— A família real tem baixado o seu nível — fala a mais alta das duas mulheres.

— Estou plenamente de acordo com você, Dora. Para mim, há apenas uma única princesa herdeira digna do título. Como ela poderá estar à altura de Guinevere? — diz a outra mulher mais baixa, examinando uma flor.

— Sim, Melane. Ela não é nenhum um pouco elegante como Guinevere! — garante com muita ênfase Dora. — Não tenho nada contra plebeus se casarem com nobres, mas... veja bem, há níveis e níveis... ah, nossa bela nação, precisa ser melhor representada. A princesa herdeira é o cartão postar de nosso país. E ela... bem...

As duas trocam um olhar significativo.

Me desculpem, se não estou à altura de seus elevadíssimos requisitos. Porque minha vida tem claramente um único propósito, atender aos requisitos das madames ali.

Por que eu preciso ouvir isso? Tudo culpa daquele rei com os miolos estragados que tinha um péssimo gosto para presentes.

— Sabe o que falta? Classe! E isso não se aprende, ou se nasce com ou se nasce sem.

— Escuta, ouvi dizer que os pais delas eram donos de uma lavanderia.

— Claro uma princesa lavadeira — a mulher alta ri.

E daí meus pais serem donos de uma lavanderia? O trabalho deles é digno e cem vezes melhor do que falar da vida alheia. Acho que certas senhoras estão precisando de uma ocupação.

Eu deveria estar mais furiosa, mas esta certamente não é a primeira vez, e nem a última, que ouço falarem mal de mim às minhas costas. Muitos dos nobres e pessoas de famílias tradicionais não me veem com bons olhos. Noto os olhares desdenhosos e presunçosos que são lançados a minha pessoa. Na maioria das vezes, simplesmente ignoro-os. Afinal, não há nada de errado em ter o sangue vermelho em vez de azul. Porém, sempre há alguns olhares mais persistentes que os outros.

— Marquesa! Baronesa!

— Príncipe William! Como está, Sua Alteza? — elas cumprimentam, serelepes, fazendo uma mesura.

— É um prazer vê-las aqui — diz de um modo encantador e sexy. Porque Will precisa colocar até no ar que respira uma alta dose de sensualidade. — Como estão? Espero que o barão tenha se recuperado de sua... doença — fala de forma maliciosa.

— Se recuperou, sim — afirma Dora com uma voz levemente embaraçosa.

— Que bom... e o seu filho, marquesa? Obteve a carta de aceite da Universidade Real?

— George prefere estudar na América — Melane responde com certa relutância.

— Uma pena... — Will fala com sorriso em seus lábios.

— Vamos, Dora, acabei de lembrar que precisamos cumprimentar a princesa Sylvia — diz a marquesa. — Com sua licença, Sua Alteza...

— Toda.

As duas se vão.

— Emma — sua voz me causa um sobressalto. Não pensei que ele havia notado a minha presença.

Will caminha até meu pequeno esconderijo. Estou sentada em uma pequena escada de pedra que fica atrás de um grande pilar. Estamos no jardim da mansão de Lorde Faber, que me convidou para um pequeno jantar em sua casa (pequeno? Claro).

— Há pessoas que gostam de se intrometer na vida dos outros e acabam esquecendo de seus próprios problemas. Um barão que bebe demais ou filho que não consegue entrar na universidade de prestígio por não dar a mínima para os estudos... — ele olha para mim. — Mas o que está fazendo aqui?

— Nada — falo, olhando para minhas sandálias que jazem perto do meu pé.

— Ah... — seus olhos param em meus pés nus. — Me deixa ver isso...

Will pega o meu pé e o examina sem que eu possa recuar.

— Você tem uma bela bolha aqui! — fala como se ter uma bolha desta no pé fosse algo para se comemorar.

Foi a minha bolha no pé que me trouxe a este lugar. Meus pés estavam me matando.

Retiro meu pé de sua mão.

— Só preciso descansar um pouco — garanto.

— Espere aqui! — fala, saindo jardim. — Eu já volto!

Eu não tenho muitos lugares para ir mesmo. Disse para Will que só precisava descansar um pouco, porém, a verdade é que não consigo dar mais nenhum passo. Malditas sandálias! Quem foi que inventou este treco denominado salto alto, também conhecido como instrumento de tortura?

