Socorristas

Ressuscitação


O céu sobre nós estava lilás quando acordei. Foi a primeira vez que acordei realmente cedo e sem nenhum estímulo. A Clareira estava silenciosa, não havia ninguém habitualmente andando por ela. Reconhecendo ser o melhor momento para tomar banho, sem a chance de encontrar algum dos garotos por lá, juntei meu saco de dormir, guardei-o na Sede com toda a cautela e segui para os vestiários.

Peguei minha toalha e a muda de roupa e abri a porta para os chuveiros. Meus olhos estavam pensativamente fixos no chão, mas foram obrigados a olhar para cima ao encontrarem dois pés descalços na minha frente.

— Que droga você está fazendo aqui?! — Newt exclamou, cobrindo-se com a toalha no último momento, antes que eu pudesse ver algo relevante. A julgar pelo rubor que subiu ao seu rosto, tinha ficado mais constrangido que eu com a surpresa. Alguns infelizes encontros inevitáveis com outros garotos acabaram me conformando de que aquilo aconteceria, então eu estava começando a me habituar.

— Vim tomar banho. — respondi calmamente, tentando não fazê-lo sentir-se pior, mas soando cínica. Desci meus olhos rapidamente pelo peito nu e úmido dele, fingindo ajeitar as roupas penduradas no meu braço. Olhar não matava ninguém, ora.

— E desde quando você acorda cedo assim? — Newt, junto aos outros Encarregados, com certeza era um dos primeiros a levantar e a acordar o restante.

— Não sei. — dei de ombros e passei por ele para entrar em um dos boxes. O cabelo dele estava bagunçado para todas as direções, o que desmanchava a imagem séria que ele costumava passar. Cobri minha boca com força para não rir. “Não seja infantil, idiota”, pensei. Reprimi a vontade de olhar para ele outra vez e me fechei dentro do boxe antes que traísse a mim mesma.

Prestes a completar um mês na Clareira, deixei de me preocupar tanto com o fato de ser a única garota ali e com os olhares deles. Em vez disso, cheguei muito perto de ceder quando encontrei um dos Construtores me olhando significativamente ao sair do banho à noite uma vez. Dei-lhe as costas pelo fato de ser baixo demais, mas eu sabia que estava criando desculpa para não ficar com o primeiro que aparecesse.

Os devaneios que preencheram minha mente após encontrar Newt ali só fizeram com que eu me surpreendesse com o tamanho da minha indecência. Eu ri e balancei a cabeça em repreensão sob a água do chuveiro, e o desliguei antes que começasse a criar desejos impossíveis demais para o meu otimismo.

Saí para a Clareira logo antes de uma horda de garotos começar a entrar. Alguns lançaram cantadas e olhadas indiscretas, mas a maioria passava indiferente.

— Vai para o Labirinto hoje? — perguntei a Thomas antes que ele entrasse.

— Não... Por quê?

— Preciso conversar com você... Pode levar um tempinho. Tudo bem depois do café-da-manhã?

— Certo. — ele deu de ombros.

Eu ainda não queria voltar para o Labirinto, longe disso; os constantes pesadelos impediam-me de ter essa vontade. Contudo, eu ainda queria saber sobre ele para ter alguma ideia de como ajudar os Corredores a desvendá-lo e todos nós a sair. E eu sabia que Thomas seria o mais provável a me deixar ter acesso à Casa dos Mapas.

Comemos o café na mesma mesa, mas me neguei a dizer o assunto quando ele questionou; Alby estava logo ao lado. Agradeci mentalmente pela hora vaga de trabalhos que tive depois e puxei Thomas para trás de uma árvore, longe dos olhares dos outros Clareanos.

— Qual o problema? — ele perguntou.

— Duvido que Newt ou Alby permitam e ainda não simpatizei com todo mundo. Pode me levar à Casa dos Mapas?

— Ah... – ele gaguejou e piscou algumas vezes. — Bom, não, mas talvez eu leve se me disser por quê.

Quase sorri com a resposta, mas me contive.

— Quero ajudar, Thomas. Não me sinto muito útil fazendo uma coisa ou outra aqui enquanto vocês se matam para desvendar o Labirinto.

— Sempre conto a você como as coisas estão indo.

— Mas elas não estão indo, não é? Vocês estão parados, não descobriram nada... E já faz dois anos. Me deixe ver os Mapas... Posso não ser a mais inteligente por aqui, mas pelo menos vai ser mais uma cabeça pensando.

