— Quando a personagem é capaz de pensar por si própria e não precisa de maneira alguma de minha intervenção, então a história está pronta — diz Adam. — As personagens ganham vida e eu sou apenas aquele encarregado de contar suas trajetórias.

— Adam, eu queria ter o seu talento para a escrita — digo.

— E quem disse que você não tem, Emma? — fala, ajeitando os óculos.

Olho para ele.

— Eu gosto de escrever, mas...

— “Mas” nada! — ele me repreende, brincalhão. — E aqueles textos que eu li? Você se saiu muito bem escrevendo aquele conto.

— Mas eu tive sua ajuda... então.

Adam sorri.

— Sem "mas", Emma! Minhas dicas não teriam nenhum efeito, se você não tivesse talento e empenho para escrever.

Sei que o elogio de Adam é verdadeiro. Ele é muito sincero quando se trata da escrita. Por isso, ouvir isso dele me deixa simplesmente flutuando.

— Como eu disse, tudo o que você precisa é prática. E você tem escrito alguma coisa?

— Bem, tenho tentado...

E eu tenho tentado muito. Não confesso a Adam que escrever se tornou quase um vício para mim nestes últimos tempos. Escrever é libertador. Quando coloco as palavras no papel, parece que tudo volta a fazer sentindo. Escrever me acalma, me liberta.

— Vamos, me mostre estes seus escritos! — sorri. Ele é muito bom em dar sorrisos persuasivos.

— Ah, não... você acharia chato.

— Aposto que não!

— Aposto que sim!

— Hum... Eu não mordo!

— Não, você escreve extraordinariamente bem! Você até publica seus textos em uma revista literária! E lê tanta coisa! Mostrar meus escritos para você é como me atirar aos cães.

— Emma, Emma, não seja tão crítica consigo mesma. E eu já disse que não mordo.

— Talvez... um dia... Se você prometer que não vai rir, nem nada do tipo...

— Prometo — levanta a mão solenemente.

— Ok... — me rendo. — Espero não me arrepender depois...

— Não vai se arrepender — ele olha para a porta da sala de aula. — Seu guarda-costas está te esperando — Adam indica Sebastian com a cabeça.

— Tenho que ir. Nós vemos semana que vem — pego minhas coisas.

É bom ter Adam como meu colega, mesmo que seja em apenas uma disciplina. Diferente do restante dos meus colegas, ele não me trata como uma atração que é exposta na vitrine. A plebeia que se casou com um príncipe. A completa desconhecida que repentinamente teve todos os olhos de uma nação sobre ela. Adam me trata como uma garota comum, uma colega. Gosto de pensar que há ainda pessoas que me veem assim, apenas uma garota.

— Sem paparazzi hoje? — pergunto a Sebastian.

— Nenhum paparazzo por perto — garante.

— Que pena, estou aprendendo algumas técnicas de como escapar de flashes indesejáveis... ah, você nem ri das minhas piadas mais! E elas não são tão ruins assim... ou são?

Sebastian sorri, pronto, lá se vai metade do oxigênio do planeta.

Minha segurança foi reforçada devido aos ataques constantes dos paparazzi. Nunca se sabe quando um flash pode te capturar.

Como a família real estabeleceu luto pelo falecimento dos príncipes herdeiros, não temos nenhum evento oficial em nossa agenda. O luto deve durar cerca de dois meses, já estamos quase no final do período. Mas, isso não significa que não tenho coisas para fazer. E hoje, especialmente, tenho uma reunião com a rainha Felipa. Ontem, recebi a convocação. Temo pelo assunto que será discutido. Leon é o príncipe herdeiro agora. Não faço a mínima ideia de como as coisas irão ficar daqui para a frente. Na verdade, tenho evitado pensar nisso. E tenho digamos que... usado alguns métodos para isso...

Almoço rapidamente. Gosto de aproveitar cada minuto que me sobra para escrever. Abro o notebook e olha para a folha em branco. As palavras de Adam vêm a minha mente. Será que devo mandar alguns textos meus para ele? Bem... que mal há nisso? Ele não vai me morder ou vai? O máximo que vai acontecer é ele dizer que sou um fracasso como escritora, não é?

Abro meu e-mail. Escrevo uma mensagem rápida para Adam.

“Por favor, por favor, não me morda!”

Coloco em anexo alguns textos. Fecho os olhos, solto um suspiro e mando o e-mail. Pronto, já passou. Não posso voltar atrás.

Depois de ter um mini momento de pânico (querer entrar no e-mail de Adam e impedir que ele leia meus textos, é um dos meus planos), resolvo que o melhor que tenho a fazer agora é escrever. A escrita me acalma e me faz bem. E eu não quero pensar sobre a reunião com a rainha.