Will volta em alguns instantes. Ele traz um pequeno estojo, guardado em um dos bolsos. E, sem que eu possa impedir, pega meu pé e passa uma pomada, em seguida coloca um band-aid.

— Isso vai te ajudar por enquanto... — diz, sentando-se no mesmo degrau em que estou.

— Obrigada...

Will sorri para mim, sem utilizar aquele tão famoso sorriso sexy.

Já fazia algum tempo que eu não o via; creio que desde as cerimonias fúnebres de Francis e Guinevere.

— Você não tem ido mais ao clube de hipismo... — digo.

— Fui para a Itália.

— Ah...

O pai de Will vive na Itália, às vezes, me esqueço deste detalhe. A princesa Sylvia, segundo muitos boatos que correm entre a nobreza, teria se separado de Vincenzo, seu esposo, mas os dois continuam legalmente casados. Porém, são apenas boatos, e não dá para acreditar em todos os boatos que circulam.

— E Leon? — indaga ele.

— Está em uma pequena viagem...

— Certo.

— Eu não tenho visto Muriel, nem Lyane... — falo hesitante.

Desde aquelas breves férias da família real, eu nunca mais as vi, nem soube delas.

— Muriel está viajando com um espetáculo de ballet. Ela conseguiu o papel principal. Acredito que em breve ela volta. E Lyane... — ele faz uma pequena pausa. Por que as pessoas gostam de fazer pausas dramáticas? — Ela foi passar algum tempo com uma tia que mora no Canadá... — fala laconicamente.

Lyane... eu meio que me preocupo com ela. Lyane é uma garota legal. Legal? Ela é incrível. E ela também é a ex-namorada de Leon. Eu e ele apenas falamos sobre este assunto uma única vez e tudo foi bem vago. Não sei muito bem o porquê da separação. Afinal, ela seria a figura de uma princesa perfeita. Sei que há esta coisa do acordo entre meu avô e o antigo rei... mas, ainda assim... A família real pode ter seus truques.

No entanto, depois de escutar acidentalmente, que o pai de Lyane estava preso e que sua família estava passando por uns maus pedaços, acho que posso concluir algo. A família real — que gosta de exibir sua aura de a família perfeita da nação — não poderia permitir que um casamento assim acontecesse ou que um príncipe se relacionasse com alguém com má fama. Lyane praticamente desapareceu dos eventos e o nome da família dela, que pelo que soube é uma família bem tradicional, não é mencionado. Isso é algo bem suspeito. Certo, isso é apenas uma teoria. Entretanto, algo me diz que posso não estar tão errada assim.

— E como Lyane está? — pergunto.

— Bem, ela está aproveitando para se dedicar totalmente a música... Ela ama o violino — ele diz com doçura. — Para ela, a música é o que há de mais especial.

Fico feliz em saber que ela está bem. Eu gosto dela. É impossível não gostar de Lyane com seu jeito meigo e simpático. Quando ela toca o violino, ela se transfigura. Quase se tem a impressão que ela não pertence ao mundo dos meros mortais.

— E quando ela volta?

— Não sei... — fala Will com um olhar distante. — É bom que ela esteja longe daqui... ela precisava de um pouco de descanso depois de tudo o que aconteceu... — solta um suspiro.

Eu desvio o meu olhar.

— O que... — a pergunta está engasgada em minha garganta, não sei se devo fazer esta pergunta, posso parecer muito indelicada, mas... — O que aconteceu com o pai dela? Eu meio que ouvi que ele foi... — falo de um fôlego só.

— Preso — ele completa. — É, o pai de Lyane foi preso... — Will esmigalha uma flor. — Foi acusado de... cometer alguns atos ilícitos em sua empresa... mas, o processo foi arquivado.

Olho para os meus pés descalços, porque não sei exatamente para onde olhar. Algo me diz que sei o motivo deste arquivamento, por causa de certas palavras que escutei trocadas entre Lyane e Muriel há algum tempo. No entanto, tudo isso são apenas vagas sombras de uma hipótese.

— Vamos voltar — fala Will, se levantando. — Vão perceber a ausência da princesa herdeira...

Calço as sandálias, me levanto e dou um jeito no amassado do meu vestido. A hora de descanso acabou, vamos para o segundo round.

