A cabeça lateja, a saliva está espessa e minha boca tem um sabor metálico. Os braços de Leon me enlaçam, sinto sua respiração quente e calma no pescoço, seus lábios roçam minha nuca. Não notei quando ele chegou. Lembro vagamente de ter acordado em algum ponto da noite, trocado minha roupa e voltado a dormir, ele deve ter chegado depois disso.

Leon se mexe quando tento me levantar, apertando ainda mais o abraço. Me volto para ele. Os bastos cabelos estão completamente bagunçados e caem pelo rosto. Penteio-os com os dedos. Passo levemente a ponta do dedo indicador pelos longos cílios, contorno o nariz bonito e elegante e chego até os lábios macios, que contrasta com a secura dos meus. Até mesmo dormindo, ele conserva uma expressão cansada e levemente preocupada. Gostaria de ser alguém menos problemática.

Ele abre os hipnotizantes olhos verdes.

— Olá — falo baixinho, sorrindo.

— Olá. — Ele sorri e coloca a palma da mão sobre minha bochecha. — Você está um pouco quente — diz, preocupado.

— Deve ser o começo de um resfriado. — Tento soar como se fosse algo sem importância.

Leon deposita um leve beijo em meus lábios.

— Precisamos chamar o médico.

— Não é nada — insisto. — É só o começo de um resfriado, logo passa.

— Emma!

— Bem, se a febre aumentar, prometo que irei chamar um médico — falo de modo solene. — Pronto. Satisfeito?

— É melhor você ficar de cama hoje, descansar.

— Não exagere, até parece que estou com uns quarenta graus de febre — brinco. — Quem nunca teve um resfriado?

— Mas, eles estavam se alimentando direito...

Suspiro, desviando meus olhos dos seus, eles podem ver coisas que eu não gostaria de revelar.

— Emma... O que tem te atormentando? — pergunta, enquanto coloca uma mecha de cabelo atrás de minha orelha.

Apenas o olho sem dizer uma única palavra, ou melhor, sem saber o que falar.

— Você está diferente...

— Diferente?

— Você sempre foi contestadora, um tanto atrevida... e agora... eu vejo você... há momentos em que você parece perdida em seu próprio mundo, em um lugar em que eu não posso alcançá-la... Eu tenho medo.

Ele acolhe minha mão entre a sua, a segurando fortemente.

— Tenho medo de você voar para um lugar que jamais poderei atingir...

— Leon... eu estou... estou... — procuro a palavras exata que pode definir meu estado — sufocando. — A palavra escapa por minha boca sem permissão, assim como uma torrente de lágrimas.

Não queria ter falado isso, mas após deixar a palavra sair, não há maneira de me deter.

— Eu não consigo mais respirar — confesso. — Parece que apenas meu corpo está aqui e minha alma se foi... se foi para algum lugar que eu não consigo encontrar. Nem consigo mais escrever. Eu simplesmente não consigo. E há momentos em que tudo ao meu redor parece vazio, sem sentido. Eu estou sufocando.

Leon limpa minhas lágrimas com o polegar.

— Emma... — Sua voz é quente e carinhosa como um abraço. Há nela tristeza, preocupação, dor...

— Eu me sinto inútil e cheia de culpa por tudo o que está acontecendo com as pessoas que eu amo.

— Não é sua culpa, Emma — ele me garante. — Nada disso é sua culpa.

— Mas foram minhas ações que causaram a maioria desses problemas. Se eu fosse alguém mais adequado, mais forte para estar ao seu lado...

— Emma, não diga isso, você, e apenas você, poderia estar ao meu lado. Você é a única quem eu quero ao meu lado. A única. Só você.

Os braços dele me envolvem e ele deposita beijos leves e mornos como uma chuva de verão por meus ombros, meu pescoço, meu rosto, meus cabelos. Deixo que as lágrimas banhem o tecido da blusa de seu pijama.

********

Tomo uma aspirina e passo o dia me arrastando entre aulas nada interessantes.

Quando as aulas finalmente terminam me instalo na biblioteca em uma das confortáveis poltronas perto da janela. Me encolho como um rolinho de lã e fico imóvel, olhando para um céu sem estrelas.

— Emma? — Volto-me para Leon, seus olhos luminosos me observam na escuridão. — Por que não acendeu as luzes?

— Gosto assim. — Encolho os ombros.

Ele acende um abajur e senta-se ao meu lado. Coloco minhas pernas em seu colo.

— Você está melhor? — indaga, pousando a mão sobre minha testa. — Ainda tem febre.

— Eu tomei remédio, logo vou melhorar — me apresso em explicar.

— Já jantou?

— Não... eu estou sem fome — digo, vagamente.

