Não precisava pensar demais para ter uma certeza. Lara não iria voltar. Dimitri sentiu esperanças quando se passou dois dias. Mas o seu telefone não tocara e até o cheiro dela ia sumindo de sua casa.

Estava pescando no final da tarde, dando a si mesmo algumas horas para pensar e não se autodestruir.

Mandou Lara praticamente ir embora. Por que não a forçou a ficar? Poderia ter impedido dela ir, poderia tê-la beijado e até seduzido para que ficasse. E então não teria mais de ficar sozinho.

_Não seja idiota – murmurou para si mesmo.

Colocou a isca no anzol e jogou para longe a linha de pesca. Não havia ninguém naquela hora e a paz parecia realmente existir... Se não fosse o caos dentro de seu peito. Por mais que tentasse não pensar, Lara vinha a sua mente.

Os olhos âmbar vinham como uma memória alegre, o sorriso doce de Lara o fazia lembrar-se dos bons momentos que estiveram juntos. Mesmo que ele tivesse sido um ignorante, Lara havia suportado a ele. E havia ensinado muitas coisas.

Viver sozinho trazia a segurança de não ter de se preocupar com ninguém, de fazer o que quiser sem medir muito as conseqüências. Viver para ele era algo parecido como uma fuga, tentou fugir de seu passado e até invejara Lara por ter tido algo que ele nunca teve. Seu passado apagado.

A guerra ainda continuava, mesmo que aquele guerreiro ferido estivesse fora do campo de batalha. As drogas continuavam circulando, o tráfico aumentava cada vez mais se tornando um negócio promissor. E ele estava ali pescando e pensando na mulher que acabara de perder.

Dimitri sentia que já havia dado muito de si pelo bem da humanidade, e tudo o que recebeu em troca fora um grande vazio no peito e uma casa em um lugar gelado. Fez com que outras pessoas fossem felizes, lutando no fogo cruzado contra os contrabandistas de todas as espécies. Seria então um pensamento egoísta querer viver a sua vida agora?

Mas qual a sua vida? A de um homem amargurado que se fechara de tão modo que ninguém conseguia penetrar. Lara quase conseguira. Pensava que fez bem em não se entregar de modo completo aquela mulher, tentava pensar assim talvez como uma forma de consolo.

Lara. Estava enganado. Havia entregado mais do que imaginou. Não conseguia parar de pensar naquela mulher que invadiu sua vida de modo muito diferente e inusitado. Estava rendendo-se ao seu pensamento quando algo fisgou a sua isca. A vara de pescar de Dimitri balançou de um lado para o outro mostrando que era um peixe e dos grandes.

Dimitri apoiou os pés em seu barco e lutou contra aquele ser que caiu em sua armadilha. Depois de muito tempo a linha de náilon não agüentou e se partiu. Dimitri resmungou e jogou a vara dentro do barco e voltou para a margem disposto a beber café, muito café.

Chegando em casa seu telefone tocava sem parar. O seu coração disparou e antes que desse por si estava correndo em direção ao aparelho.

_Alô – atendeu tentando esconder a respiração ofegante.

_Dimitri – Lara falou do outro lado da linha.

Silêncio... E mais silêncio.

_Tudo bem? – Dimitri finalmente perguntou, soou mais suave do que esperava, talvez fosse a saudade... – Lembrou-se de algo?

_Sim. De tudo.

Ele engoliu em seco sentindo a espinha congelar. Era então o tudo ou nada? Ele tentou esconder as emoções, como fora treinado e acostumado a fazer. Por isso quando Lara partiu ficou tão impassível enquanto em seu peito havia o caos absoluto.

_Meu nome é Lara Marie Sinclair. Tenho 27 anos e sou formada em economia – Lara contou calmamente – Nasci em Toronto, mas vivo em Seattle junto com minha amiga e colega de trabalho Kate Richards e graças a ela pude recuperar tudo não é?

Graças a Deus. Um alívio percorreu Dimitri de uma forma inesperada, Lara agora estava completa e provavelmente encontraria a sua felicidade já que tinha seu passado novamente! E para Dimitri aquilo era o que mais importava naquele momento.

_E o acidente?

_Estava em uma viagem de férias rápidas. O meu patrão havia se casado e dado uns dias de folga aos seus funcionários. Havia decido ir para o Canadá por causa de colegas, Kate foi ficar com o seu namorado. Eu havia me perdido do meu grupo, o acidente aconteceu e não me lembro de mais nada. A não ser que a partir daí ver você.

_Isso é necessariamente ruim?

_Nem um pouco Dimitri, você foi à base que eu precisei para superar. Não foi a bondade personificada, mas nunca me tratou como uma deficiente e era forte por mim e você.

_E... Você ficará ai, não é?

Mais alguns minutos de silêncio. Lara suspirou do outro lado da linha, tentou falar algumas palavras e Dimitri sentiu o peito se comprimir. Ela não iria voltar.

_Eu tinha um namorado. Travis Button.

Aquilo doeu mais do que as cicatrizes de guerra que ele tinha sobre o corpo. Enganara-se, ter seu coração levado era pior do que a guerra que vivenciou.

_E ele me pediu em casamento. E eu aceitei.

Dimitri escutava cada palavra quieto. Não sabia mais como simplesmente respirar.

_Parabéns então – sua voz soou incrivelmente suave em completo contraste com o seu estado de espírito.

_Dimitri quero que saiba que tudo o que a gente viveu foi de grande importância para mim. E que nunca vou esquecê-lo. Contei a Travis tudo o que a gente passou e ele entendeu que você foi a minha âncora e que eu não me lembrava do amor que eu já sentia por ele. Travis é... muito importante.

Mais importante do que ele. Afinal qual importância teria um ex-soldado amargurado e grosso? Dimitri sabia que estava sendo infantil. Respirou fundo tentando coordenar os pensamentos. Lara não se lembrava de que já estava comprometida e como dissera tinha apenas a ele para se apoiar.

_Não transforme tudo o que passamos em uma lembrança indesejada – foi tudo o que pediu.

_Nunca – prometeu Lara – Quero que venha ao meu casamento quando acontecer.

_Não vou – Dimitri respondeu meio duro – Sabe disso.

_Não custava tentar. Escute Dimitri... Quero que você também não esqueça de como é ter alguém do seu lado, que a solidão não da nada em troca além do frio. Cuide-se.

_Vou me cuidar. Você também.

E desligou.

Dimitri jogou-se no sofá e olhou a janela. O tempo passou indiferente a ele, estava certo, Lara nunca mais voltaria. Os olhos âmbar partiu e lhe disse um ultimo adeus. Seu coração doía, havia quase amado aquela mulher, porém Lara não deixou de ser importante. Foi uma paixão que começou e foi interrompida de forma bruta para ele.

Na verdade estava surpreso. Fora gentil quando mais se sentiu confuso na sua vida, conseguiu dizer palavras de conforto quando estava perdido dentro de si. Não entendia muito bem o porquê, simplesmente seguia os instintos... E então ele era um falso Titã.

Através da janela ele observou as flores que já apareciam. O verde logo tomaria conta de Lachine e tudo ficaria mais quente. Dimitri sentia no peito o vazio e ao mesmo tempo paz. Lara estava feliz e ficou sinceramente bem com isso. Até surpreso por ter aceitado tudo aquilo tão rápido. Talvez fosse porque havia mudado.

O inverno estava indo embora, a neve derretia para ceder lugar para a linda primavera. Lara havia ido embora deixando seu coração mais vivo que nunca, entretanto com um vazio que levaria tempo a ser escondido novamente.

Fim

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.