Sobrevivendo com os Tokio Hotel

Lições com o assassinato da chapinha


Bati a porta do armário do banheiro com força suficiente para arrancá-lo das dobradiças.

– Aquele filho da mãe me paga – resmunguei enquanto saía do banheiro em direção ao corredor.

Bati duas vezes na porta do quarto do meu querido, e futuro falecido, amigo. Na terceira batida, acidentalmente acertei o nariz dele que havia aberto a porta.

– Ai! – ele começou a massagear a área atingida – O que você quer, anã?

– Minha chapinha, Georg – empurrei-o para me dar espaço e entrar no quarto.

Georg Listing possui a aparência de um cara que você não deseja encontrar a noite em um beco escuro, ele é forte e isso é bem aparente quando se olha para ele além de ter um olhar bem intimidador quando deseja, mesmo assim ainda usa minha chapinha rosa com estampa de oncinha sempre que precisa alisar seus longos cabelos castanhos. O pior de tudo: ele é rico.

– Não sei onde está sua chapinha – ele bocejou e só então percebi que ele estava vestindo apenas uma calça de moletom, seu típico pijama.

– Georg Moritz Hagen Listing – o olhei da forma mais ameaçadora que consegui – Onde está a minha chapinha?

Ele pareceu desconfortável com a minha cara de psicopata maluca, coçou a parte de trás da cabeça e deu um sorriso amarelo.

– No lixo – respondeu com a cara da floresta amazônica inteira, porque dizer que era apenas “cara de pau” seria eufemismo.

– Georg! – gritei o mais alto que pude sem estourar minhas cordas vocais.

Acho que você não está entendendo nada, não é mesmo? Pois bem, eu explico.

Meu nome é Sophia Keller, sou amiga dos garotos da banda Tokio Hotel desde o tempo em que eles lutavam para conquistar espaço em alguma gravadora e não passavam dos “esquisitos com sonhos impossíveis”. Com o passar dos anos e o aumento da fama dos meninos, nossa amizade se manteve firme e forte, e como os gêmeos Bill e Tom Kaulitz nunca paravam em casa com suas milhares de turnês terminei encarregada de cuidar do “habitat” natural deles nesse meio tempo.

Isso é ótimo porque não preciso pagar aluguel e terrível porque sobrevivo com quatro marmanjos que não sabem nem como ligar a máquina de lavar roupa.

– Volta aqui seu futuro defunto! – gritei enquanto corria atrás do Georg que já estava descendo as escadas em busca de algum lugar seguro – Como assim a minha chapinha que foi parcelada em cinco vezes no cartão de crédito “está no lixo”? – pulei diversos degraus, mas ainda estava longe de alcançá-lo.

Eu disse que os garotos eram ricos, não eu. Eu sou apenas a pessoa que cuida da casa e come de graça.

– Foi culpa do Gustav! – ele apontou para o garoto loiro que estava comendo uma barra de chocolate enquanto assistia Hora de Aventura na televisão.

– Culpa minha? – ele pareceu confuso até ver minha cara de assassina – Não tive culpa! – ele saltou do sofá e com uma velocidade impossível de ser atingida por um gordinho saiu correndo para o mais longe possível de mim – Eu não tinha como saber que aquela chapinha era sua.

– O que você fez? – falei sílaba por sílaba para dar um efeito mais ameaçador na pergunta.

Os “G’s” trocaram olhares perguntando um para o outro se deviam ou não me contar.

Gustav Schäfer é quase o oposto do Georg e o perfeito oposto do Bill, ele é do mesmo tamanho do Georg, mas por ser um eterno ursinho de pelúcia (forma fofa de dizerque para mim ele é um eterno gordinho) parece ser mais magro. Vê-lo andar pela sala tentando não esbarrar nos móveis igual a uma barata tonta pelo veneno era, no mínimo, hilário.

– Se vocês contarem logo talvez ela os mate mais rapidamente – Tom entrou na sala segurando uma vasilha cheia de pipocas amanteigadas.

– Não sei se eles merecem tanta clemência, Kaulitz – encarei o garoto de dreads que se sentou no lugar que segundos atrás era ocupado pelo gordinho – Eles mexeram com a minha chapinha parcelada em milhares de vezes.

Tom desligou a TV e virou-se olhando para os garotos com um sorriso de satisfação no rosto.

– Um duplo homicídio ao vivo é bem mais interessante que desenho animado – comentou.

– Isso que é amigo – Gustav mordeu novamente seu chocolate – Não ajuda os outros.

– Pensei que você me achava especial – Georg choramingou fazendo beicinho.

– Oh, vocês vão ser especiais – voltei a fazer minha expressão de psicopata – Dizem que quando morremos nos tornamos especiais.

Ouvi os dois engolindo em seco simultaneamente. Um deles iria ceder.

– Eu estava passando chapinha no cabelo – Georg gaguejou um pouco – Quando o Gustav passou do meu lado e puf!

– “Puf”?

– Não foi “puf” – Gustav resmungou – Como era líquido foi mais “splash”.

– Líquido? – repeti.

– Não seja idiota – Georg revirou os olhos – Nada faz “splash”.

– Nem “puf” – Gustav mordeu novamente seu chocolate – E depois começou a sair fumaça.

– Fumaça? – repeti incrédula imaginando a cena.

– Isso está ficando bom – Tom continuava comendo suas pipocas com manteiga enquanto observava a cena.

– E começou a sair fogo da tomada.

– Fogo da tomada? – como se só agora tivessem lembrado que eu existo, ambos se viraram me olhando com sorrisos amarelados estampados no rosto – O que vocês fizeram com a minha chapinha?

– Eu derrubei leite com achocolatado nela – Gustav sorriu.