Ele assentiu com a cabeça e desviou os olhos para o chão.

— Tudo bem. — olhou para trás, para os Clareanos que andavam por ali, depois me mediu com os olhos e fez sinal com a cabeça para que eu o seguisse. Passamos por trás de mais árvores, depois por trás do Sangradouro e pela porta dos fundos da Casa. — Posso pegar o baú da minha área e olhar com você.

O lugar não era muito grande nem possuía a mínima decoração, as paredes todas de concreto, tudo cheirando a uma mina de cobre abandonada. Thomas juntou algumas folhas de dentro de um velho e empoeirado baú, que não parecia ser revirado toda noite, e colocou sobre a mesa redonda no centro do local, ao redor da qual oito cadeiras estavam dispostas. Folheei-as e percebi que estavam numeradas.

— Qual foi a última coisa relevante que descobriram?

A resposta não veio e o encarei. Thomas tinha o olhar desolado para os Mapas desenhados.

— Já falou com o Minho sobre passar a noite lá? — perguntei.

— Ele disse que ainda é cedo pra isso.

— Bom, e o que você acha?

— Acho que é melhor fazer do jeito deles do que ser Banido e morrer com os Verdugos. — respondeu prontamente, como se tivesse pensado tanto nisso que a resposta já lhe era treinada.

— Thomas, você sobreviveu a duas noites no Labirinto.

— Eu não estava sozinho.

— Então eu vou com você.

— Não adianta. São oito áreas e não podemos pedir que os outros Corredores façam isso.

Permaneci o encarando, procurando algum argumento para usar, e suspirei derrotada quando não encontrei. Baixei a cabeça para os Mapas, separando-os e analisando-os, descartando as comparações mais simples e prováveis que já teriam feito. Thomas parou ao meu lado enquanto eu separava os números ímpares dos pares, múltiplos entre si, diversas combinações de sequências...

— Também já tentamos. — ele repetiu depois de quase uma hora.

Descansei as mãos pesadamente na mesa, pensando. Percorri meus olhos pela Casa como se a resposta estivesse gravada em algum lugar secreto das paredes.

— E os outros mapas? — perguntei ao ver os baús fechados num canto. — Tentaram comparar uma área com a outra?

— É, Minho disse que já tentaram isso também...

— Bem, são oito áreas... E se comparássemos os dias pares de cada área?

Thomas engoliu em seco e se apressou a pegar outro baú. Afastei a pilha da área dele enquanto separávamos os dias pares, meu sangue começando a esquentar com a nova comparação. Eu não me importava com como sairíamos dali ou quem descobriria a saída, apenas queria que tivéssemos um avanço mais rápido.

Peguei os primeiros dias pares das áreas um e dois, depois da três e da quatro, e estava organizando as outras em pilhas quando a porta da Casa se abriu com um rangido. Alby estava parado na entrada com o olhar furioso, os punhos cerrados. Meu coração deu um salto singular.

— Mas que mértila vocês estão fazendo aqui dentro?! — ele exclamou, as veias do pescoço visíveis. — Metade da Clareira está precisando de ajuda, sua trolha!

— Eu só vim ver os Mapas. — respondi com a firmeza e a calma equilibradas, começando a juntar as folhas com pressa para não ter que encará-lo.

— Trate de ir consertar as janelas da Sede com os outros Construtores. — ele mandou. — Não quero mais te ver metida em assuntos que não são seus.

Lancei um olhar de agradecimento a Thomas e saí pela porta dos fundos, conseguindo ouvir Alby começar a dar um belo sermão nele. Queria voltar e dizer que eu havia insistido, mas certamente Thomas estava contando justamente o contrário.

Aproximei-me da Sede ouvindo Gally perguntar onde eu estivera, o que estivera fazendo e por que diabos não tinha ido trabalhar. Em resposta pedi para que me dissesse o que exatamente eu precisava fazer e, após algum tempo me encarando, talvez decidindo se insistia ou não, ele deu as ordens.

— Quebrando algumas regras? — Mike indagou divertido quando cheguei para ocupar o lugar dele. — Não que eu esteja reclamando, é até divertido ver alguém levar sermão.

— Quando não é você, imagino que seja mesmo. Estava tentando ajudar os Corredores com os Mapas, só isso.

Ele revirou os olhos e suspirou, encostando-se na parede.

— Você não prestou atenção nas regras, não é? — disse.

— Eu já tinha imaginado. — falei dando de ombros e parafusando melhor as dobradiças da janela.

