Nada sobre o jeito que você era tratada parecia especialmente alarmante até agora

(Matilda - Harry Styles)

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O alívio tomou conta de mim quando finalmente cheguei ao Bushwell! Ainda faltava três horas para o almoço e pelos meus cálculos ainda faltava 20 minutos para a chuva começar.

Entrei no saguão, dei bom dia a Lewbert e tomei o elevador. Coloquei as sacolas com as compras no chão, do qual eu averiguei estarem limpos, e aproveitei para ajeitar meu cabelo. Meus pensamentos estavam no meu doce Freddie e em como ele ficaria feliz quando chegasse da casa do amiguinho e visse que eu preparei seu prato favorito para o almoço. Apesar de eu preferir passar longe de massas e tudo o que é gorduroso, tem exceções que valem a pena serem abertas, principalmente se o seu filho mais uma vez passou direto de ano e conquistou medalha de ouro no mais recente projeto que participou, como o meu bebê.

Foi inevitável não sorrir.

Até que meus pensamentos foram interrompidos por uma delinquentezinha que teve a coragem de abrir o elevador, -que estava quase se fechando-, a força. Ela poderia ter quebrado a mão! Mas isso já era algo a se esperar de uma moleca marginal como Samantha Puckett!

Ainda bem que meu filho caiu em si e parou de namorar com essa coisa!

—MAS O QUE É ISSO? ESTÁ MALUCA GAROTA? -gritei afim de repreendê-la. Mas ela apenas se manteve cabisbaixa e bufou. E eu também tive a nítida impressão de que ela revirou os olhos. Que mal educada!

—Não senhora B, só preciso ir na Carly...

Já era de se imaginar! Essa criatura vive enfurnada na casa dos irmãos Shay, me pergunto o porquê eles se importam tanto com ela.

—Ah mas que novidade... -ironizei.

—Olha senhora B... a senhora não gosta de mim, então não precisa falar comigo, pode ignorar a minha presença aqui. É melhor para nós duas!

Mas que petulância!

—Não me diga o que fazer, menina. E olha pra mim enquanto eu estiver falando com você!

—Não.

—É falta de educação não olhar para a pessoa enquanto fala com ela.

—Mas eu não estou falando com a senhora e a senhora não manda em mim!

Dessa vez quem revirou os olhos fui eu.

—Está me dando agonia você com essa cabeça baixa!

—Problema seu.

Bufei! Que menina complicada. Será que eu teria que usar um pouco do seu idioma nativo ou seja, a ignorância?

—Você não vai conseguir nada na vida com essas respostas grossas, menina...

Ela bufou, bufou alto e então levantou a cabeça e meu Deus... me arrependi na mesma hora de ter exigido que ela fizesse isso!

—Satisfeita? -ela perguntou, irônica, como sempre, mas com um ponto de fraqueza até então desconhecido por mim.

Do lado direito de sua testa havia um corte, bem profundo, e estava sangrando. O sangue da testa respingou um pouco em sua pálpebra e bochecha daquele lado do rosto, como uma lágrima. Me pergunto como não desceu também para seu pescoço e roupa, e como não havia respingado um pouco no chão...

Fiquei em silêncio, a última coisa que eu esperava ver hoje era uma adolescente machucada! O choque era visível na minha face, eu sabia disso pela forma que ela me olhava.

—O-o que aconteceu? -perguntei, assustada.

—Eu caí! -ela respondeu, mas eu sabia que estava mentindo, pela profundidade do corte aquele ferimento claramente havia tido outra procedência.

Mas antes que eu pudesse protestar o elevador abriu e fomos andando em silêncio até o corredor. Ela parou em frente a porta dos Shays, como sempre, mas antes que ela pudesse bater na porta, eu a chamei.

—Você não está pensando em entrar na casa da sua amiga com esse ferimento, está?

Ela se virou e me olhou, o cenho levemente franzido.

—E se eu tiver? Qual é o problema?

—Só acho que se você entrar com a testa sangrando desse jeito você vai preocupar sua amiga e o irmão dela. -fiz uma pausa e suspirei- Me deixa fazer um curativo, pelo menos.

—E por que a senhora faria isso? A senhora me odeia! E não faz nem questão de disfarçar...

—Mas também sou enfermeira, e faz parte da minha profissão fazer o bem sem olhar a quem! -disse com orgulho.

