dentro de alguns minutos, partiam bruxo e guardião em direção ao Reino das Nuvens.

― Você vai ter que ser meu guia ― disse Rodrigo enquanto tentava estabilizar os ventos para fazê-los subir, sem muito sucesso.

O jovem bruxo não era nenhum especialista quando se tratava de controlar o ar. Certa vez quase destruíra sua casa tentando fazer um pequeno redemoinho.

― Temos que achar uma corrente de ar ― disse Roberto vendo o esforço excessivo que Rodrigo fazia, tentando levantá-los. ― Aí seremos levados por ela e você não terá que se esforçar tanto.

― Eu vou conseguir, ok?! ― disse Rodrigo secamente.

Roberto deu de ombros e ficou observando, enquanto Rodrigo os erguia a apenas dez centímetros do chão e voltavam a cair logo em seguida. Isso se fez repetir cinco vezes, antes que Rodrigo praguejasse, evidentemente irritado, e fizesse com que ele e Roberto ganhassem um par de asas enormes e brancas.

― Resolvido! ― disse ele ainda irritado e bateu asas logo em seguida.

Roberto balançou a cabeça, como se quisesse dizer: “Você não tem jeito” e depois partiu, seguindo Rodrigo para o alto. O jovem bruxo podia sentir o vento frio roçar-lhe as penas, o que fazia cócegas. Há quanto tempo não fazia isso: voar. Magia de materialização era sua especialidade. Sendo um mestiço do dia e da noite, podia tirar energia de qualquer coisa viva para transformá-la em seguida em qualquer coisa, não estando limitado a somente drenar a energia do fogo, ou água, ou ar, ou terra.

― Achei a corrente! ― gritou o jovem bruxo quando sentiu a energia poderosa de ar quente à sua frente.

E avançou, depois de esperar que Roberto o alcançasse. Num milésimo de segundo depois, suas asas se dissiparam e uma energia quente o invadia e o empurrava para frente. Fechou os olhos instintivamente enquanto sentia que se movimentava a grande velocidade. Alguns segundos depois, o vento cessara. Rodrigo abriu os olhos e se deparou com o que nunca imaginou que veria.

Dragões-elétricos deitados sobre um chão fofo, embaçado e espumante até onde a visão alcançava. Todos tinham os olhos fechados e emitiam um som grave.

― Estão dormindo ― observou Roberto, assustando Rodrigo.

― De onde você veio? ― perguntou o jovem bruxo se recompondo.

― Do mesmo lugar que você ― respondeu Roberto de sobrancelhas franzidas e riu.

Rodrigo o ignorou e começou a andar em direção aos dragões que roncavam.

― Sabe que se você acordar um deles, todos irão acordar, não é? ― perguntou Roberto andando ao seu lado.

― É um risco ― concordou o jovem bruxo. ― Mas, o que eu posso fazer? Preciso achar logo o meu dragão!

E assim, o bruxo se agachou, próximo de um daqueles répteis, e estendeu a mão em sua direção. Depois de hesitar um pouco, tocou sua testa. O mesmo aconteceu àquele dragão: conseguia ver suas memórias, mas não sentia nenhuma ligação entre eles. Afastou a mão e notou que os olhos do réptil estavam abertos: ele acordara. Afastou-se assustado, enquanto o dragão só o olhava com desdém e voltava a abaixar a cabeça, deitando-se. O bruxo suspirou aliviado e partiu para o próximo. Tocou sua testa e viu mortes terríveis. Homens, mulheres e crianças que morriam por suas próprias garras e presas. Aquele era um dragão que costumava atacar aldeias e, portanto, Rodrigo não sentiu nenhuma conexão com ele. Afastou a mão novamente, mas este nem despertou. Avançou para um terceiro, que, ao ver o bruxo se aproximando, afundou no chão embaçado, o evitando.

E assim se passou a manhã inteira: Rodrigo buscando e tocando as testas de todos os dragões que conseguia e não sentindo nenhuma ligação com nenhum deles. Logo, o sol passara de seu auge, indicando que já estava na hora do almoço.

― Mas que droga! ― exclamou ele irritado. ― Já à tarde e nada ainda!

