Hospitais sempre tinham um cheiro estério. Havia uma sensação de agonia no peito dela que a fazia repudiar aquele cheiro. Por que? Será que em algum momento de sua vida chegou a odiar aquele cheiro? Era esse o problema, ela não sabia! Não lembrava de quem, quando, ou onde. Apenas abriu os olhos sentindo que era como se o fizesse pela primeira vez. E sentiu dor.


Pessoas podem passar a vida toda se perguntando quem sou eu, mas para ela, ali deitada na cama de hospital aquela pergunta era crucial. Não lembrava seu nome, sua idade, de onde era ou qualquer outra coisa anterior antes de se recuperar do suposto acidente. E tinha de admitir era uma sensação tão horrível quanto engolir pregos enferrujados.


_Com licença – uma enfermeira ruiva adentrou o quarto e sorriu suave – O doutor Daniel já está adiantando a sua alta. Vim verificar se estar tudo bem.


_Não, não está – ela respondeu fraca, ainda não tinha forças – Ninguém sabe me dizer o meu nome e o pior de tudo é que nem eu mesma sei essa resposta.


_Posso ajudar com o primeiro nome.


Não foi a mulher que falou aquilo, afinal era impossível ela ter um timbre de voz tão pesado e rude. Um homem alto e com grossas vestimentas entrou no quarto de cores claras do hospital e tudo pareceu ficar menor. Ela o fitou mais por curiosidade do que por qualquer outra coisa, os olhos castanhos estavam duros e a expressão era de quem não gostava de onde estava. O queixo aristocrático estava erguido, revelando a autoridade que ele liberava naturalmente.


_Achei isso aqui – ele jogou algo para ela – No mesmo lugar onde a achei.


Aquilo fez o coração dela disparar. Pegou na cama o objeto que caiu sobre seus lençóis, era uma pulseira de ouro com uma barra fina para gravar um nome. Lara. Esse era o seu nome! Não tinha certeza, não lembrava, apenas SENTIA isso. Voltou a fitar o homem com um jeito diferente, ele apesar de seu jeito indiferente salvou a sua vida e agora lhe salvava de ficar maluca.


_Obrigada – murmurou realmente agradecida.


_Pegue suas coisas o mais rápido possível, não tenho o dia todo – ele estava praticamente ordenando.


_O que? – Lara mal havia acompanhado a frase dele.


_Partir, onde acha que vai ficar? Eu salvei você e não tem um níquel no bolso, vai ficar na minha casa até se recuperar.


O jeito dele a irritava. Dizia os fatos como se fossem imutáveis... porém isso não é verdade? Fora achada no meio de uma estrada coberta de neve, sem documentos e quase sem vida. Quem seria ela para negar qualquer coisa naquele momento tão confuso de sua vida? E ainda mais, aquele homem moreno poderia parecer perigoso se não notasse o olhar preocupado nele.


_Bom se quiser se virar sozinha não vejo problema nenhum – ele deu de ombros indiferente – Boa sorte.


_Espere! – ela exclamou – Não, sinto muito se fui indelicada ou algo do tipo, só é muito confuso para mim! Como se chama?


_MacNight, Dimitri MacNight – ele respondeu sem alterar o tom de voz – Estarei esperando você no carro, é uma picape preta, vai saber qual é.


E ele partiu. Ela segurou a pulseira e olhou seu nome. Lara. Lara de que? Tudo o que tinha do seu passado era aquele simples objeto e porém ele nada lhe dizia a não ser um nome. Lara. Pois que assim se chamasse Lara. Olhou para a enfermeira que sorriu simpática. ela a ajudou a vestir umas roupas desconhecidas e pesadas por causa do frio.


_Onde estamos? – Lara perguntou a enfermeira.


_Lachine, uma vila de Montreal – a moça respondeu enquanto arrumava a cama.


_Canadá? – Lara lembrou-se, ao menos não esqueceu da geografia – Isso me parece tão estranho... Mas o que não é estranho para mim?


_Não se desespere tanto, pode ser pior – aconselhou a enfermeira – MacNight é conhecido na cidade, foi um militar nos Estados Unidos e é muito responsável, apesar de parecer um Titã adormecido.


Um Titã. Era esse um adjetivo muito similar a realidade daquele homem. Lara ficou no hospital por quase meia hora, recebendo receitas para remédio e recomendações. Estava perdida, esse era o certo. Um fato mais convicto do que qualquer outro. Quando saiu lá estava uma picape estacionada e com um homem que parecia descansar dentro.


Aproximou-se e bateu no vidro escuro. Dimitri o desceu e a fitou diretamente nos olhos e a reação dela foi dar um passo para trás. Ele a intimidava com aquela expressão indiferente, Lara não duvidava que ele devia ter sido temido no passado. Ou talvez ainda fosse.


_Entre – ele ordenou.


Lara não replicou, entrou no carro e sentiu o ar quente. Agradável. Ele começou a dirigir em silencio mortal. Queria perguntar as coisas, mas por onde começar?


_Como me achou? – perguntou enfim.


_Caída no chão, indo para a rua principal. Não duvido de que tenha sido atropelada e o culpado tenha fugido pensando que estava morta – ele respondeu sem desviar a atenção da estrada.


_Por que está me ajudando? Sou uma desconhecida... até para mim mesmo – comentou finalmente demonstrando sua confusão.


_Quer que volte e te deixe sozinha? – ele perguntou quase irritado.


_Não, sinto muito – Lara negou logo – Só que... é estranho.


_Não se preocupe. Tudo tende a piorar.


Que animador. Lara ficou quieta, respeitando o silêncio dele. O que mais poderia fazer? Seguiram para a periferia da cidade, chegando perto de um pequeno lago. Lá havia uma rua com poucas casas, bastante afastadas uma da outra. Próprio para quem queria ficar só. A casa onde estacionaram era em um estilo vitoriano, de um tom azul escuro e com dois andares.


_Ao menos não pode reclamar de que o quintal é pequeno – comentou por impulso.


_Vou lhe dar uma copia das chaves – Dimitri falou enquanto saia do carro.


_Eu posso ter sido um ladrão no passado – ela replicou saindo também.


_Até mesmo um ladrão seria esperto o suficiente para não mexer comigo – ele respondeu frio.


Com certeza. Dimitri não era um daqueles homens grandes e másculos. Tinha os ombros largos, mas o corpo de nadador aparecia através das roupas pesadas de inverno. O frio a tomou como um golpe no estomago. Não gostava do frio. Epa! Isso seria uma lembrança? Não, era apenas um conhecimento próprio, instintos que criou a vida toda, mas não deixava de ser uma descoberta.


Viu o seu salvador entrar na casa sem esperar por ela. Era uma cavalheiro afinal de contas... Lara respirou fundo e olhou para os lados, fosse o que fosse estava ali, devia encarar as coisas não é? Ou morreria afagada nas duvidas e perguntas sem respostas. Por isso entrou na casa logo em seguida, desejando que nada piorasse. Ainda mais.