E ela riu, começou a dar uma gargalhada tão alta, que eu não sei como a porta do apartamento da frente não se abriu.

—A senhora já foi menos patética! E estranha também...

Revirei os olhos. Eu já estava ficando sem paciência.

—Vai aceitar a minha ajuda ou nao?

—Não vou negar que estou com medo das suas intenções por trás dessa "boa ação", mas vou aceitar sim. Mas só porque eu acho que a Carly não está em casa, só quando eu cheguei aqui que eu lembrei que ela ia estudar na casa da Wendy...

Por algum motivo desconhecido por mim, me senti aliviada quando ela disse que aceitava.

—Que bom, então vamos entrar.

Destranquei a porta e ela me seguiu.

{...}

Samantha olhava com curiosidade para o apartamento enquanto eu colocava as compras na mesa da cozinha, não sei porque, ela já havia vindo aqui algumas vezes, principalmente quando namorava o meu Freddie. Não era raro eu chegar do trabalho e vê-los abraçados no sofá assistindo televisão.

Senti arrepios só de pensar nisso.

Fui pegar o kit de primeiros socorros no banheiro e quando voltei a garota, que estava sentada no sofá da sala, começou a rir, de novo.

Por acaso tenho cara de palhaça?

—O que foi agora, menina?

—Esse kit é do tamanho da minha casa!

A risada aumentou.

Não sei porque sempre reclamam do tamanho do meu kit de primeiros socorros, tinha espaço de sobra para guardar tudo que era necessário, um estoque para durar anos e anos!

Decidi ignorar aquela sessão interminável de risadas e após posicionar o kit no chão, perto da ilha da cozinha, peguei a garota pelo pulso e a coloquei sentada em uma das banquetas da ilha.

Percebi que ela me olhou de um jeito estranho, parecia... surpresa. Suas risadas acabaram na mesma hora.

Comecei limpando o ferimento com a água e o sabão já que o sangue havia parado de sair, então não precisei estancar. Ela fez uma careta quando o algodão encostou na base ensanguentada, mas não reclamou. O sangue já estava seco então precisei passar mais algumas vezes até estar bem limpinho. Depois, comecei a dar os pontos, percebi novamente, que a Samantha se esforçava muito para não chorar ou reclamar, certamente achava que se o fizesse, iria passar vergonha e ela não queria passar vergonha na minha frente. Mas quando terminei, vi uma singela lágrima saindo de seu olho direito.

—Terminei. -avisei a ela.

—Ótimo! -ela fez menção de se levantar mas eu a impedi.- O que foi?

—Eu acabei de dar pontos na sua testa, precisa ficar um pouco sentada!

—Mas eu tenho que ir na Carly...

—Vai poder ir na Carly quando não tiver risco de sentir tontura! -a interrompi, enquanto tirava as mercadorias das sacolas.

—Olha aqui, a senhora não é minha mãe! E eu não estou me sentindo tonta...

Ri baixo, me lembrando de que apesar de eu amar o meu Freddiebear, meu sonho quando mais nova era ter uma menina, e comecei a passar álcool em gel nos produtos.

—Tudo bem, mas é importante ficar quietinha depois de levar pontos na testa, em outras partes do corpo não precisam, mas na testa e na cabeça, sim.

Ela ficou em silêncio, se dando por vencida.

Terminei de higienizar as compras e me aproximei dela novamente, me sentando na banqueta ao lado.

—O que aconteceu de verdade, Samantha?

Ela franziu o cenho.

—Como assim?

—Eu sou uma profissional da área da saúde! Sei que esse corte não foi provocado por uma queda na rua...

Ela desviou o olhar para as mãos em seu colo e fechou os olhos por alguns instantes.

Por que a Delinquente parecia tão frágil naquele momento?

E por que eu estava me importando tanto com ela?

Samantha voltou a olhar para mim, e percebi que seus olhos estavam vermelhos.

Por que ela não deixava as lágrimas saírem?

—Ok... já que a senhora insiste, eu vou falar... foi a minha mãe!

Arregalei os olhos.