Escrevendo, perco a noção do tempo. Olho para o relógio, já está quase na hora do encontro. Preciso me apressar. A rainha não gosta de pessoas que são relapsas com o horário. Não queremos que a mãe da nação se aborreça.

Sebastian vem me avisar que já está tudo pronto para irmos ao palácio.

— Obrigada, já vou descer...

— Certo, quando quiser — diz, se retirando.

No caminho, passo pela sala de música. Ela está vazia. Solto um suspiro. Minha cintura é apanhada por uma mão e meus lábios são abocanhados por uns lábios gananciosos.

— Leon... — falo, tentando recuperar meu fôlego.

— Estava me procurando?

— Estou indo para a reunião com a rainha.

— Ah... — seus lábios escorregam por meu pescoço.

Sabe aquele método o qual me referi? Pois bem, digamos que os braços de Leon são ótimos para esquecer das coisas.

Como isso foi acontecer? Na verdade, nem eu sei. Apenas sei que no dia seguinte, lá estávamos os dois, se afogando nos lábios um do outro, e no outro dia, no dia depois deste e... aqui estamos. Não é algo sobre o qual conversamos, apenas fazemos, apenas nos atiramos nos braços um do outro. Há apenas uma espécie de acordo silencioso entre nós sobre invadirmos o quarto um do outro.

— Alguma dica para mim? — indago, enquanto ele se diverte em provocar arrepios em minha pele.

— Apenas... relaxe — ele me ergue contra a parede, enrosco minhas pernas em seu quadril.

Os lábios de Leon se encaixam nos meus e adeus, sanidade.

— Leon... assim você... vai me fazer... chegar atrasada — consigo dizer entre um beijo e outro.

Ele ri baixinho.

— Talvez...

Com certo esforço, os beijos dele são tão difíceis de largar, consigo me controlar.

— Nada disso, você não vai ganhar esta batalha hoje!

— Eu já ganhei — seu tom é baixinho e altamente sexy.

— Não ganhou nada! — protesto.

Ele sorri e apanha meu lábio inferior, dando um mordisco. A ponta da sua língua umedece meu lábio. Em seguida, seus lábios se afastam dos meus e depois voltam a roçar nos meus, uma perigosa tentação.

— Ganhei sim — sussurra.

Olho para ele. Coloco a mão em seu peito, minhas pernas soltam seu quadril, me afasto dele.

— Acho que não — rebato. Leon ri, certo de sua vitória.

Seus cabelos bagunçados, seus lábios muito vermelhos, inchados. Por que ele precisa ser a tentação em forma humana? Preciso controlar minha vontade de pular em seus braços novamente.

— Tem certeza? — seu tom é malicioso. — Veremos... Vejo você mais tarde — deposita um beijo demorado em meu rosto. Um beijo muito provocante. Um beijo que promete muitas coisas.

Como ele consegue depositar tanta luxuria em um simples beijo no rosto? Assim fica difícil o vencer. Ele sabe muito bem como provocar, como colocar o queijo na armadilha de maneira perfeita, infalível. Tenho que ensinar uma lição a este príncipe presunçoso.

Puxo a gola do casaco de Leon, obrigando-o a inclinar-se, ficando quase da minha altura, olho-o e sorrio maliciosamente.

— Ou talvez não... — provoco.

Chego meus lábios perto dos dele, quase os roçando. Leon tenta capturar minha boca, porém não permito, afastando meu rosto.

— Não se ache tanto, Sua Alteza Real... — sussurro em sua orelha.

Largo seu casaco e saio, sem dar tempo para ele responder.

Também sei brincar.

O trajeto até o palácio demora séculos. O tempo é relativo. Não há verdade mais esclarecedora do que essa.

Meu celular interrompe as mil divagações pelas quais me perdi. Adam. Quase congelo. Será que ele leu meus textos? Será que ele achou tão ruim que resolveu me ligar para retirar tudo o que disse sobre minha escrita anteriormente? Certo, certo, se controla, Emma! Não seja dramática.

— Alô — atendo o celular, cautelosa.

— Olá, Emma! — seu tom não me diz muita coisa.

— Então... — aperto o estofado do banco com força. — Você leu os textos que mandei mais cedo?

— Li.

Silêncio.

— Então?

Silêncio.

Adam vai me causar um ataque do coração.

— Adorei!

Volto a respirar. E quase nem acredito na palavra que ouvi. Tenho que me controlar para não pedir para ele repetir.

— Você gostou?