– Aproveite essa barra de chocolate – rapidamente tirei meu chinelo do pé e o segurei como se fosse uma arma – É a última que você vai comer nessa encarnação.

Gustav a começou a correr com sua super velocidade de gordinho que só aparece quando sua vida está em risco e eu fui atrás para vingar a morte da minha chapinha. Não pense que isso é algo que só acontece às vezes, praticamente todos os dias tenho alguma história sem noção ou bizarra como essa e é por isso que eu comecei a escrever tudo o que acontecia no meu diário que carinhosamente apelidei de “Manual de Sobrevivência com os Tokio Hotel”. Acredite, vai ser um grande best-seller um dia.

Essa semana mesmo algumas coisas bem estranhas aconteceram.

Na segunda-feira o maior gênio desse planeta resolveu roubar um dos meus sutiãs e entregar para uma garota cujo nome ele não conhece.

– Ela vai passar AIDS para o meu sutiã! – argumentei quando consegui, com muito esforço, uma confissão vinda dele.

– Não tem como alguém pegar AIDS após entrar em contato com os mamilos de outra pessoa – ele revirou os olhos – E ela nunca irá devolver a peça de roupa.

– Mas eu parcelei em sete vezes no cartão de credito – resmunguei – Você me deve uma lingerie nova!

Ao anoitecer, ele apareceu com uma sacola de sex shop na qual uma nada decente fantasia de cavalo sensual estava. Terminamos a noite na delegacia e quase fomos fichados por atentado ao puder. Como eu podia imaginar que forçar o Tommy a vestir a fantasia de cavalo sensual e sair na rua seria algo indecente?

Na terça-feira resolvi que como o Tom gosta de doar as roupas dos outros, alguém deveria doar as dele. Assim que acordou ele invadiu meu quarto com sangue nos olhos.

– Onde estão minhas roupas? – gritou furioso.

– Com o Bob.

– Quem é Bob? – perguntou confuso.

– É o dono de um cachorro chamado Peixinho dourado. Acredita que ele treinou o cachorro pra se fingir de morto e conseguir esmola?

– E por que minhas roupas estão com eles?

– Porque você gosta tanto de doar as roupas que não são suas que eu não pude evitar fazer uma boa ação em seu nome – sorri satisfeita – De nada.

– Você deu minhas roupas para um morador de rua?

– É, mas ele não gostou – encarei minhas unhas sem interesse algum na explosão de raiva dele – Disse que eram feias e bregas.

– Você vai morrer! – ele gritou correndo em minha direção.

Cai da escada durante minha fuga e terminei esmagando o pobre Bill que inocentemente subia os degraus.

Na quarta-feira sai para fazer as compras do mês e quando voltei percebi que a minha nova maquiagem havia desaparecido do seu lugar sagrado. Corri até o quarto do Kaulitz mais velho com um secador de cabelo nas mãos, pronta para a guerra.

– Onde está a minha maquiagem, Tom? – perguntei com fúria no olhar.

– Eu não sei do que você está falando – ele nem se deu ao trabalho de desviar o olhar de uma revista em quadrinhos.

– Sabe sim! – puxei a revista da mão dele que por milagre não rasgou e empunhei o secador de forma ameaçadora – Confesse agora e não sofrerá tanto as consequências.

– Realmente, não sei do que você está falando – a falta de expressão no rosto dele me deixou confusa.

– Se não foi você, quem foi? – franzi o cenho.

Não sei o que o Tom poderia me responder, um grito agudo atrapalhou a conversa.

– Quem é a garota gritando? – ele perguntou.

– Não é garota, é o Bill – respondi.

Juntos corremos até o quarto do Kaulitz mais novo e o que encontramos nos fez cair no chão e rolar de rir ao mesmo tempo.

– Isso não tem graça! – Bill cruzou os braços em frente ao peito magro.

– É muito engraçado – Tom disse em meio as gargalhadas.

Bill pegou minha maquiagem e agora sofria com uma alergia ao produto. Os lábios estavam inchados, seus olhos pareciam ter sido socados por algum lutador de MMA e a maçã direita do rosto estava inchada como se fosse uma picada gigante de pernilongo.

Claro que o levamos ao hospital onde até mesmo o médico achou graça da situação e tiramos muitas fotos para chantagens futuras.

– Agora que você sabe quem pegou sua maquiagem, peça desculpas por me acusar injustamente – Tom ordenou quando finalmente paramos de rir.

– Sinto muito – limpei as lágrimas no rosto. Rir até chorar é tão bom.

– Boa menina – ele bateu levemente na minha cabeça – Merece até um biscoitinho anti-raiva.

– Eu vou enfiar esse biscoito no seu

E agora aqui estamos nós, quinta-feira a noite. Eu com um encontro marcado, sem chapinha para usar, dois marmanjos fugindo de mim e um com pipocas acompanhando a cena toda.

– Vocês me deixam louca! – gritei batendo o pés no chão e subindo as escadas.

No corredor que dava acesso aos quartos encontrei Bill com seu roupão de leopardo e o rosto quase sem inchaço algum.

– Dia difícil? – ele perguntou sorrindo de forma carinhosa.

– Com vocês tudo é difícil – resmunguei.

– Não fique assim – ele abriu a porta do seu quarto e entrou – As coisas podem mudar.

Encarei o corredor agora vazio com exceção de mim e puxei os cabelos urrando de raiva.

As coisas aqui não são e nem nunca serão fáceis, mas eu realmente amo tudo isso.

– Meninos – gritei descendo as escadas – Qual de vocês vai pagar minha nova chapinha?

Peguei um vaso e os olhei de forma ameaçadora.

– Corram para salvar suas vidas – Tom gritou dando inicio a outra confusão.

Agora que você conhece um pouco do meu cotidiano entende porque sigo que nada aqui é normal?