—A gente vive brigando -ela continuou- mas hoje ela saiu de todos os limites, não que ela saiba o que é isso. -fez uma pausa para tomar fôlego- Semana passada eu tomei coragem para contar a ela que o novo namorado dela anda me assediando, mas ela não acreditou em mim. Isso sempre aconteceu, não são todos, mas alguns dos ex-namorados dela já me assediaram ou tentaram me assediar, mas eu nunca contava porque me faltava coragem. Mas quando essa coragem surgiu ela não acreditou em mim, sinceramente eu não esperava que fosse ser diferente, mas eu ainda tinha um pouco de esperança de ela acreditar, sabe? E daí hoje eu tava de boa vendo TV e o cara chegou lá e tentou beijar minha bochecha quando ela foi na cozinha, eu fiquei em choque na hora mas consegui acertar um chute nos "países baixos" dele, ele caiu no chão se contorcendo de dor. A Pam chegou e começou a brigar comigo, me perguntando o porquê eu tinha feito aquilo, eu contei o que aconteceu e ela disse que eu estava me oferecendo para o nojento do namorado dela e eu fiquei me defendendo das merdas que ela estava falando... -limpou algumas lágrimas que começaram a cair- e daí quando eu menos esperava ela jogou um copo na minha direção, foi tão rapido que eu nem tive tempo de desvencilhar e acertou a minha testa. Ela ficou em silêncio depois disso, parecia em choque, mas eu estava mais. A única reação que eu tive foi pegar meu celular e minha jaqueta e vazar daquele lugar... já tinha muito tempo que ela não me agredia, a última vez foi quando eu tinha nove anos, e ela me bateu porquê eu acidentalmente deixei a paleta de maquiagem dela cair no chão e quebrar enquanto eu brincava com a minha irmã...

Ela não conseguiu mais conter as lágrimas, começou a chorar na minha frente e meu primeiro instinto foi abraçar aquela garota.

Eu jamais pensei que um dia eu estaria abraçando Samantha Puckett, mas eu também jamais pensei que ela passasse por coisas desse tipo. Eu sempre vi essa menina como uma rebelde sem causa, mas agora eu percebi que ela é uma rebelde com causa.

Me arrependi de todas as vezes em que eu a xinguei e a julguei sem ao menos saber, ou me interessar em saber, esses detalhes de sua vida.

E pensar que eu armei para separá-la do meu Freddie... eu fui tão injusta! Tudo o que essa menina precisa é de pessoas que ela possa confiar, pessoas que vão cuidar dela, e os irmãos Shay fazem isso, meu filho estava fazendo isso. Eu tirei dessa garota a chance que ela tinha de ser feliz.

A apertei mais em meu abraço, como se através desse gesto eu pudesse me desculpar por tudo que fiz a ela.

As lágrimas foram cessando devagar e ela saiu do abraço, me encarando com um pouco de vergonha e -novamente- limpando as lágrimas (aquilo já estava me dando aflição).

—Foi mal, senhora B...

Sorri fracamente e a ajudei a limpar as lágrimas, acariciando seu rosto depois.

—Está tudo bem, não se culpe por isso, você não tem culpa de nada!

—Eu nunca pensei que a senhora um dia estaria falando isso pra mim...

—Eu também não. Mas olha só Samantha, isso que você me contou é muito sério, você precisa denunciar seu padrasto e sua mãe!

Seu rosto imediatamente assumiu uma expressão de medo e preocupação.

—Não senhora B, eu não posso! Se a minha mãe for presa de novo eu corro sérios riscos de ir parar em um abrigo, e isso me tiraria do convívio dos meus amigos. -respirou fundo-. Minha vida é uma merda! Mas a Carly, o Spencer o Gibby e... o...

—O Freddie. -eu complementei, percebendo seu nervosismo em falar o nome do meu filho na minha frente.

—Isso... o Freddie -sorriu fraco. Eles fazem a minha vida valer a pena! Se eu não estou presa ou em um lugar pior, é por causa deles!

Me emocionei mais uma vez e não resisti em a puxar novamente para meus braços. Ela relutou, mas acabou aceitando.

Não importava mais as origens dela, ou se ela já foi presa... a partir do desabafo dela ficou claro para mim que ela só agia daquele jeito por não ter bons exemplos dentro de casa, mas isso iria mudar a partir de agora! Samantha precisava de mais do que amigos que são como família, ela precisava de uma figura materna, uma adulta que faria de tudo para que ela se sentisse acolhida, protegida...

E se a mãe dela não é capaz de cumprir esse papel, então eu serei!

