Meu conto até que ficou decente. Adam me deu ótimas dicas de escrita. Claro que precisei escrever e escrever diversas vezes. Gastei minhas noites trabalhando no conto, o que me rendeu muitas olheiras e a cara de um zumbi que acaba de ser despertado. Mas, no final de tudo, foi bom. Realmente gostei da experiência de criar algo por meio da escrita. Por isso, quando entrego o conto para a professora Florence, sinto-me muito orgulhosa do meu trabalho.

— Seu conto ficou muito bom — diz Adam, virando-se para mim.

— Mesmo?

— Mesmo — garante.

— Obrigada por me ajudar com o conto, eu não teria conseguido sem suas dicas.

Ele sorri.

— Não foi nada, ajudar você foi um prazer. Você tem talento, sabia?

— Tenho?

— Só precisa praticar mais sua escrita.

Sorrio com o elogio de Adam. Ganhar um elogio de uma pessoa como ele, que escreve tão bem, é para deixar qualquer um nas nuvens.

— Você vai se inscrever para o curso de escrita que a professora Florence vai ministrar no próximo semestre? — pergunta, mastigando a ponta de um lápis.

— Eu queria...

Eu realmente queria participar das aulas de escrita. Mas, o senhor Bradbury acabou com minha alegria. Não adiantou nada eu implorar. Ele foi inflexível. Tenho milhares de compromissos com a realeza. Por que eu não posso mais estar no controle da minha vida? Essa total falta de liberdade me asfixia.

— Mas, eu não posso — lamento.

— É uma pena...

— Nem fale — murmuro.

— Ah — ele lembra-se de algo. — Vou fazer a disciplina “Teatro Moderno” da professora Florence no próximo semestre.

— Eu também!

— Que ótimo — sorri. — Nós vemos em breve então.

A professora Florence dispensa a turma e vou encontrar Sebastian no corredor, cuja expressão denota preocupação, ele nem dá seu famoso sorriso tirador de fôlego de pessoas desavisadas.

— Tudo bem? — pergunto.

— Tudo... — responde laconicamente.

— Problemas novamente com os paparazzi?

— Já está sendo resolvido — garante ele.

Ultimamente, a família real tem sofrido alguns problemas com os paparazzi, o que é algo inusitado. Normalmente, é a família real que utiliza a mídia, não o contrário. Eu até fui perseguida algumas vezes por eles.

— Houve algumas mudanças em sua agenda hoje — informa Sebastian.

— Certo...

— Você terá aulas com a Daphné à tarde, em vez de ir a aquele evento na Biblioteca Real.

Meu ânimo diminui. Eu iria passar uma tarde inteira em meio a livros e agora preciso passar com Daphné. Nem preciso explicar o motivo do meu desanimo, não?

Sebastian me escolta até o carro com muita preocupação. Preocupação esta que não se desvanece durante todo o trajeto até o palácio de verão.

Daphné preenche minha tarde com regras e mais regras. Mas, coisa inusitada, ganho um pouco de folga à noite. Nada de eventos, jantares ou coisas do gênero para frequentar. Uma noite rara e preciosa. Há tanto tempo que não tenho um tempo livre que fico até perdida.

Uma noite inteirinha para mim. Uma noite sem precisar colocar um sorriso no rosto e ouvir conversas que não me interessam de forma alguma.

Se eu fosse a Emma de uns seis meses atrás, provavelmente, esta noite seria outra como tantas. Jantaríamos, eu e Andy discutiremos sobre quem lavaria a louça. Acabaríamos tirando a sorte, e como a sorte não é meu forte, eu acabaria perdendo e ficaria com as louças. Depois, minha família e eu nos instalaríamos no sofá da sala, com um balde de pipoca e veríamos um programa qualquer de gosto questionável.

Imaginar esta cena tão banal faz meus olhos se marejarem. Isso não me pertence mais. Nunca mais.

Ligo para minha família. Porém, eles não estão em casa.

Pego o notebook e começo a escrever ao acaso, isso me faz bem, me acalma. Perco-me no mundo das palavras. Não sinto as horas passarem. A batalha com as palavras é intensa, no entanto, sou recompensada muitas vezes.

— Emma! — a voz de Charlie me traz de volta a realidade.

— O que você está fazendo aqui?

— Vim te visitar, ora esta! — responde. — O palácio está tão chato! — diz, retirando o gorro e soltando seus belíssimos cabelos negros.

— Não me diga que você fugiu? — pergunto alarmada. Esta não seria sua primeira fuga.

— Não... desta vez não.

— Hum... — olho para ela ainda em dúvida se ela diz a verdade ou não. A princesa caçula, como todos os membros da realeza, é uma ótima atriz.

Charlie começa a andar por meu quarto, mexendo em minhas coisas, sem o menor pudor.

— Você já jantou? — pergunto.

— Ainda não.

— Vou pedir o jantar então.

