Fazia muito calor, aquele dia. Eu estava acostumada com o frio de Forks, nunca com aquele calor intenso da linha do equador. Estávamos em uma ilha no Pacífico, de nome o qual eu ignorava, desde o dia de nosso casamento. Havíamos voado para lá com um avião fretado por Edward; eu, ele e Charles Henry, para passarmos alguns dias juntos, a sós, sob o sol.


Mesmo sabendo que o sol, astro da natureza, não era tudo aquilo que eu imaginava e mesmo sabendo que eu havia encontrado outro sol para mim, ao redor do qual eu girava como se fosse um planeta e nele se resumisse todo o sistema, eu ainda gostava de estar sob a luz do sol, aquele que provinha a vida para todos os humanos; para tudo que havia na Terra. Era como se eu me sentisse mais humana, mas viva, mais parte de tudo aquilo. O pavor de tornar-me humana já estava há muito superado; eu não precisava temer algo que eu era; algo que era tudo que Edward queria.


E ter Edward sob a luz do sol era ainda mais fantástico, porque a luz que dele emanava era tudo que eu precisava para enxergar. Com ele eu conseguia ver, efetivamente. E meus dias de híbrida tola que morava em um buraco sob a terra haviam acabado; e meus dias de Beatrice Caldwell, a ignorante, eram apenas um passado distante, que parecia nunca ter acontecido de verdade. Um fragmento, um sonho, um momento necessário para que eu tivesse acesso à vida, afinal.


Talvez eu tivesse direito a tudo aquilo. Talvez eu fosse merecedora da felicidade, talvez eu não fosse uma aberração. Ou talvez, ainda, em uma remota possibilidade, havia espaço para as aberrações nesse mundo tão diverso, tão acolhedor.


Mãos mais frias do que o normal tocaram meus ombros, enquanto eu observava o oceano transparente que se lançava a meus pés em ondas de espuma. O corpo de Edward não esquentava nunca, e o calor do sol não lhe fazia qualquer diferença. Seus longos dedos acariciaram a base de meu pescoço e eu movi a cabeça para o lado, a fim de prolongar o toque. O sol se punha no horizonte, em raios dourados e avermelhados, tingindo o céu de uma cor que eu ainda não tinha visto. Mais cores se acrescentavam à minha paleta todo dia. Virei-me para Edward para encontrar seus olhos vidrados nos meus. Seus braços me envolveram com urgência, e seus lábios me fizeram sucumbir a um beijo inesperado.


_O verão faz tudo mais lindo. – Ele sussurrou em meus ouvidos. – E eu não podia acreditar que você pudesse ficar mais linda… a natureza sempre me impressiona.


Afundei minha face em seu peito, aquele gesto tão característico da Beatrice mais tola, que se envergonhava de tudo. Eu sequer tinha o direito de envergonhar-me de mais algo, eu já havia feito de tudo. Quase tudo.


_Não devia acostumar-me com mentiras, Edward Cullen. Posso gostar delas.


_Eu amo você. – Ele disse, beijando-me novamente. – Já tinha dito hoje?


_Ainda não. – Fiz uma careta. – Eu às vezes sinto que é estúpido falar que te amo… quantas vezes por dia você lê essa frase em mim?


_Ouvir de você tem outro sabor. – Ele continuava a me beijar, eu mal podia expressar-me.


_Eu te amo, Edward Cullen. Mais do que imaginei que um dia pudesse amar alguma coisa, mais do que o permitido para qualquer um.


Os braços sempre fortes de Edward me comprimiram em um abraço mais apertado do que meu frágil corpo semihumano poderia suportar, e ele logo me soltou, percebendo que alguns ossos haviam estalado. Por mais que ele algumas vezes ultrapassasse os limites do meu permitido, eu nunca sentia dor alguma ao seu lado. Nenhum toque seu poderia ser dolorido, nada que ele fizesse poderia machucar-me. Naquele momento, estávamos vivendo como se um mundo paralelo existisse, e a felicidade fosse realmente aceitável para aberrações lendárias. Eu, a híbrida geneticamente modificada; meu marido vampiro e nosso bebê, um híbrido definitivamente diferente de tudo que já se havia visto.


Charles Henry já havia crescido muito, e ele parecia-se com um bebê humano de mais de cinco meses de idade. As semanas que passamos na ilha mostraram claramente seu crescimento fora nos padrões humanos. Ele crescia, e mostrava sua preferência por sangue. Ele ainda comia alimentos humanos, mas somente quando eu insistia muito. Fora isso, ele mostrava claramente que queria sangue, e deixava Edward louco com suas preferências. O pai precisava caçar animais por toda a ilha e muitas vezes precisava ir até o continente, para satisfazê-lo. Fardo de quem lê mentes, meu Edward carregava. Mas, apesar do crescimento exagerado, meu filho era um híbrido aparentemente normal, considerando a sua espécie. Ele ainda não tinha apresentado nada que sugerisse a sua genética apurada, nem uma força fora do comum ou uma resistência absurda. Até porque ninguém teve coragem de arriscar feri-lo só para testar, como fizeram comigo – a cobaia viva.