Ela quebrou o abraço de novo.

—Verdade querida, você tem razão.

Ela franziu o cenho novamente, um tanto quanto desconfiada.

—Por que a senhora ficou tão carinhosa comigo de repente?

—Porque depois que você me contou o que aconteceu, eu percebi o quanto eu sempre fui injusta com você. Eu não fazia ideia de como é a sua vida e a julguei sem ao menos me interessar em saber...

—Isso é verdade, até armar um plano pra me separar do seu filho a senhora armou...

Fechei os olhos em lamentação.

—Sim, e eu peço perdão por isso, e por todos os outros insultos também. Sei que isso acaba não mudando muita coisa, mas se você quiser, podemos começar de novo, o que acha?

Ela deu um meio sorriso.

—Tudo bem, eu perdoo a senhora.

—E se você precisar de qualquer coisa, pode falar comigo, ok? Por mais que você tenha seus amigos, é bom contar com uma adulta responsável de vez em quando.

—Tudo bem.

Um barulho de chaves nos fez olhar em direção a porta, até imagino quem tenha chegado.

—Cheguei mãe, o almo- ... Sam?

O que quer que meu filho iria dizer foi interrompido pela surpresa que ele teve ao encontrar a Samantha sentada na banqueta da ilha da cozinha.

Eu sei que o Freddie ainda gosta dela, semana passada eu fui limpar o quarto dele e encontrei uma foto dela embaixo do travesseiro dele. Lembro de ter ficado enfurecida, só não joguei a foto fora porque o Freddie iria se chatear comigo quando desse falta da foto, meu menino não era nada bobo.

Me levantei e fui até ele.

—Oi meu bebê! -tirei sua capa de chuva molhada antes de abraça-lo.

—Ah mãe, já falei pra parar de me chamar assim! -ele reclamou, mas retribuiu o meu abraço.

—Oi... -Sam acenou para ele, que retribuiu o comprimento.

O clima parecia estar um pouco tenso entre eles, algo normal depois de se terminar um namoro. Logo a expressão do Freddie mudou para algo parecido com preocupação e foi até ela, parando em sua frente.

—O que aconteceu com você? -ele perguntou, apontando com o indicador para o ferimento.

—Depois eu te conto... mas a sua mãe me ajudou, ela fez o curativo, mesmo eu relutando muito. -ela o respondeu e olhou para mim. Sorri, indo até eles.

—Nossa... valeu, mãe.

—Não foi nada, é meu dever ajudar os doentes e feridos, se eu não o fizesse não estaria honrando o meu juramento de formatura, não é?

Nós três demos risadas, e eu percebi que aqueles dois precisavam ficar sozinhos por algum tempo.

Logo uma ideia surgiu na minha cabeça.

—Crianças, eu lembrei que eu esqueci de comprar os ingredientes para a salada. Se vocês não se incomodarem, eu volto logo.

—Então eu já vou. Obrigada por tudo senhora B. -disse Samantha, se levantando da banqueta.

—Não querida, não precisa se preocupar, fica aqui com o Freddie e almoça com a gente, eu vou fazer lasanha!

—Lasanha? Uau! O que rolou aqui? -Freddie perguntou, surpreso.

—Nada demais meu amor, só estou muito orgulhosa do meu filhote e decidi agradar ele um pouquinho!

Ele sorriu e eu o abracei, a melhor coisa da minha vida foi ter me tornado mãe desse menino, ele vale ouro!

Percebi que a Samantha assumiu uma expressão triste e um pouco deslocada, então a puxei para o abraço também, ela se surpreendeu, mas acabou cedendo no final.

Daqui para frente seria assim.

Antes eu olhava para essa garota e sentia vontade de sair de perto. Agora posso dizer que eu olho para ela e só sinto vontade de cuidar e proteger.

—Bom, eu vou lá. Se cuidem crianças, e não coloquem fogo na casa! -eu disse, ao sair do abraço e caminhei em direção a porta.

—Vamos tentar. -Freddie disse.

E a última coisa que eu vi antes de fechar a porta, foi Freddie e Samantha conversando descontraídos e ele segurando a mão dela.

Sorri com a cena, torcendo para que eles reatassem!

Mas se não fosse esse o caso, eu desejo que ela ao menos saiba que ela tem um lugar nessa família, afinal, eu já a considerava como minha filha.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.