— Você só quer aparecer mesmo, certo?

— Claro, tanto é que entrei escondida lá. Sou mesmo muito inteligente, não acha?

— Por que acha a situação engraçada? — Mike franziu as sobrancelhas com interesse e desdém. Encarei-o por breves momentos, resolvendo não me explicar. Já bastava que eu ignorasse metade das regras por acha-las ridículas perante o problema central dali; não faria bem que eu convencesse mais alguém disso. Eu detestava Alby, mas Newt, por mais irritante que fosse, já tinha deixado claro a importância da ordem ali. E ele não tinha feito nada que soasse realmente injusto comigo; não era certo que eu retribuísse colocando os Clareanos contra os Encarregados.

Mike continuou me encarando, esperando resposta, então apenas dei de ombros. Depois do almoço, passamos a tarde sem falar muito, dividindo a carga de trabalho que Gally havia nos imposto. Ao terminarmos, fui atender a todos que precisavam de um Ajudante e fiquei satisfeita em poder esquecer a frustração de não poder ver os Mapas. Eu teria que me conformar com aquilo uma hora ou outra e confiar nos Corredores. Todos estavam fazendo isso, não custava tentar.

Após ajudar os Socorristas com um garoto que se recuperava da Transformação, parei encostada ao muro da Porta Leste e verguei a cabeça para trás, deixando o sol esquentar e relaxar meu rosto. Respirei fundo, ignorando a pergunta de como nunca chovia, nem nevava, nem fazia frio. Alguma coisa dentro de mim se contorcia em revolta com a falta disso. Provavelmente tínhamos sido reduzidos a centímetros de altura, colocados num compartimento de vidro em que tudo aquilo estava construído, enquanto os Criadores observavam o que fazíamos. Tive vontade de erguer o dedo do meio e xingar bem alto, mas as chances da minha teoria ser falsa eram claras.

Escorreguei pela parede e me sentei. Tagarela veio correndo com a língua balançando para fora.

Os Clareanos andavam por todo lado. Alguns seguiam de um ofício para o outro, alguns carregavam caixas e materiais... Parecíamos zumbis em trabalho escravo, especialmente pelo semblante tristonho. O desânimo era quase palpável no ar. E por mais que quisesse, eu não conseguia fingir que estava bem. Passava a maior parte do tempo dando assistência aos outros para não pensar em mim, mas era uma tarefa cansativa; a vontade de saber quem eu era me sufocava mais a cada dia.

— Quem sabe eu consiga um lar para você, Tagarela. — comentei distraidamente e olhei para ele. — O que acha de ficar comigo? Vou estar um pouco sozinha quando sairmos e acho que você também.

Até ele estava melhor que nós. Independente de ter sido largado ali, não sabia o que era, apenas seguia o instinto da sobrevivência. Pensando nisso, questionei para os ares por que Tagarela nunca saia pelas Portas abertas durante o dia. Ele sempre ficava no Sangradouro, logicamente pela carne à disposição; mas ainda era um cachorro, por isso deveria ser curioso e sair andando por todo o lugar e, consequentemente, para o Labirinto.

A imagem de Tagarela sendo atacado por um Verdugo me fez desistir da dúvida com um aperto no meu peito.

Caçarola me chamou parado à porta da Cozinha, deixando-me satisfeita por ter outra coisa em que me concentrar. A pia estava cheia de louça e o cheiro do jantar sendo preparado me animou. Subi as mangas da minha blusa, apertei melhor meu rabo-de-cavalo habitual e comecei a lavar. Não levou dois minutos até que Thomas entrasse.

— Alby pegou pesado? — perguntei com uma careta melindrosa.

— Poderia ter sido pior; só precisei passar o dia inteiro dentro daquele lugar olhando os Mapas.

Eu estava prestes a pedir desculpas, mas ele continuou.

— Verifiquei os dias pares, os ímpares e umas outras combinações malucas com as áreas... E não deu em nada.

— O que aqueles desgraçados esperam da gente? — questionei. — Só podem estar pedindo o impossível! — larguei uma dezena de talheres de uma vez ao lado e o barulho fez minha raiva crescer.

— Vou continuar tentando com as áreas entre si, parece ser melhor do que insistir só na minha.

Assenti com a cabeça e suspirei, voltando a lavar os pratos. Caçarola veio do fim do corredor com uma colher fumegante na mão.

— Estão de segredinhos de novo, ham? Alby me contou. Pode ir dando o fora daqui, Fedelho... A menos que queira ganhar um servicinho a mais.