O segundo round é tão exaustivo quanto o primeiro. Quando finalmente me retiro, praticamente desmaio dentro do carro. Tudo o que mais desejo neste momento é uma cama quentinha. Meu corpo inteiro dói, se os fios de cabelos sentissem algo, aposto que também estariam doendo.

Encosto minha cabeça na janela e fico observando a paisagem, tentando não apagar de vez, porque se eu dormir, ninguém vai conseguir me acordar, nem um decreto real. Meus dias são todos assim, uma infinidade de compromissos reais que brotam e se multiplicam do nada. Me vejo sendo colocada em bonitos vestidos, calçada com os melhores sapatos, sapatos que fariam inveja a Cinderela, mas que são terrivelmente desconfortáveis. Me vejo cercada por pessoas que não conheço, que julgam cada passo que dou até a quantidade de ar que respiro. Porque uma princesa herdeira precisa saber a quantidade certa de oxigênio que deve consumir em cada respiração. E quando o dia finalmente acaba, outro dia igual aguarda na fila para recomeçar tudo novamente.

— Chegamos — anuncia Sebastian, abrindo a porta do carro para eu sair.

— Obrigada, Sebastian — saio do carro, fazendo um grande esforço para me manter sobre os meus pés.

Quando chego ao meu quarto, preciso fazer um esforço enorme para não cair imediatamente em cima da cama.

Tomo um banho rápido e me jogo na cama.

O grande relógio do meu quarto com bordas e ponteiros, que parecem feitos de ouro, sinaliza que falta dez minutos para a meia-noite. E assim termina o dia do meu aniversário. É, hoje é meu aniversário. 19 anos.

Meu aniversário de 18 anos foi tão diferente deste. Eu nunca liguei para festas de aniversário e coisa do tipo. Por isso, meus aniversários sempre foram passados em casa. Havia um bolo de laranja, o meu predileto, havia minha família cantando parabéns para mim.

Minha família... eu mal tive tempo de falar com eles hoje. Uma rápida ligação foi tudo o que me restou. Eles haviam ligado ontem, exatamente meia-noite, porém, eu estava em uma recepção de um dos ministros, na maioria destes eventos preciso estar com o celular desligado. Esqueci completamente de ligar o celular novamente, pois sai da recepção extremamente exausta. Só fui ver a ligação deles hoje de manhã.

Talvez por hoje ser meu aniversário e pela primeira vez em toda a minha vida passo esta data longe deles, me sinto sozinha. Hoje passei meu aniversário cercada de pessoas desconhecidas. E a pior de todas as solidões é estar mergulhado em um mar de pessoas. Não, não quero chorar agora. Estou com sono e exausta, preciso dormir. Amanhã será outro exaustivo dia.

Contudo, não consigo dormir, e eu jurava que iria desmaiar de sono, assim que estivesse na minha cama. Pego meu celular. Faz três dias que Leon foi viajar e eu não recebi nenhuma ligação dele. Eu tentei ligar para ele, mas não consegui. Sei que ele está muito ocupado com reuniões. Afinal, esta é uma visita diplomática à França. Mas, me ligar para dizer que ainda está vivo não iria fazer cair a mão dele. Droga, estou entrando em uma fase crítica. Preciso dormir!

Nestes últimos tempos eu e Leon estamos extremamente ocupados. Quase nem nos cruzamos... ah, aquele príncipe... poderia ligar...

Não percebo quando apago.

— Emma... Emma... — perfeito, agora escuto a voz dele nos meus sonhos também... isso está indo longe demais. — Ei... Emma... Acorda.

Abro meus olhos. Leon está diante de mim. Será que é um daqueles sonhos dentro dos sonhos?

Toco em seu rosto. Sua pele é tão delicada, macia e quente. Este sonho está realístico demais.

— Por que você parece tão real? — falo.

— Porque eu sou real — sorri. Um sorriso que faz qualquer garota perder a razão.

— Não, não é, se eu beliscar, vou acordar...

— Por que você não tenta?

Belisco a sua bochecha com força.

— Ai! — ele grita, protegendo seu rosto.

— Então você é real?

— É, claro que sou! E quando eu falei para beliscar, não estava falando de minha bochecha — esfrega o rosto. — Você tem uma mão pesada, sabia? — reclama.

— Que horas são? — falo, me sentando na cama.

— Duas horas da madrugada...

— Pensei que você iria chegar só de manhã...

— Houve algumas mudanças em minha agenda.