― Fique calmo, ainda não vimos os dragões-aéreos que vivem mais ao norte ― disse Roberto tentando acalmá-lo.

Rodrigo franziu o cenho.

― Vamos achar o seu dragão ― disse Roberto tocando seu ombro. ― Eu prometo.

Rodrigo franziu os lábios tristemente, mas acabou inspirando e assentindo.

― Ok, mas agora eu quero comer ― disse Rodrigo e estendeu as mãos para o alto.

A luz do sol se concentrou em um único local, acompanhando o movimento das mãos de Rodrigo. Num segundo depois, a luz solar se materializava em uma porção de comida.

― Hum, batata frita ― aprovou Roberto.

Eles se sentaram e devoraram os pratos o mais rápido que conseguiram. Depois se colocaram a andar para o norte, atrás dos tais dragões-aéreos. Depois de muito caminhar, Rodrigo já tinha dor nas pernas.

― Podia ter avisado que andaríamos tanto ― reclamou o bruxo. ― Teria feito um jato!

― Não era necessário ― desdenhou Roberto.

Rodrigo mostrou a língua e Roberto riu. Só então perceberam que já estavam no território dos dragões.

Estes voavam de um lado para o outro. Eram de número muito inferior aos elétricos, mas pareciam mais ágeis. Tinham a cabeça grande, porém de pouca espessura se vistas de frente. As asas eram enormes e de um couro bem colorido. O corpo era ainda mais esguio do que o de um dragão-elétrico e as garras pareciam mais fracas.

― Por que tão poucos? ― perguntou o jovem bruxo.

― Estão em risco de extinção ― respondeu Roberto os olhando com tristeza. ― Alguns bruxos adoram caçar essa raça de dragão pelo couro colorido de suas asas.

― Que triste ― disse Rodrigo e franziu os lábios.

― É melhor irmos logo ― disse Roberto. ― Daqui a pouco eles é que viram até nós e não será nada legal.

O bruxo arregalou os olhos e começou a andar em direção aos dragões, que ainda estavam agitados, voando de um lado para o outro, provavelmente com medo das visitas indesejadas.

― Vai ser mais difícil do que eu pensei ― disse Roberto. ― Estão com medo de nós. Pensam que somos caçadores.

Rodrigo balançou a cabeça, não querendo ouvir Roberto, e correu em direção de um deles, quase agarrando sua fina cauda, mas o dragão foi mais rápido e alçou vôo.

― Droga! ― gritou Rodrigo irritado.

― Eu avisei ― disse Roberto cruzando os braços.

― E o que sugere que eu faça para pegá-los?

― Eu não sei ― respondeu o guardião dando de ombros. ― Sabe muito bem que eu não posso interferir na sua procura por seu dragão. Só você pode fazer isso. Estou aqui para te proteger, só isso.

― Ótimo! ― disse Rodrigo e estalou os dedos, drenando a energia solar e a transformando em um par de grandes asas brancas.

Usou-as para chegar até os dragões que tentavam fugir. Quando conseguir montar um, tocou logo sua testa. Viu mortes sangrentas de outros dragões-aéreos e sentiu o medo pulsando dentro do réptil. O medo da morte. Retirou a mão assustado e o desmontou. Ficou batendo as asas, parado no ar, tentando se livrar das imagens e voltar a respirar normalmente. Nunca tinha visto memórias tão poderosas antes.

Assim que se recuperou, montou em outro e logo lhe tocou a testa. Viu o mesmo do que vira no último dragão. Então o desmontou e voou até Roberto.

― Esses dragões estão traumatizados ― disse ele tristemente. ― Tudo o que consigo ver são mortes e medo. Memórias poderosas e tristes.

Roberto franziu os lábios e coçou o queixo.

― O Conselho de Bruxos precisa saber disso ― reclamou o jovem guardião. ― Mas, por hoje, não conseguiremos nada. Melhor voltarmos para sua casa.

― Não posso abandonar minha busca assim! ― protestou o jovem bruxo. ― Você sabe o quanto isso é importante.

― Rodrigo, eu sei, mas pense bem ― disse Roberto mansamente. ― Esses dragões aéreos não estão em condições de serem testados. Talvez seja melhor irmos embora e procurarmos mais amanhã, em outro lugar.

