Epílogo

Havia muita movimentação vinda do número 221B de Baker Street, e talvez pela primeira vez, Sherlock Holmes não era o culpado. A senhora Holmes estava em trabalho de parto e era acudida por uma agitada senhora Hudson, que entrava e saía do quarto do casal com vários panos e bacias de água. Watson e o doutor Dawson também eram outros que obtiveram passe livre para dentro do cômodo, afinal, alguém precisava fazer com que os gemidos de dor da senhora Sherlock Holmes cessassem.

O único que não acompanhava os acontecimentos de perto era o próprio pomposo detetive, limitado apenas a descobrir o vasto vocabulário – que envergonharia até o pior dos marinheiros – que sua esposa conhecia. Mycroft pedira para ser avisado assim que o parto terminasse, já que não aguentaria presenciar a sangria, ao menos gostaria de ser um dos primeiros a ver seu mais novo sobrinho ou sobrinha.

─ Senhora Hudson, como ela está? – perguntou Holmes, na terceira vez que a sua senhoria deixou o quarto.

─ Digamos que a senhora Holmes se sai melhor enfrentando meliantes, do que enfrentando as consequências que a natureza impõe a uma mulher, senhor Holmes. – gracejou Martha Hudson, descendo as escadas para buscar mais água quente. Sherlock sorriu consigo mesmo, imaginando o estado emocional de sua esposa naquele instante. Até então, a única circunstância da gravidez que não haviam discutido em voz alta fora o parto.

John recomendara um de seus conhecidos colegas, sob condição expressa imposta pela senhora Holmes de acompanhar a tudo. Ela também fora categórica ao anunciar que não iria para o hospital e que o parto deveria ocorrer em sua casa. Sendo assim, uma enfermeira seria chamada para ajudar a senhora Hudson e a aparelhagem necessária – que, de fato, não era muita – seria posicionada dentro do quarto. Então, às oito da manhã daquela Quinta Feira de Janeiro, Anne começou a sentir as contrações e implorou a Holmes – ameaçando de finalmente arremessá-lo pelo Tâmisa – que fosse buscar Watson e o doutor Dawson. Agora, o detetive estava plantado do lado de fora do quarto, de prontidão, aguardando ansiosamente o aval de seu amigo para que pudesse entrar.

Ao soar da primeira nota do choro do bebê, Holmes apressou sua mão na direção da maçaneta da porta, sendo parado pelo início de um segundo choro de bebê. Paralisado pela surpresa, ainda demorou um pouco para entrar depois que Watson chamou por ele. A senhora Hudson e a enfermeira limpavam o sangue das duas crianças, que acabavam de ter seus cordões cortados por Dawson. Watson sorria para Holmes, enquanto limpava a testa suada da senhora Holmes, que mantinha-se de olhos fechados.

─ Devo parabenizá-lo, meu caro! – exclamou Dawson, oferecendo a mão limpa para o detetive. – Dois pequenos de uma só vez! É muito raro que...

─ Anne, ela está? – indagou Sherlock, preocupado.

─ Vai precisar descansar um pouco. O parto de uma criança já tem seus riscos, mas, dois seguidos... Anne é realmente uma mulher muito forte. – respondeu John, acalmando-o. – E parece que os dois ganharam a aposta, afinal. – acrescentou dando tapinhas nas costas do amigo, enquanto Dawson conferia o estado da nova mamãe.

─ O que quer dizer?

─ Ora, os gêmeos Holmes são um casal. Uma senhorita Holmes e um pequeno senhor Holmes. – explicou Watson voltando sua atenção para a senhora Hudson e a enfermeira Crawley, que já conseguira fazer ambos pararem de chorar.

─ Meus parabéns, senhor Holmes! – disse a senhoria, ao passo que ele se aproximava para ver seus filhos de perto. Estavam os dois embalados em toalhas brancas, o que tornou impossível discernir entre qual era qual. – Esta é a senhorita Holmes. – revelou Martha, deduzindo os pensamentos dele. Holmes sorriu, à medida que seus olhos se enchiam de lágrimas ao ver a menininha que ele havia apostado com todas as forças que teria.

─ E este é o pequeno senhor Holmes. – acrescentou a outra, sorrindo abertamente, com o pequeno Holmes nos braços, fazendo com que o próprio sorriso de Holmes se abrisse ainda mais em direção ao menininho.