— É impressionante como sua escrita conseguiu evoluir em poucos meses! E, nossa, quando eu li seus textos... você transmite com as palavras os sentimentos de uma tal maneira que o leitor consegue senti-los. Seus textos são maravilhosos.

Ah, Adam, você está querendo me dar um ataque cardíaco?

— Especialmente aquele pequeno conto, “O jardim das borboletas”. Toda a solidão daquele conto, desespero da protagonista por estar em um lugar ao qual não pertence. Eu senti tudo isso, lendo seu conto. Parabéns, Emma!

Meu coração se agita. Sinto uma estranha alegria. Algo dentro de mim se aquece.

— Eu realmente fiquei encantado com seu conto — continua Adam. — Bem... você conhece a revista “Jovens na literatura”?

Se eu conheço? Óbvio que sim. É uma revista que publica contos, ensaios, crônicas, resenhas de jovens escritores.

— Sim, eu conheço — respondo.

— Um dos editores é meu amigo. Ele está precisando de um conto que fale sobre a solidão para a próxima edição, então pensei que a revista poderia publicar o seu conto...

— O meu conto?

— Mas apenas se você permitir... o que acha?

Fico sem reação. Tudo é tão novo para mim. Tão inesperado. É como se tivessem me falado que eu ganhei na loteria.

— Você pode publicar sob um pseudônimo... — mal escuto ele falar. — Emma... Emma, você está me ouvindo?

— Sim, estou...

— O que acha? Posso enviar seu conto para meu amigo?

Respiro fundo. Isso pode ser uma loucura. Mas, já tenho feito loucuras demais em minha vida ultimamente. Mais uma não vai fazer muita diferença.

— Sim, pode.

— Ótimo!

Adam termina a ligação. E repentinamente, o tempo voa. Quando noto, estou no palácio. O belo e frio palácio me traz de volta a realidade. O encanto se quebra.

Sou conduzida por inúmeros corredores até chegar ao gabinete real. A rainha me espera, sentada diante de sua escrivaninha. Tudo na rainha Felipa remete a elegância, suas maneiras, seu modo de se vestir. Mesmo sentada, sua presença se impõe ao ambiente.

Faço uma reverência, com a mão, ela dispensa os empregados. Eles fazem uma reverência e se retiram, nos deixando a sós.

Durante todas as solenidades fúnebres, a rainha sempre se mostrou forte, apesar de sua expressão cansada.

— Sente-se, querida — me indica a cadeira a sua frente.

— Com licença.

— Como tem passado? — sua voz é educada e gentil.

— Bem, obrigada.

— Que bom — seus olhos verdes me fitam. — Você deve estar se perguntado por que solicitei uma reunião... — ela mexe em seu colar de pérolas. As pérolas são tão perfeitas. Aliás, tudo nela é tão perfeito. Seu cabelo está apanhado em um coque, nem um fio fora do lugar. — Como você deve saber, Leon se tornou oficialmente o príncipe herdeiro — ela faz uma pequena pausa.

— Sim — falo apenas para dizer algo. Nunca sei como me comportar direito na presença de Sua Majestade.

— Como é casada com ele, você agora é também a princesa herdeira.

Ouvir ela falar isso, torna a coisa toda real. Tenho vivido estes dias, tentando evitar pensar neste fato, porque ele vai complicar todas as coisas. No entanto, o problema não desaparece só porque você deixa de pensar nele.

— Sim, Vossa Majestade — não posso me esquecer que preciso manter as regras de etiqueta perante a rainha. Esta foi a lição número um que me foi ensinada.

Os olhos da rainha Felipa me estudam. Embora sejam verdes como os de Leon, eles são muito distintos.

— Como princesa herdeira, você tem muitas obrigações. Os olhos da nação estarão postos sobre você, criança. Eu tinha a sua idade, quando me tornei princesa herdeira. Não é uma tarefa... fácil.

Ela está utilizando eufemismo. Os membros da família real gostam dessa figura de linguagem.

— Mas, espero sua compreensão. A partir de agora, você assumirá as funções de uma princesa herdeira.

Tenho que me controlar para não sair gritando. Minha mão completamente encharcada de suor se agarra no apoio da cadeira. Meu estômago se contorce.

— Você deve seguir todos os protocolos de uma princesa herdeira. A partir de agora os olhos da nação estarão voltados para cada movimento seu — diz ela, olhando para mim.

Por que este olhar me causa calafrios? Seu olhar atravessa meu corpo, minha alma. Seu olhar é tão intenso que faz com eu me sinta como uma pequena mosquinha. Uma gota de suor gelado desliza por minha espinha.

Preciso controlar minha respiração. Acabo de ser arremessada na realidade. O que acontecerá comigo? O que será de mim?