Este é o décimo primeiro sinal fechado, não que eu esteja contando. Mas, quando se está em um carro a caminho de um jantar romântico, fica difícil entreter o cérebro para tirar o foco da questão.

Eu e Leon estamos vestidos de forma casual (certo, isto é, na concepção deles de casual). Me colocaram em um vestido azul com saia rodada que vai até os meus joelhos, e hoje está frio. Também me pentearam e me maquiaram. Já Leon está usando um cardigan negro que me deixa com muita inveja (já mencionei o fato de que está frio?).

Leon dirige calado. Dispensaram o motorista para dar aquele ar: “oh, eles saem sozinhos, são independentes”. Mas, os guarda-costas estão nos seguindo em outro carro. As coisas nunca são o que parecem.

Começo a mexer no rádio do carro, só para ter algo que fazer.

— Então, jantar romântico... — falo, enquanto troco de estação sem me deter em uma.

— O mais novo casal real precisa entreter a nação de vez enquanto — comenta ele, sem desviar a atenção da direção.

— É nosso papel — digo.

Repetimos as palavras proferidas pelo senhor Bradbury, o chefe do Departamento de Diplomacia e Imprensa, basicamente o departamento que controla todos os nossos passos (tenho certeza que o sonho deles é controlar também nossa respiração), quando veio falar conosco hoje à tarde, depois, é claro, de fazer um enorme discurso sobre a importância da realeza para o povo. Um discurso tão empolgante que superou as aulas da Daphné.

— E aqui estamos... Seria melhor eles terem pedido para salvamos o mundo — resmungo.

— Com certeza, seria mais fácil — concorda.

O senhor Bradbury e seu chato discurso nos aborreceu tanto que até agora nos vemos repetindo as frases dele.

Chegamos a um pequeno e charmoso restaurante, daqueles que você olha e sabe que a conta do que irá comer em uma única noite daria para encher sua geladeira por uns três meses.

A mesa que nos foi reservada é em um canto isolado, perto de uma grande janela. O local é aparentemente a prova de curiosos, o que é uma grande mentira, pois a janela indiscreta revela o que estamos fazendo para quem está do outro lado. E quem está lá fora? Ora, se não são nossos amigos paparazzi.

— Então, ficamos aqui, deixamos eles tirarem algumas fotos e depois vamos embora... — digo, mexendo no pequeno arranjo floral que está no centro da mesa.

A mesa é bem pequena, perfeita para um jantar a dois. A luz fraca, o som suave de um piano e a quase ausência de pessoas no local colaboram para criar uma atmosfera íntima.

— Este é o plano — confirma Leon, olhando o cardápio.

— Que belo plano! — falo ironicamente. — Acho que estão levando a outro patamar aquela lição de moral de Romeu e Julieta... — murmuro distraidamente.

Ele me olha por cima do cardápio.

— E o que nós temos a ver com Romeu e Julieta? Não vamos morrer tragicamente ou vamos? — diz, um tanto alarmado. — Vamos ter que morrer para provar nosso “amor” — faz aspas com as mãos —, para convencer a nação? Vamos seguir o exemplo do maior casal de amantes que já existiu? Meu Deus, eu sou tão jovem e bonito para morrer! Isso seria um grande desperdício!

Não posso evitar soltar uma pequena risadinha. O príncipe e seu lado dramático.

— Não, nada disso... E Romeu e Julieta não são bem o melhor exemplo de casal romântico que já existiu.

— O quê? — ele pousa o cardápio em cima da mesa. — Eles são o casal mais romântico que existe, do tipo: “vou morrer, se não pudermos ficarmos juntos”, e eles literalmente morrem.

— Mas, olhe por outro lado, na verdade, Shakespeare estava brincando com esta história de amor.

Leon arqueia as sobrancelhas, esperando por uma explicação.

— Romeu e Julieta têm como grande moral da história: “não desobedeça aos pais”.

Ele ri do meu comentário.

— Sério isso? — duvida.

— Se eles não tivessem desobedecidos aos pais, nada daquilo teria acontecido, não teriam morrido no final.

— Hum... Isso é verdade. Mas eles estavam apaixonados um pelo outro — argumenta.

— Não sei se isso era tão verdade assim... Veja bem, Romeu estava apaixonado por Rosalina e vai para uma festa, tentando a esquecer. No instante em que vê Julieta nem recorda mais de sua amada Rosalina, por quem se declarava imensamente e perdidamente apaixonado, literalmente, horas atrás, e imediatamente se declara apaixonado por Julieta. Este cara é muito inconstante!