— Emma, você precisa comer direito. Vou pedir um jantar para nós. O que quer?

— Qualquer coisa...

Leon pega o telefone da biblioteca e pede para que tragam nosso jantar aqui. E eles são eficientes em atender o pedido, logo dois fumegantes pratos de sopa estão diante de nós.

Olho para a sopa de legumes, a visão de cenouras, batatas, vagens, tomate e repolho boiando sobre o caldo espesso faz meu estômago embrulhar.

— Talvez, fosse melhor que sua mãe fizesse a sopa de legumes, que ela sempre fazia quando você ficava doente... — fala ao ver me expressão. — Vou dar um jeito de você encontrar com sua família...

— Não — protesto rapidamente. — Não quero me encontrar com eles agora...

Os olhos dele me pedem uma explicação.

— Sabe, eles apenas ficariam tristes e... eu não quero deixar mais ninguém preocupado...

— Emma... — começa a contestar.

— Prometa que não vai chamá-los, sim? Por favor — peço com brandura.

Silenciosamente, ele pega o prato de sopa e senta-se perto de mim.

— Então, me prometa que irá comer, certo? — Ele pega uma colher de sopa e segura em minha direção.

Assinto, tomando a sopa que ele me oferece. Com bastante esforço consigo acabar com ela.

— Ainda acho que devemos chamar um médico — diz, checando a minha febre.

— E eu já disse que é apenas um resfriado. — Sorrio. — Não se preocupe tanto, vou melhorar logo.

— Certo. Mas, se sua febre aumentar irei chamar o médico!

Sento-me em seu colo e encosto a cabeça em seu peito.

— Cante uma música para mim — peço como uma garotinha, querendo desviar o assunto.

— Bem... o canto não está entre minhas habilidades... — afirma, divertido.

— Mesmo? — falo no mesmo tom. — Hum... então o príncipe possui algo que não sabe fazer, é?

Leon ri.

— É, não espalhe!

— Está certo, não queremos que a nação saiba o segredo do príncipe. — Dou uma risadinha. — Mas, mesmo assim, cante uma canção para mim — peço, o olhando.

— Tudo bem. — Sorri.

Ele limpa a garganta e começa a cantar:

Era uma vez um príncipe encantado

Com uma alma quente e braços de aço

Mas azarado em seu amor

Era uma vez um anjo que rezou por ele

Eles tinham um destino

Lembre-se

Por favor, lembre-se

Mesmo que as sombras tentassem

Manter nossos corações separados para sempre

Isso nunca se tornou real.

Apesar de ele não ser um cantor, sua voz é agradável para mim. Embalada pelo som, adormeço em seus braços.

Meu sono não é nada tranquilo. Parece que estou pressa em um lugar em que há apenas escuridão. E em minha garganta, um grito preso.

— Emma! — Leon me chama ao longe. Tento seguir sua voz. Ela se torna cada vez mais distante.

Me vejo cercada por algo molhado. Estou me afogando, me dou conta. Estou me afogando e não há nada que posso fazer.

*************

— Emma! — A voz de Leon ressurge mais forte.

Abro os olhos.

— Graças a Deus, você acordou! — Leon pega minha mão.

— O que houve? — A voz sai extremamente fraca, quase nem reconheço minha própria voz, minha garganta está seca como um deserto.

— Sua febre aumentou muito, você estava delirando... chamei o médico. — Noto em meu braço um tubo e, ao lado da cama, um balão de soro.

Uma névoa envolve minha cabeça, não consigo pensar direito. Volto a dormir.

***************

Acordo não sei quanto tempo depois, poderia ter se passado um segundo, um minuto ou vários séculos. A névoa ainda me envolve. Sinto mais do que vejo a presença de Leon ao meu lado. Novamente, minha consciência é tragada pela espessa neblina que me cerca, me levando para um mundo onde há um céu sem estrelas.

**********

Sussurros, não sei se são reais ou coisa da minha imaginação, me cercam.

— Isso é loucura! Ela está doente, mãe! — A voz me soa familiar, Leon? — Como você pode utilizar a doença dela desse modo!

— Você deveria entender. Precisamos utilizar nossas melhores armas e...

Às vozes ficam mais distante até se apagarem

.

**************

Fico nesse estado por um tempo indeterminado.

Aos poucos a névoa que me cobre se dissipa. Tomo conhecimento das coisas que me cercam. Estou no meu quarto. Há tubos em meu corpo. Uma enfermeira cuida de mim. Leon também está por perto. Todas às vezes que minha consciência volta me deparo com seus olhos angustiado sobre mim, quero lhe assegurar que estou bem, mas minha voz não sai.

**********

Finalmente, a névoa vai embora. Noto que Leon dorme perto de mim, sentado em uma cadeira. É dia, constato pela luz que entra no quarto.