─ Eu... posso...? – perguntou, já fazendo menção em tomá-los dos braços das duas senhoras. A enfermeira Crawley não conteve um risinho, já conhecendo um pai coruja quando via um, ajudando-o a posicionar o rapazinho em seus braços. Em seguida, a senhora Hudson lhe passou a menina, frisando que ele deveria ter cuidado com as cabeças.

Holmes, que em toda a sua carreira já havia trabalhado com vários instrumentos pequenos e delicados, jamais imaginara que poderia haver algo que o fizesse se superar em cuidado. Não pensara que haveria algo que ele temeria mais em deixar cair do que um tubo de ensaio contendo uma substância perigosa.

─ Sherlock. – Anne murmurou, abrindo os olhos.

─ Venham, vamos dar um momento a eles. – interpôs Dawson, abrindo a porta e fazendo sinal para os outros passassem. – John, meu caro, foi um ótimo trabalho... – disse enquanto fechava a porta, deixando apenas silêncio para trás.

E o casal prolongou-o. Aquele conhecido silêncio que em cinco anos deixara de ser incômodo, para se tornar um aliado. Anne observava, sorrindo abertamente, enquanto Holmes aninhava os dois recém-nascidos em seus braços. E então seus olhares se cruzaram, e os sorrisos de felicidade converteram-se naqueles conhecidos sorrisos de provocação; com palavras não ditas e olhares que, em todo caso, significavam mais do que elas.

─ Posso ver os meus filhos, senhor Holmes? – indagou Anne aprumando-se contra os travesseiros, esticando os braços.

─ John disse para você descansar. – observou Sherlock.

─ Eles não pesam mais do que alguns quilos. Sherlock Holmes eu quero segurar os meus filhos. – insistiu ela com imperiosidade na voz, o que fez com que ele suspirasse em rendição.

─ Meus filhos. – corrigiu, enquanto ela tomava a menina dos braços dele.

─ Meus. – ela tornou a corrigir, jocosamente, quando já tinha ambos em seus braços. Holmes reprimiu uma risada e sentou-se ao lado dela na cama, passando uma das mãos por cima de sua cabeça para que pudesse afagar seus ombros. – Os dois têm os cabelos negros iguais ao seu...

─ E o seu nariz. – observou Sherlock.

─ Eu não imaginava que pudessem ser dois. - comentou Anne, intrigada.

─ Muito menos eu, agora tenho certeza de que seremos o assunto da cidade. – concordou Holmes, cobrindo o bracinho da pequena senhorita Holmes. – Qual deles nasceu primeiro?

─ Acredito que tenha sido ela...

─ Então por alguns minutos, eu ganhei a aposta. – ponderou ele, fazendo Anne revirar os olhos. – Preciso avisar Mycroft.

─ Depois, mas por enquanto fique aqui. – disse ela, manhosa.

─ Isso muda a sua decisão de não deixarmos Baker Street? – indagou ele calmamente.

─ Veremos. – respondeu ela. – Eles podem dividir o quarto até...

─ Até chegar o momento em que a idade exigi certa... privacidade. – concluiu Holmes, sorrindo de lado. Anne concordou com um aceno de cabeça.

─ Precisamos escolher os nomes. – lembrou ela, de repente.

─ Pensei que você já tivesse se resolvido, no caso do menino. – comentou Sherlock, ajustando um pequeno tufo de cabelo muito negro na cabeça do filho.

─ Sim, mas... não cheguei a pensar em nenhum nome para menina... Você?

─ Cheguei a cogitar Eliza...

─ Eliza Holmes? Isso não parece certo...

─ Ora, então...

─ Ela é uma Holmes, querido. Nossa filha precisa de um nome forte.

─ Anne, nós somos a prova viva de que o som de um nome não define caráter ou habilidade. – interpôs Holmes, na defensiva.

─ Sherlock é um nome excêntrico, você é excêntrico, para dizer o mínimo. – observou Anne, em tom de brincadeira.

─ Anne é um nome comum, você consegue desacordar um homem com um soco certeiro na nuca. Isso não é comum. – retrucou ele, mais uma vez na defensiva. Ela sorriu.

─ Podemos entrar? – interrompeu Watson, abrindo um pouco a porta, revelando Mary e a senhora Hudson.

─ Mary! – exclamou Anne, alegrando-se.

─ John deixou um bilhete com uma estimativa de horário em que poderia vir. – disse abraçando Sherlock, que se levantara para cumprimentá-la. – Eles são lindos! – exclamou encantada, sentando-se ao lado da amiga para admirar os pequenos.