— Prossiga — fala, colocando o queixo sobre a mão.

— A coisa toda parece mais um capricho. Eles sempre tiveram tudo, então, encontraram algo que não poderiam ter. Além disso, toda ação ocorre em menos de uma semana. Na noite de domingo para a segunda, os dois declaram seu amor na cena do balcão, eles se casam na terça-feira e morrem na quinta-feira. Um amor de quatro dias. Eles estavam eram mais desafiando os pais com toda essa história aí de amor proibido.

Leon me analisa.

— Bem, você tem um ponto aí. Então, na sua visão, nosso Romeu é um cara babaca?

— Provavelmente — respondo. — Ele estava todo morrendo de amores por Rosalina e repentinamente se declara por outra.

— Ora esta, portanto, Romeu não poderia se apaixonar por outra?

— Não é isso — contesto. — É que as coisas acontecem rápido demais. Shakespeare estava brincando com esta história toda de amor. Se ele quisesse mesmo exaltar o amor, não teria colado em uma das primeiras cenas Romeu perdidamente apaixonado por Rosalina.

Ele solta uma risadinha de meu comentário.

— Este Shakespeare no final era um grande sacana!

— Veja o final trágico! Ele só aconteceu porque Julieta e Romeu desafiam as ordens dos mais velhos e se casam sem permissão. Ou seja, nunca desobedeça os pais ou os mais velhos, se desobedecer, o resultado é um castigo daqueles. No caso deles, a morte.

— As famílias deles só estavam tentando alertá-los sobre o perigo da desobediência? — indaga Leon, me analisando.

— Por aí. Se eles tivessem escutado os mais velhos, nada daquilo teria acontecido — reafirmo o meu ponto.

— Você é uma garota... diferente. Nunca havia conhecido uma garota que pensasse assim sobre Romeu e Julieta.

— É, eu sou diferente.

Leon solta uma risadinha e volta a olhar para o cardápio.

— Você acabou de destruir todos os meus ideais românticos — diz com um sorrisinho brincalhão.

— Foi um prazer! — sorrio.

— Mas, nós dois ainda temos que ser um casal romântico — indica com a cabeça a janela.

— É...

Lanço um olhar para a janela, não há qualquer sinal de pessoas lá fora, porém, sei que eles estão lá, nas sombras.

Pego o cardápio. E como já desconfiava os preços são assustadores.

— O que vai pedir? — pergunta.

— Não sei... — percorro o cardápio em busca de um nome de prato que eu reconheça entre tantos nomes completamente desconhecidos para mim.

— Que tal deixarmos o chef decidir? Quero uma surpresa hoje.

— É, pode ser.

Ele chama o garçom e pede a recomendação do chef.

Ficamos em silêncio por um momento. A música de fundo é boa de ouvir.

— Gosto desta música — digo.

— É Debussy, Suite Bergamasque.

— Você realmente entende de música! — falo admirada.

Leon apenas sorri.

— Ainda acho que deveria fazer algo relacionado com a música.

— Você sabe que...

— É, eu sei, você não tem escolha, mas... não custa sonhar não é mesmo?

Ele me estuda com seus intrigantes olhos verdes.

— Sonhar custa e custa muito...

— Não acho — rebato sem desviar meus olhos dos dele.

— E o que você queria ser?

— Sinceramente, tenho uma porção de coisas que queria fazer — confesso. — Queria viajar por vários lugares, queria ler uma montanha de livros, queria trabalhar em um emprego legal, com colegas interessantes, chegar em casa cansada depois de um dia exaustivo e abraçar meu gato.

— Mas, você nem tem gato!

— Eu teria um, e se chamaria Victor Hugo.

— Seu autor preferido?

— Um dos meus autores preferidos. Tenho vários!

— Os livros são seus companheiros inseparáveis, hein!

— São meus melhores amigos, não é à toa que entrei para a faculdade de literatura.

— Isso explica muita coisa... — me olha.

O garçom traz a entrada, uma sopa muito gostosa. Comemos em silêncio. Por alguma razão a sopa me faz lembrar de minha casa, de minha mãe. Quando eu ficava doente, ela sempre fazia uma sopa de legumes. A receita sempre variava, dependia dos legumes que tínhamos na geladeira, mas ao mesmo tempo, ela possuía um gostinho próprio e eu poderia reconhecer a sopa feita por minha mãe com os olhos fechados, apenas sentindo o seu sabor.