Ligo para a cozinha (sim, no palácio, precisamos ligar para a cozinha) e peço o jantar em meu quarto.

— E meu irmão? — pergunta Charlie.

— Não sei... ele tinha alguns compromissos esta noite.

Charlie tagarela durante todo o jantar, eu mal consigo falar umas três palavras. Juro.

— Com licença — Sebastian abre a porta.

Ele olha para mim e Charlie. Os músculos de sua face estão tensos, seu olhar é terrivelmente amargurado.

— Tenho um comunicado a fazer... o senhor Bradbury deseja falar com vocês...

— Algum problema? — pergunto.

Sebastian não responde, apenas indica que devemos o seguir.

Somos conduzidas até uma saleta. O senhor Bradbury está sozinho. Ele anda de um lado para o outro, com as mãos para trás, pela saleta, agitado. Há algo de perturbador nesta agitação.

Sebastian se retira e o senhor Bradbury nota nossa presença.

— Ah... vocês estão aqui.

Ele caminha em nossa direção lentamente.

— Bem — começa cauteloso. — Sentem-se... — aponta para umas confortáveis poltronas.

Eu e Charlie nos entreolharmos. Acabamos nos acomodando nas poltronas. Ele ocupa a poltrona a nossa frente.

O senhor Bradbury nos olha, hesitante.

— Eu... não queria dar esta notícia a vocês, mas, infelizmente, preciso cumprir com meu dever — sua voz adquire um tom paternal. — Aconteceu um acidente.

— Um acidente? — indaga Charlie. — Quando? Com quem? — suas mãos apertam os braços da poltrona convulsivamente.

O senhor Bradbury nos olha por um momento.

— Foi um acidente grave.

Meu coração bate fortemente.

— Quem? — insiste Charlie.

— Seu irmão... — o senhor Bradbury olha para ela.

Meu coração se desespera. O instante parece ter se congelado. Não consigo respirar.

— Francis e Guinevere sofreram um acidente de carro.

Os olhos de Charlie ficam marejados.

— Como eles estão?

— Infelizmente... o acidente foi fatal, Francis e Guinevere... não resistiram...

Não. Não. Não. Os dois não podem ter morrido. O amável Francis, a adorável Guinevere, tão cheios de vidas, de planos.

Charlie desaba. Seu rosto é lavado por lágrimas imensas. Ela não escuta o resto e sai correndo.

Me levanto da poltrona, trêmula, sem saber se consigo me aguentar sobre meus próprios pés.

— Charlie! — tento a chamar, tentando controlar minhas próprias lágrimas.

— Lamento, Sua Alteza Real — diz o senhor Bradbury.

— Leon já sabe?

— Sim... — confirma.

— Com licença — digo, saindo da saleta, indo atrás de Charlie.

Mil pensamentos passam por minha mente. Charlie, Leon... eles devem estar sofrendo tanto.

O que mais desejo é que este seja um pesadelo e que ao me beliscar eu acorde e tudo fique bem.

Cruzo meu caminho com Sebastian.

— Você viu a Charlie? — pergunto, preocupada. — Ela saiu correndo depois que soube...

— Não... Você está bem, Emma?

— Eu preciso estar — respondo.

Tenho que ter forças para enfrentar tudo isso.

— E Leon? — indago.

— Eu o vi no jardim oeste.

— Eu...

— Eu vou procurar pela Charlie, acho que sei onde ela está... Não se preocupe. E ela precisa de um tempo sozinha.

— Obrigada — agradeço Sebastian.

Vou em direção ao jardim. Não há sinal de Leon. Entro na estufa que fica no meio do jardim. Localizo-o. Ele está sentado perto de uma coluna. Seus olhos estão secos e perdidos.

— Leon.

Ele olha para mim. Porém, não esboça qualquer reação. Sento-me ao seu lado.

— Você está bem? — minha voz é quase um sussurro. Temo falar em voz alta. Leon não me responde, apenas abaixa a cabeça.

O que eu faço? O que eu digo? Todas as palavras parecem vazias, frias, sem sentido. Não adianta eu falar que vai ficar tudo bem, são promessas vazias. Promessas que são levadas pelo vento. Sou tão impotente. Nada posso fazer para amenizar a dor dele.

A dor de perder alguém tão querido é cruel. Dói. Dói tanto que sua alma parece estar mutilada. Por isso, não existe qualquer palavra que possa consolar.

Um pouco sem jeito, passo meus braços pelos ombros dele. Ele não me repete, como eu temia, ao contrário, pousa sua cabeça em meu ombro.

Sinto lágrimas quentes banhando meu ombro. Nada falo. Nesse momento, o silêncio tem mais sentido do que qualquer palavra.

Leon chora em completo silêncio. Acaricio seus cabelos negros suavemente. As lágrimas dele continuam a escorrer quentes e sei que elas não irão se secar tão cedo. Nada me resta a fazer. Nada posso fazer. Queria tanto poder amenizar sua dor. Impotente, é isso que sou.