─ Eu nunca imaginei que veria a senhora Holmes falando daquele jeito com o doutor Watson. – comentou a senhora Hudson, risonha.

─ Mycroft vai me matar por não tê-lo avisado.

─ Ainda bem que esperar nunca foi um forte da família Holmes. – interveio Mycroft, entrando no quarto. – Estava a postos desde que me avisou das contrações e devo dizer, meus parabéns, doutor Watson. Não há nenhum sinal de dor no rosto dela. – disse apertando a mão do médico.

─ Bem, tive ajuda. Um antigo companheiro da escola de medicina, David Dawson. – comentou John.

─ Pobre doutor Dawson...Você não sabe de metade da história, Mycroft. Ficaria envergonhado pelas coisas que disse durante. – falou Anne, risonha.

─ Eu posso ter uma singela ideia, minha cara. – anuiu ele. – E meus parabéns, irmão! Dois novos Holmes para a família!

─ Um casal, aliás. – pontuou Watson.

─ Então eles empataram a aposta? – gracejou Mycroft. – Garanto que ainda teremos revanche em algum momento para compensar os egos feridos.

─ Já pensaram nos nomes? – perguntou Mary, sorrindo para o pequeno Holmes que agora se mexia um pouco nos braços da mãe.

Anne e Sherlock se entreolharam e em seguida seus olhos repousaram em John.

─ Anne chegou a mencionar sua escolha para o nome do menino, - começou Holmes. – e eu concordo plenamente com a escolha dela.

─ Queremos que o nome do menino seja John. – disse Anne, sorrindo tanto para o médico quanto para Mary. Watson continha uma lágrima que se formara em seu olho de escorrer.

─ Vocês não...

─ E conversamos, bem, as crianças serão anglicanas... como todo Holmes... – interrompeu-o Sherlock.

─ Embora não possamos dizer que tenhamos um crédito muito grande com o todo poderoso. – comentou Mycroft, sorrindo de forma cúmplice ao irmão.

─ Em todo caso, o pai de Anne seguia a igreja católica ortodoxa. E ela gostaria...

─ Somente entre nós, sem seguir os rituais católicos, eu gostaria que John e a senhora Hudson fossem os padrinhos do nosso pequeno John Nikolaevich Holmes. – disse Anne.

─ Nikolaevich? – surpreendeu-se Mary.

─ O sobrenome do lado da família de papai. – explicou Anne. – Sempre assinei somente com Bergerac porque desde criança achei mais fácil... – acrescentou.

─ Anne, Holmes, eu fico honrado. – disse Watson, enquanto a senhora Hudson soluçava, acenando freneticamente que sim com a cabeça.

─ E quanto a senhorita Holmes? – perguntou Mycroft.

─ Era o que discutíamos antes de vocês entrarem. – respondeu Anne, mirando Sherlock receosa.

─ Bem, pessoalmente, eu acredito que só haja um nome que faça jus a uma mulher da família Holmes... com todo respeito, minha cara. – falou Mycroft, com um aceno cortês de cabeça para Anne. Holmes pareceu compreender.

─ Violet. – disse repousando o olhar sobre o rostinho da menininha, seus olhos mais uma vez se enchendo de lágrimas.

─ Violet. – murmurou Anne, mirando Holmes. – Eu acho que é uma excelente ideia... homenagear a sua mãe. Violet Nikolaevna Holmes. Mycroft? Mary? – disse voltando a olhar para eles.

─ É claro. – Mary aceitou de pronto, sorrindo com lágrimas nos olhos para sua mais nova afilhada. Mycroft se aproximou para observar sua sobrinha e piscou para Anne, concordando. – O quão parecidos com os pais vocês acham que eles vão ser? – inquiriu Mary, quando desceram para deixar o casal Holmes sozinho outra vez.

─ Pelo meu bem eu realmente espero que eles se pareçam mais com a mãe. – comentou a senhora Hudson, saindo em direção a cozinha. Watson e Mycroft se entreolharam.

─ Independente se com ele ou se com ela, senhora Watson, o fato é que muito provavelmente estejamos presenciando o nascimento dos futuros grandes detetives de Baker Street. Os gêmeos Holmes... só espero que a cidade seja grande o suficiente. – ponderou Mycroft.

─ Amém. – concordou Watson.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.