Enquanto nos beijávamos à luz do sol que já estava rarefeita, o telefone de Edward tocou. Pela primeira vez na ilha, semanas depois, seu telefone tocou e aquilo nunca poderia significar nada bom. Era uma regra dos humanos, telefonemas em horários inapropriados eram sempre má notícia. Mas que má notícia poderíamos receber? Eu considerava que nada mais podia dar errado em minha vida; que as coisas a partir do momento em que saí do covil pela última vez seriam apenas perfeitas. Estaria eu enganada por todo aquele tempo, e as aberrações não poderiam ser felizes?


Já dentro da casa, Edward atendeu o celular. Charles dormia sereno em seu berço, e fui acalentá-lo. Por algum motivo, talvez uma superstição, eu estava apreensiva.


_Diga, Alice. – Edward respirou fundo. Um telefonema de Alice era uma notícia, com certeza. – Sim, Bea está aqui, onde mais ela poderia estar? Estamos isolados em uma ilha…


_Coloque no viva voz. – Pedi, aproximando-me dele e segurando seu braço. – Quero ouvir.


Edward atendeu meu pedido e em um segundo eu estava ouvindo a voz de Alice.


_Edward, como está Charles? Oi Bea!


_Charles está bem. – Edward respondeu, e ele parecia mais apreensivo do que eu. – Vamos, o que foi? Não me deixe ansioso… Bea está quase tendo um ataque aqui.


_Edward, eu vi… uma coisa que está me deixando muito intrigada. Volte para casa, com Bea e o bebê.


_O que houve, Alice? Assim você me faz ter um ataque! Estamos em perigo?


Eu esfregava os dedos. Alice levou alguns segundos para responder, o que me fez acreditar que sim, estávamos em perigo. A resposta dela foi ainda mais perturbadora do que um simples “sim”.


_Edward, eu vi que Charles também tem um poder.


Meu marido franziu a sobrancelha, e me encarou. Um sorriso nada condizente com meu estado de espírito brotou em seus lábios.


_Ele ainda é um bebê… ele não tem nenhum poder.


_Sim, ele tem. Ele ainda não sabe como usá-lo… mas ele vai aprender, e ele não detém o controle sobre ele.


_Deixe-me entender… Charles tem um poder. E por que precisamos sair correndo de volta para casa?


_Porque Charles tem um poder imenso, grande demais… e assustadoramente perigoso.


O sorriso nos lábios de Edward se torceu, e ele apertou o aparelho com força demais. Eu ainda esfregava os dedos, e já havia sangue coagulado por toda a extensão de minhas mãos. Força demais, eu também.


_Alice, estamos falando de Charles… meu filho. Acha que ele pode nos colocar em risco? Eu vejo seus pensamentos, ele é uma criancinha, feliz, ama seus pais… o que você viu de tão ruim assim?


_Eu não sei explicar! Volte para casa, Edward… assim você poderá ver. Esme está aqui tão ansiosa quanto eu, desde que tive a visão…


_Vou desligar agora, preciso conversar com Bea sobre isso.


Edward desligou o aparelho e olhou para mim, os olhos claros um tanto sombrios. Delicadamente, ele levou suas mãos até as minhas e as segurou com gentileza, impedindo-me de continuar minha involuntária mutilação. Os dedos frios causavam uma sensação boa por sobre os hematomas.


_O que você acha? – Ele perguntou, já sabendo a resposta. Tinha vezes que eu simplesmente preferia não poder falar.


_Eu aprendi a não desafiar as visões de Alice. – Minha voz estava falha. – E eu preciso compreender que tipo de poder teria Charles para ser tão perigoso.


_Poder demais já é perigoso. – Edward conjecturou. – Se ele for muito poderoso… ele pode ter uma característica muito maximizada, e fazer coisas que acabam se tornando perigosas. Mas… ele é nosso filho, ele será uma boa pessoa. Certo?


_Claro, Edward… claro.


Ele então me abraçou outra vez, e eu confortei-me em seu peito. A respiração aos poucos retomou um ritmo aceitável. Depois de bastante tempo no paraíso, estava na hora de enfrentar a realidade novamente. Muito provavelmente, as aberrações não tinham o direito de ser felizes. Eu estava enganada, então.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.