Balancei as sobrancelhas para Thomas e ele saiu da Cozinha. Caçarola virou-se tão bruscamente para voltar ao fogão que o molho de tomate da colher respingou em mim.

Desliguei-me das conversas dos outros cozinheiros ao meu redor e demorei a perceber que estava lavando os mesmos pratos e copos pela segunda vez. Não tinha ideia da onde minha mente tinha ido parar com os pensamentos, mas obviamente fora longe.

Bufei com o cansaço que começou a dominar meu corpo e sequei minha mão num pano, olhando ao redor para me certificar de que não faltara nada. Meus olhos atravessaram o espaço à minha frente, para além da porta aberta, e pude ver um garoto desacelerando os passos apressados enquanto cruzava a Clareira na direção de uma das entradas para o Labirinto. Ele parou de andar, olhando para algo, oscilando o peso do corpo sobre os pés. E sem aviso nenhum, ele caiu e bateu pesadamente no chão.

Larguei o pano de qualquer jeito e disparei para fora da Cozinha.

— Socorristas! — um Clareano próximo ao outro berrou e abaixou-se.

Vi Jeff soltando a porta da Caixa, o que produziu um barulho forte de metal batendo e rangendo, e correndo até eles. Quando os alcancei, um pequeno grupo havia se amontoado ao redor do garoto caído e Jeff checava o pulso dele. Meu corpo congelou quando percebi que era Newt desacordado. Abaixei-me ao lado dele e fui dominada por uma vontade súbita de lhe dar um belo tapa para que acordasse; cerrei meu punho para me conter.

— Ele não tem pulso. — Jeff avisou no mesmo momento em que Clint surgiu da multidão. O silêncio que pairou foi mortal.

— Façam alguma coisa! — exclamei desesperada, meu coração começando a machucar de tão forte que batia.

Os dois pareceram confusos ao se entreolharem e olharem para mim e Newt. Meu corpo estava quente, eu começava a suar. Nunca teria imaginado alguma coisa tão grave acontecer ali.

— Newt, pode me responder? — indaguei nervosamente, apertando seu braço e entrelaçando meus dedos em seu cabelo. A pergunta soava idiota, mas o desespero gritava dentro de mim. Ele não respondeu, seu corpo permaneceu imóvel. Nem seus olhos se moviam por baixo das pálpebras.

“Acalme-se”, pensei severamente comigo mesma. Cerrei os dentes para não perder o controle e busquei na minha mente qualquer coisa que poderia ser feita. Mas não precisei fazer esforço, mesmo com os meus batimentos cardíacos soando mais alto que nunca nos meus ouvidos.

Desafivelei a bainha que cruzava seu peito, joguei-a de lado e puxei a gola da camisa dele de uma vez só, fazendo os botões saltarem para o chão, e posicionei uma mão sobre a outra por cima de seu coração. Estiquei os braços e comecei a pressionar seguidas vezes, com o máximo de força que eu possuía, forçando o peso do meu corpo para baixo, acabando com a tremedeira das mãos. “O ritmo, o ritmo...”, lembrei de repente e me concentrei mais, tentando manter a sequência pariforme. Eu respirava pela boca com o esforço e o desespero que eu tentava conter. Era cruel que eu dispusesse de tanto ar e Newt de repente não.

— Vamos, vamos... — sussurrei, sempre desviando o olhar das minhas mãos para seu rosto, esperando alguma resposta. Senti-os arder e então encheram-se de lágrimas. Fazer aquilo parecia lógico, mas também poderia ser inútil, e talvez a real solução não tivesse nada a ver com aquilo. Pisquei fortemente para que os borrões saíssem e respirei fundo para afastar os pensamentos. Precisava funcionar. Chorar não adiantaria. Funguei e pressionei com mais força. “O ritmo...”, repeti.

Clint abaixou-se do outro lado e pegou o pulso de Newt. A visão dele tão vulnerável ali era dolorosa depois de todas as ordens que ditou para mim. Parecia inacreditável que fosse capaz de chegar àquele ponto de fraqueza.

— Estou sentindo, mas está fraco. — Clint disse.

Um terceiro garoto se abaixou próximo a Newt.

— O que aconteceu? — Alby perguntou severamente, mas preocupado. Neguei a mim mesma lhe dar a atenção. “Vamos, Newt...”. Eu só conseguia pensar no ritmo que deveria manter.