Esfrego meus olhos na tentativa de levar o sono. Ainda não estou totalmente acordada.

— Você estava muito ocupado?

— Cheio de reunião tediosas... Mal tive tempo para dormir... tentei te ligar, mas... meus guarda-costas ficaram com meu celular e o telefone do hotel no meu quarto foi proibido, uma das medidas de segurança...

— Ah — olho para ele.

Leon está ainda mais belo. Como isso é possível? Ele por acaso tem uma porção da beleza ou algo assim?

— Desculpa, eu esqueci que ontem era seu aniversário... — diz, me olhando.

— Tudo bem...

— Mesmo?

— Acontece...

— Charlie acabou de ligar, dando uma bronca — sorri. — E como eu não preparei nada para você...

— Mas, eu também não te dei nada de aniversário! — interrompo sua desculpa.

O aniversário de Leon foi durante o período de luto oficial da família real. E a única coisa que dei a ele foi um parabéns.

— Você passou o dia comigo — pondera ele. — E até tentou fazer um café da manhã...

Minha tentativa de fazer um café da manhã não foi nenhum um pouco bem-sucedida... As torradas ficam um tanto queimadas, as omeletes ficaram com um gosto meio estranho...

— Humm... — ele me olha. — O que você quer de presente de aniversário?

— Nada...

— Tem certeza?

— Tenho.

Os olhos de Leon me estudam.

— Certo, vou realizar qualquer desejo que você pedir — se aproxima de mim e toca meu rosto delicadamente. — Qualquer um — sussurra, como uma perigosa tentação.

— Qualquer um? — arqueio a sobrancelha, duvidosa.

— Qualquer um — afirma. — Qual é o seu desejo?

— Hum... — olho para ele. Solto um suspiro. Ele lança um daqueles sorrisos persuasivos dele. — Eu quero...

— Sim?

— Eu quero... — tomo coragem — ver minha família.

Leon tenta disfarçar seu embaraço.

— Emma... você sabe que eu não posso atender a este pedido — ele pega a minha mão e a envolve nas suas. — Sinto muito... se você me pedisse qualquer outra coisa... mas...

— Eu sei... ver minha família neste momento é impossível, não é?

Os braços dele me envolvem.

— Você sente tanta a falta deles assim?

— Sim — digo, encostando minha cabeça em seu peito. — Muito...

E então uma lágrima quente escorre por meu rosto e molha a blusa de Leon. E de repente uma verdadeira cascata de lágrimas cai. Todo o choro que tenho guardado sai.

— Emma... — ele acaricia minhas costas. — Por que você me pede algo que não posso dar? — ele murmura.

As malditas lágrimas não cessam. Por mais que eu queira vencê-las, elas resistem. Pareço até uma cascata ambulante.

Choro por um longo momento. Não é apenas a saudade da minha família que este choro contém, é toda a solidão destes dias, todo o peso de uma coroa... Choro e choro. Controlar minhas lágrimas é impossível.

Leon me deita na cama e me envolve em seus braços. Me escondo em seu peito.

Sei apenas que chorei por muito tempo, e quando cai no sono não faço a mínima ideia.

O sol já está alto e o lado da minha cama, vazio, quando acordo. Se não fosse por meus olhos inchados, haveria uma alta probabilidade de tudo não ter passado de um sonho.

Abro a janela e deixou o suave vento da manhã de domingo acariciar meu rosto. Ainda me restam alguns minutos, até vir alguém atrás de mim para cumprir minha agenda. Uma batida na porta. Ah, não, por que não posso ter mais alguns minutinhos de sossego? Eu só queria ficar um pouquinho em paz.

— Pode entrar.

Continuo na janela sem me voltar, quero aproveitar cada segundo que me resta.

— Emma! — essa voz.

— Mãe? — me volto, quase não acreditando nos meus ouvidos.

Diante de mim está minha mãe, meu pai e meu irmão. Corro para eles e os envolvo em um abraço. Faz tanto tempo que não os vejo. Tanto. Só de vê-los aqui meu coração se aquece e meus problemas são esquecidos.

Só depois de um tempo, noto Leon na porta, observando a cena.

— Leon... — as palavras de agradecimento vêm a minha boca, mas não consigo pronunciar nada.

Ele sorri e deixa meu quarto.

Leon realizou meu desejo.