— O quê foi? — indaga Leon, após notar que estou mexendo no prato sem continuar a tomar a sopa.

— Nada... — levanto minha cabeça e olho para ele. — É que esta sopa me fez recordar da que minha mãe fazia quando eu ficava doente — olho para a sopa de legumes e volto a mexer no prato. — Não importava se era um simples resfriado ou um tombo feio que deixava meu joelho todo ralado, ela sempre vinha com a sopa, dizendo que se eu tomasse, no dia seguinte ficaria curada... uma sopa sempre cura tudo, ela dizia — olho para o prato em minha frente.

— Você tem falado com seus pais?

— Não... quer dizer, não muito.

Eu só vi meus pais no casamento e tudo foi tão rápido, há quatro dias. E depois falei com minha mãe por cerca de cinco minutos no telefone. Eu sinto muita falta deles. Ficar sem vê-los por tanto tempo é estranho. Passei dezoito anos da minha vida ao lado deles e agora, eles não estão mais por perto. Por mais que eles sejam malucos, ainda é a minha família.

— Você pode visitá-los...

— Não — balanço a cabeça desanimada. — Daphné disse que enquanto eu estiver morando no palácio, não posso sair se não for para os lugares designados e minha família também não pode visitar o palácio sem uma permissão real, conseguir uma é... difícil.

— Hum... — ele me olha por um momento, pensativo. — Existe algo que já não é usado há muito tempo no palácio... — Leon coça o queixo e desvia os olhos de mim. — A visita do noivo a casa da noiva.

— E o que seria isso?

— Recém-casados podem ir visitar os pais da noiva por alguns dias, basicamente é isto — explica.

Minha família, finalmente, recebeu permissão para voltar a habitar nossa casa. Isso poderia significar que...

— Então, nós poderíamos... — a possibilidade de ver minha família me deixa extremamente animada. — Nós vamos ver minha família?

— Claro que isso vai ser difícil... vamos ter que convencer várias pessoas a nos dar permissão...

Meu ânimo começa a se esvaziar. A felicidade é como um feriado prolongado, você mal vê e termina.

— Mas... neste final de semana não temos nenhum compromisso muito importante, e seria interessante para a família real se eles deixassem que esta visita acontecesse... — diz, com uma expressão reflexiva. — Posso tentar falar com eles...

— Jura? — pergunto, olhando Leon. Acho que alguém está com cara do gato do Shrek. Um sorriso enorme abre-se em meu rosto.

— Vou tentar... vai ser interessante viver com os plebeus — sorri de um modo petulante.

É, claro, Leon tinha que dizer algo arrogante. Afinal, é Leon. No entanto, não me importo muito com isso. Apenas a perspectiva de ver minha família, poder voltar ao meu quarto, a minha casa, me deixa flutuando. Eu mal tive tempo de me despedir daquele lugar. De repente, estava morando em um luxuoso palácio, em uma luxuosa prisão.

O resto do jantar corre normalmente. Eu e Leon trocamos palavras ao acaso, fazemos pequenas observações. Estou empolgada demais com a perspectiva de voltar ao meu lar, por isso, nem implico muito com o príncipe.

— Vamos — ele estende o braço para mim, quando estamos prestes a sair do restaurante.

E lá vamos nós para o ato de casal apaixonado. Enlaço o braço dele, que sorri, um daqueles sorriso de príncipe encantado que ele sabe dar tão bem.

— É isso por hoje? — pergunto.

Ele continua a sorrir.

— Temos mais uma coisa a fazer...

Antes que eu possa perguntar do que ele está falando, o carro é trazido para nós. Leon, como um bom príncipe encantado, abre a porta para mim. Ele realmente foi treinado para estas ocasiões. Leon entra no carro, mas não começa a dirigir.

— Emma, você quer ficar por alguns dias em paz, sem jantares românticos ou algo gênero? — volta-se para mim.

Olho para ele, tentando decifrar seus pensamentos. Coisa que é um pouco difícil.

— Isso seria bom — digo.

— Ótimo, então... — aproxima-se de mim. — Precisamos fazer algo...

— O quê?

Leon sorri e aproxima-se ainda mais de mim. Perto demais. Posso até sentir o aroma de sua colônia.