Minhas costas reclamaram, meus braços começaram a perder força. Inclinei meu rosto sobre seu peito para ouvir seu coração e tive a certeza de sentir algo. Voltei a pressionar, com ainda mais energia. De nada valia eu me recuperar do cansaço depois se Newt morresse.

Esqueci de chorar, esqueci de sentir medo e esqueci de sentir dor. Eu era a única que estava fazendo alguma coisa. Eu não podia parar nem que o próprio fantasma de Newt mandasse.

— Voltou. — Clint disse e voltei a prestar atenção no que havia ao redor. — Voltou ao normal.

Arregalei os olhos para ele e me inclinei sobre o peito de Newt outra vez. O batimento ia contra a minha orelha, claramente audível. Aproximei meu rosto do dele e finalmente senti a respiração. Correntes esmagadoras de ferro soltaram meu coração. Suspirei sonoramente de alívio e me sentei, o encarando, ainda esperando que acordasse; mas alguma coisa me dizia que aquilo tinha sido sério demais para que abrisse os olhos tão cedo.

— E agora? — Jeff perguntou, agachado logo ao meu lado. Olhei para ele e questionei silenciosamente o fato de estar dirigindo-se a mim sobre o que fazer.

— Vamos deixa-lo na Sede. — respondi o que parecia mais óbvio. Nenhuma outra providência me vinha à mente. Ergui os olhos para Alby, que passou seu olhar de preocupado com Newt a desconfiado comigo.

— Acham que vai ser ela a levá-lo? — ele indagou raivoso e ordenou: — Carreguem-no para lá.

Jeff e Clint obedeceram, segurando os braços e os tornozelos de Newt para erguê-lo. Segui-os de perto para a Sede, encarando Newt com tanta atenção, temendo que fosse o jeito errado de carregá-lo, que tropecei duas vezes pelo caminho. Os dois Socorristas pararam ao pé da escada para os quartos e bufaram com o esforço. Voltando a sentir meus braços doerem, usei-os para erguer as pernas e o torso de Newt para ajuda-los, e começamos a subir com dificuldade.

Jeff chutou a porta de um dos quartos e nós entramos. Descansamos ele na cama com um travesseiro sob sua cabeça, então tratei de voltar a checar sua respiração. Ainda estava normal.

Larguei-me numa cadeira ao lado, sentindo meu corpo tremer e minha respiração finalmente começar a se estabilizar. Encarei Newt, ainda inconscientemente esperando que acordasse. Alby entrou a passos duros e correu o olhar sobre nós quatro.

— Ele está bem ou não? — fitou-me exigente.

Ergui os ombros uma vez, cansada até para isso.

— Não sei. — respondi.

— Quer dizer que fez aquilo tudo e não sabe simplesmente se ele vai ficar bem? — perguntou, aproximando-se.

Quase me levantei e gritei para que fosse embora, mas o questionamento dele era o mesmo que o meu.

— Ele está vivo, é só o que eu sei. — repliquei com outro dar de ombros, tentando parecer indiferente à posição dele.

— Espere até ele acordar... e você vai explicar como sabe fazer tudo isso sem piorar as coisas. — ele disse apontando o dedo e se virou para sair.

— Alby, não acha que isso é o que acontece com todo mundo? — ele parou, mas não se virou. — Cada Clareano tem seu trabalho, cada um é bom em alguma coisa. E ninguém sabe como. Duvido que seja por vocação. Só quero ser Socorrista porque acho que sou mais útil aqui do que lavando pratos.

Ele abaixou a cabeça e a balançou em negação, depois saiu do quarto sem dizer mais nada.

Clint pegou um jarro e um copo de água de cima de uma mesinha e colocou sobre a cômoda ao lado da cama.

— Vocês podem ir. — falei e eles me encararam. — Vou esperar até ele acordar.

Eu já decidira uma vez ir visitar a pessoa que tentei ajudar; agora estava prometendo a mim mesma que não sairia dali até me certificar de que tudo estava certo com Newt. Eu cumpriria. Desejei que Alby e sua grosseria sumissem pelo buraco da Caixa. A opinião dele sobre o que eu estava fazendo fora irrelevante enquanto tentava a ressuscitação.

Ressuscitação.

O nome caía perfeitamente àquilo.

Sem mais nada para fazer, pus-me a pensar na posição que usei para reanimar Newt, nos sentimentos que passaram pela minha cabeça, no esforço e no cansaço, nas lembranças de ajudar alguém que sempre me escapavam quando eu tentava interpretar... Tudo aquilo parecia fazer mais parte de mim do que eu imaginava.