Rodrigo cerrou os dentes com força, mas acabou assentindo, por mais que quisesse continuar a procurar. Sabia que os conselhos de Roberto estavam quase cem por cento certos. E aquele era um deles.

A volta demorou menos. Rodrigo entrou logo em casa e foi para o quarto. Roberto o seguiu, a fim de ajudar o amigo. O bruxo trocou as roupas com um estalo de dedos e se jogou na cama. Roberto, chegando ao quarto logo em seguida, suspirou tristemente e se sentou ao seu lado.

― Rodrigo, na fica assim, vai ― disse Roberto tentando ajudá-lo.

― Eu estou bem, Roberto ― respondeu ele rancorosamente. Depois bufou de maneira indignada e se sentou, encarando o amigo. ― Eu só queria achar logo esse dragão. Por que para mim tudo é mais difícil?

Roberto franziu os lábios.

― Talvez algo especial esteja guardado para você e não seja a hora de descobrir ainda ― respondeu Roberto sabiamente. ― Você vai achá-lo. Acredite em mim.

Rodrigo deu um meio-sorriso triste e assentiu.

― Obrigado ― disse ele. ― Você é o melhor amigo do mundo.

Roberto sorriu e assentiu. Logo em seguida, Helena apareceu na porta.

― Filho, eu e o seu pai já estamos indo ― disse ela. ― Comporte-se, ok?

― Mãe! ― reclamou o jovem. ― Vá em paz.

― Tchau, filhão ― disse Luan aparecendo também.

O bruxo acenou e os dois saíram, descendo as escadas. Num minuto depois, eles passaram pela janela, montando seus dragões-aéreos, que agora deviam ser os dragões mais raros do mundo.

― Acho tão legal a história dos seus pais ― disse Roberto observando o mesmo que o jovem bruxo. ― A paixão proibida, os dragões combinando... É perfeito.

Rodrigo deixou um sorriso brotar no rosto enquanto observava os dragões sumirem no horizonte de pôr-do-sol. Lembrava muito bem da história dos pais: não poderiam se casar por serem de raças diferentes, mas desobedeceram as leis mais antigas, as Leis Eternas, e geraram o jovem mestiço. Os dragões serem de mesma raça só indicava uma coisa: tinham a alma semelhante.

― O que quer fazer agora? ― perguntou Rodrigo desviando o olhar para o amigo.

― Sei lá, o que quer fazer? ― perguntou Roberto.

― Vou fazer uma pizza ― disse o bruxo e levantou da cama, indo até a porta.

― Não é mais fácil materializar? ― perguntou Roberto para o amigo.

― Canalizar energia cansa, sabia? ― disse Rodrigo.

O guardião riu e balançou a cabeça. O bruxo sorriu e desceu as escadas. Assim que chegou à cozinha, colocou a pizza no microondas para fazer e aguardou até que estivesse pronta. Assim que isso aconteceu, ele a levou para quarto, onde Roberto o ajudou a dividi-la em várias partes. Em seguida, o guardião ligou a TV, pois a reunião já estava para começar.

― Delícia ― disse Roberto com a boca cheia.

Rodrigo assentiu sorrindo e voltou a olhar para a TV. Sem perceberem, a noite já caía sobre eles e um vento frio entrava pela janela. Então o jovem bruxo se arrastou até ela, para fechá-la, mas não resistiu em lançar um longo olhar para o céu. Este estava limpo e estrelado, com uma enorme lua brilhante. Um vento leve farfalhava as folhas das árvores que havia em sua rua. Mas o que realmente chamou sua atenção estava no céu. Um punhado de estrelas estava se mexendo!

― Roberto! ― disse ele puxando o menino para perto da janela. ― O que é aquilo?!

― Ahn... Estrela cadente? ― sugeriu dando de ombros.

― Mais de uma? ― insistiu o bruxo.

Roberto estreitou os olhos e só então notou do que tratava: várias estrelas se movimentavam no céu, como se fossem um conjunto. Só quando a luz da lua foi ocultada por alguns segundos, Roberto teve a certeza do que se tratava:

― Um dragão-noturno.