— Leon... — Minha voz sai, fraca e frágil, mas ainda assim ela sai.

Ele desperta e com um gesto ansioso, pega a minha mão entre as suas.

— Emma, como você está? Vou chamar o médico! Ele precisou ir até o hospital... Enfermeira Wood! — Uma enfermeira aparece imediatamente na porta. — Emma acordou, por favor, chame o doutor Lewis!

Ela assente, checa meus sinais vitais, faz algumas perguntas e depois se vai.

— O que houve? — Minha voz sai um pouco mais nítida.

— Você teve pneumonia... e também está com anemia... Tive tanto medo... — Suas mãos quentes apertam as minhas.

— Quanto tempo eu fiquei assim?

— Três dias...

Leva mais de uma semana para me recuperar. Meus pais vêm me visitar e Leon se assegura de os tranquilizar, ele sabe que não quero preocupá-los. Leon fica o tempo todo comigo. Às vezes, flagro em seu semblante uma expressão ausente e preocupada, quando percebe o meu olhar, ele sorri e mostra uma fisionomia doce e gentil. No entanto, o afável sorriso não pode esconder que há algo inquietante pairando sobre nossas cabeças.

***********

— O ar está tão bom essa manhã — digo, inspirando profundamente.

Choveu na noite anterior, a grama está molhada, pequenas gotículas de água enfeitam as folhas e as flores, o ar tem algo de leve e delicado, o azul do céu é de um tom claro e suave.

Agito uma flor, fazendo as gotas de água caírem.

— Perfeito — Leon diz, acompanhando meus movimentos pelo jardim com os olhos.

Ele está com as mãos nos bolsos e divide a atenção entre mim e a paisagem ao seu redor. Porém, seus pensamentos parecem não estar realmente nesse jardim e sim em outro lugar.

Paro em sua frente, subitamente. Os olhos tão verdes quanto a grama molhada voltam-se para mim.

— O que foi?

— Leon... o que está acontecendo?

Ele não me responde, aliás, parece não compreender a minha pergunta.

— O que aconteceu durante o período que estive doente?

— Emma... — hesita.

— Não me esconda nada — peço.

Ele molha os lábios secos com a ponta da língua.

— Eu pensei em muitas coisas enquanto você estava doente. — Sua mão alcança a minha. — Pensei em tantas coisas... e também aconteceram algumas... coisas.

— O quê?

— Eu tentei impedir, mas não consegui, usaram sua saúde para difundir mais rumores sobre uma possível gravidez e até... chegaram ao ponto de espalhar que você teria perdido um bebê... — Há um extremo cansaço em sua voz.

Por alguma estranha razão não me sinto surpresa ao ouvir isso.

— Ah... a rainha tem suas táticas — digo, simplesmente, em um tom neutro.

Os olhos dele vão para um lugar distante. Ele fica por vários minutos sem falar, até que finalmente seus olhos voltam-se para mim.

— Desculpa — pede.

— Por que você me pede desculpas?

— Por tudo isso.

Desvio os olhos dele.

— Eu não sou a pessoa adequada para estar ao seu lado.

— Não, Emma. Eu é que não sou a pessoa adequada para estar ao seu lado. Nunca fui.

Nossos olhos se encontram, admitindo uma verdade que há muito estava ali.

— Eu amo você, Emma.

— Eu também amo você, Leon.

— Mas...

— Mas...

Não há nada mais nesse instante, apenas nós dois e uma verdade. Eu e ele sabemos qual será o desfecho dessa conversa. Sabemos o que devemos fazer. Sabemos e isso machuca. Machuca porque esse é o único caminho que temos. E quando falarmos em voz alta o que há muito sabemos em nossos corações não há mais como voltar. Esse é um caminho definitivo.

— Emma, eu não posso proteger você. — A dor em sua voz é quase palpável.

— Leon...

— A verdade é essa, sou fraco, e não posso proteger a pessoa que amo. Não estive com você quando mais precisava de mim. Não pude fazer nada por você. E o que mais me dói é ver você sufocando, enquanto eu não posso fazer nada. Absolutamente nada. Fui egoísta, tentei manter você ao meu lado mesmo vendo você sendo esmagada pelas paredes do palácio. Ver você definhando diante dos meus olhos foi algo tão cruel...

Os braços de Leon me enlaçam.

— Eu apenas posso nesse momento cumprir a primeira promessa que fiz a você na noite de nosso casamento. Porque eu amo você, eu ainda posso cumprir essa promessa. Porque eu amo você tanto é que posso fazer isso.

Leon me solta e coloca as mãos em meus ombros.

— Vamos nos divorciar, Emma.