Não eram namorados... Não oficialmente. Mas toda vez que Dimitri chegava em casa Lara agora o recebia com um beijo rápido. Era apenas isso algumas vezes, outras ele não conseguia manter-se longe o suficiente para não reagir e a beijava até perder o ar.

Era assustador. Depois de cinco anos passar a viver com alguém e gostar de alguém o assustava mais do que ir ao campo de batalha novamente. Uma vida a dois parecia instável, uma guerra era simples, matar ou morrer. Lara era tão frágil que ele tinha medo de não saber lidar com ela e acabasse por se quebrar.

Mais ainda. Era uma mulher perturbada. Com tantas mulheres no mundo porque tinha de começar a gostar de uma sem memórias? E o pior, não conseguia não gostar. O inverno estava acabando, não havia mais tanta neve porém ainda estava frio. Não era um bom momento para fazer um piquenique, mas Lara ficou tão encantada quando sugeriu um que ele não conseguiu dizer não.

Buzinou no carro para chamá-la.

“Meu Deus o que estou fazendo?”

Estava dando esperanças para uma garota que não tinha nada onde se segurar a não ser ele. Pior, estava dando esperanças para si mesmo. Sentia tanta falta de um carinho humano que só quando Lara entrou na sua vida veio a perceber. Perceber que viver sozinho não era tão agradável e não trazia paz, apenas uma ilusão de que estava no lugar certo.

Descobrir que passou anos renegando a si mesmo de viver novamente era exaustivo, pois teria de começar de novo. Assim como Lara parecia fazer. Ela tinha medo, medo do nada que antes ele tanto desejou, mas continuava ali, sorrindo para os vizinhos e curando as feridas antigas dele.

_Só estava pegando mais sanduiches – Lara disse ao entrar no carro – Melhor prevenir do que remediar, não concorda?

_Oh que maravilha, não iremos morrer de fome.

Foi meio uma grosseria, mas como sempre Lara sorriu encantadora. Ela usava a cura que ele precisava, o aceitava como ele era sem perguntas. Dimitri naquele momento estremeceu, estava se entregando a ela e isso era tão assustador quanto inevitável. Lutou antes com a ira dos homens, a inteligência do contra-ataque e não sabia de jeito nenhum como lidar com o... amor?

Deu partida no carro e dirigiu escutando qualquer música na rádio. Iria levá-la para Four legs in Parc René-Lévesque, um dos pontos turísticos de Lachine. Como sempre, ficou em silêncio.

_Vamos para onde tem aqueles pés engraçados e gigantes? – perguntou Lara se referindo as esculturas do parque.

_Sim.

_E você vai ficar sério assim?

_Sim.

_E você só vai dizer sim?

_Sim.

Era até divertido. Quando chegaram lá Dimitri armou a toalha quadriculada e sentou, não falou nada enquanto observava Lara armar a cesta de comida. Olhou ao redor e respirou fundo, o ar estava meio gelado, apesar do dia claro.

_Parece que o pé grande deixou sua marca – brincou Lara olhando as esculturas.

Ele deu de ombros, já estivera ali tantas vezes e achou graça, mas agora era algo comum. Comeu uns três sanduiches e deixou a conversa fluir quase em um monólogo divertido de Lara. Nunca a vira tão feliz ou... viva. Estava até corada por causa da temperatura do corpo reagindo ao ambiente resfriado.

_Dimitri, ficou melado de mostarda no canto da boca – Lara notou em um dado momento.

Não havia como não provocar.

_Limpe para mim – ordenou em seu jeito habitual.

_Porque eu faria isso?

“Porque eu quero você mais perto.”

Ele a fitou. E não desviou o olhar ou mexeu um músculo. Lara suspirou e pegou o guardanapo para limpá-lo e Dimitri a observou em cada movimento, ela chegou a corar ainda mais o fazendo sorrir.

_Sente aqui perto – Dimitri pediu.

_Sim senhor capitão, mais alguma ordem?

_Acho melhor você não disser isso ou pode se arrepender... ou não.

_Dimitri sabe que não podemos ter...

_Não quero falar disso.

_Mas é algo importante...

_É algo que estamos vivendo passo a passo isso não é o suficiente para você?

Lara suspirou novamente. Dimitri olhou para o céu tentando não pensar na possibilidade negativa. Fazia anos que não se sentia bem, mesmo que ainda por fora seja um Titã por dentro estava quase domesticado. E tinha medo que Lara descobrisse e se sentisse acuada. Não podia deixar de ser ele pois se aquela mulher viesse a gostar dele, que fosse pelo Titã.

_Está esfriando – Lara comentou encostando do nada nele.

_Está no Canadá – Dimitri falou como se aquilo explicasse tudo, e explicava.

E a abraçou. A vantagem do frio era que com a garota certa podia-se usar o truque certo.

_Por que não gosta da neve? – Lara perguntou depois do silêncio.

Dimitri ficou tenso, quieto. Como dizer a ela algo tão intimo? Nunca fizera aquilo antes!

_Meu ultimo ano eu passei no sul dos Estados Unidos, lutando contra o tráfico de armas com a América Central – Dimitri revelou finalmente – Não gosto da neve porque ela me faz sentir falta do calor das latitudes equatoriais e quando penso naquele lugar... Bem, já expliquei.

_Espere, o que aconteceu?

_Nada.

_Não pode ter acontecido nada...

_Você quer estragar a tarde com perguntas que não terão respostas?

Ela ficou quieta. Assim era melhor, não podia entregar-se completamente para ela, não ainda.

_Vamos voltar – anunciou.

_Desculpe pelo assunto de antes...

_Tudo bem.

Assunto encerrado. E era assim que devia ser.

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