— Um beijo — responde simplesmente.

— Beijo? — digo como se não houvesse compreendido as palavras que ele proferiu ou como se não soubesse o seu significado.

— Você sabe, encostar os lábios — explica casualmente. — Beijar.

— Por quê?

— Porque se tiverem fotos do mais novo casal real, flagrados em pleno ato de demonstrar seu amor, vão ter assunto por um bom tempo, e não iremos precisar escutar outro discurso do senhor Bradbury, ou qualquer coisa assim. E já fizemos isso antes.

É verdade, já nos beijamos antes, e isso nos pouparia de escutar outro enfadonho discurso do senhor Bradbury. E Leon tem razão, fotos de um beijo do casal real nos deixaria por um certo tempo em paz. Afinal, é isso que eles querem, a paixão do casal real.

Sei que meu casamento com um dos príncipes da nação não é uma unanimidade entre as pessoas. Há aquelas que estão encantadas com a história que foi vendida, um conto de fadas contemporâneo, plebeia encontra amor na realeza. Mas há também outras que não compraram esta história tão bem assim. São estas que estamos tentando convencer hoje.

É apenas um beijo. Só um beijo e... não há nada demais em um beijo, certo?

— É... — concordo.

Leon se aproxima mais um pouco de mim. Coloca uma mecha de cabelo atrás de minha orelha. E se aproxima de mim mais um pouco. Certo, eu já o beijei em outras ocasiões. Duas vezes, na verdade.

Seus lábios estão a centímetros dos meus. Seus fascinantes olhos verdes me observam. Fechos os meus.

Sinto os seus macios lábios nos meus. Sua mão direita pousa em minha nuca e a outra, em minha cintura. Suas mãos são quentes. Sinto o calor do seu toque em minha pele.

Lentamente seus lábios começam a se mover e os meus se abrem quase que automaticamente. O toque dos lábios dele nos meus é... bom. Meus lábios formigam, pensam por si mesmos.

Meu corpo parece ter potencializado as minhas terminações nervosas em três pontos: em minha cintura, em minha nuca e em meus lábios.

Sua língua escorrega para minha boca e esbarra na minha, levando embora todos os meus pensamentos. Sinto que meu corpo não mais me obedece. Os pensamentos se calaram, não penso, apenas sinto.

Sinto seu cheiro, seu sabor, seu toque. Por um momento, sou apenas um ser que sente e sente tudo ao máximo e ao mesmo tempo.

Beijar Leon é como um dia frio, quando saboreamos um chocolate quente. Um delicioso chocolate quente.

Quando ele se afasta de mim, meu corpo protesta.

Ele sorri e que sorriso! É um daqueles sorrisos que você não se importaria de ficar olhando o dia todo. Não é um de seus sorrisos de príncipe encantado. Não, este é diferente.

— Pronto, com isso ficaremos livres de sermões por alguns dias.

Assinto, desviando meu olhar dele.

Droga, droga, droga, no que eu estava pensando? E por que ele tinha que beijar tão bem assim? É difícil ignorar um beijo destes, sabia? Emma Jones, foco!

Leon começa a dirigir. Pego na minha bolsa um livro qualquer e abro em uma página qualquer. Acho que isso foi um pouco longe demais...

O trajeto de volta ao palácio é longo demais.

Quando finalmente chegamos, agradeço mentalmente por Sebastian estar me esperando na garagem. Não quero que Leon note que eu achei o beijo dele muito bom. Esse príncipe iria ficar se achando por muito tempo.

— Estou com sono — digo, me livrando do cinto de segurança.

— Certo, e... Emma — me volto para ele.

— Vou conversar sobre aquele assunto...

— Obrigada — agradeço, saindo do carro.

Quase corro em direção a Sebastian.

— Tudo bem, Emma? — pergunta, me analisando.

— Tudo e por que não estaria bem? — lanço um furtivo olhar em direção a Leon que neste instante sai do carro. — Vamos entrar, estou muito sono...

— Está bem.

Sebastian me conduz até meu quarto. Me despeço e fecho a porta. Toco meus lábios. Por que ele beija tão bem? Tão bem que ainda sinto o toque, o calor, o gosto dos seus lábios. O beijo de Leon não vai sumir tão cedo dos meus lábios.

Não, ele não pode jamais saber o que eu acho do beijo dele. Se ele souber, estarei em uma grande enrascada. Ele vai me atormentar pelo resto da minha vida.