Sob a Luz do Sol

Capítulo 10 - A Visão


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*tema: Mozart’s 5th Symphony 1st mov*

Os Cullen nos esperavam na escola, como todos os demais pais. Eles não eram como os outros pais, eram mais lindos, mais jovens e mais interessantes. Ao lado deles, estavam os três filhos homens, e eu sabia que Emmett e Jasper ansiavam pela volta de suas companheiras. Eu estava com aquela história a transpor-me os pensamentos, imaginando sempre o relato de Alice e Rosalie a respeito de seus companheiros. Eu não sabia o que sentir a respeito de Edward, e mesmo que soubesse, imaginei que se tratava de uma via de mão dupla. Ele também teria que sentir algo por mim, o que estava fora de cogitação.

Respirei profundamente ao deixar o ônibus, sentindo-me ainda amarrotada. Eu acabei por adormecer durante a pequena viagem de Seattle a Forks, porque eu estava esgotada por passar noites e mais noites à companhia de quem não dormia. Era o pequeno preço pela companhia de minhas novas primas. Meus olhos procuraram aleatoriamente a face de Edward, serena. Eu não senti sua falta, ao menos não como as garotas sentiram. Elas desejavam seus companheiros de forma diferente. Mas eu não sabia a extensão do dano que sua ausência causara em mim até encontrá-lo ali, de pé, com as mãos para trás enquanto pacificamente aguardava a nossa descida. Eu senti um alívio imediato e ao mesmo tempo uma agonia crescente ao vê-lo. Intencionalmente, quis tocá-lo mais uma vez. Foi caótico para meus sentimentos, um turbilhão descoordenado de sensações. Eu lutei comigo mesma para controlar os impulsos elétricos que iam e vinham de um lado a outro, e que mecanicamente desejavam fazer meu corpo se mexer, ao mesmo tempo que me impediam de avançar.

_Seja bem vinda de volta. – Edward sorriu, e se aproximou de mim ao perceber minha hesitação. As garotas já haviam descido à minha frente, e já se reconciliavam com seus pares. Ele liberou uma das mãos e me entregou uma flor. Eu sabia que era uma flor, mas eu não conhecia as flores. Não identificaria nenhuma, por mais que eu tenha estudado. Eu conscientemente evitava conhecer as belezas do mundo à superfície, visando diminuir a angústia por viver trancada sob a terra. Ante a minha completa falta de reação, Edward sentiu necessidade de prosseguir. – É uma tulipa vermelha.

Segurei a flor entre os dedos, e levei-a ao nariz. Seu aroma era suave, não doce como tudo que eu presenciara em Boston. Eu não notei se os Cullen ainda nos observavam, ou se aquilo faria alguma diferença. Edward estendeu-me o braço, e entendi que eu deveria segurá-lo. A frenética compulsão de tocá-lo seria então levada em consideração. Ele me conduziu até seu carro prateado como a luz do luar, e fomos até a sua casa. Nossa casa. A casa dos Cullen. A confusão de pensamentos ainda não havia se dissolvido, porque a presença de Edward havia baixado significativamente as minhas defesas e compreensões. Era como se ele exercesse um poder estranho sobre minha razão. Se eu ainda tivesse alguma.

Mas havia algo que eu ainda não sabia, e que talvez estivesse por trás da súbita mudança de comportamento de Edward. Primeiramente, ele seria meu tutor. Então, ele se afastou gradualmente, dando-me um espaço nem tão desejado. Enturmei-me com os humanos, fiz amigos, passei a freqüentar seu ambiente e a interagir de uma forma até mesmo perigosa. Deixei de desejar seu contato permanente, e satisfiz-me forçadamente com a rápida discussão em sala de aula e com alguns momentos de descontração com os Cullen, no salão. Ele mesmo deixou de caçar para mim, apesar de nunca ter assumido essa tarefa plenamente. Então, ele se prostrava de pé a me esperar e a me oferecer flores, seja que significado aquilo tivesse. Devia significar algo, afinal. Era demasiadamente complexo para minha tão mencionada ingenuidade, e eu demoraria muito a entender se não tivesse presenciado, furtivamente, outra conversa entre os Cullen. Se aquilo pudesse ser chamado conversa.

Eu saía do banheiro, depois de um agradável momento retirando as impurezas do meu corpo, quando meus ouvidos capturaram a voz de Edward. Era um radar potente, meu corpo todo sentia a sua presença mesmo que não tão perto.
_Obrigado por isso, Alice. – Ele interpelou a irmã.
_Edward, não há que me agradecer. Mas eu ainda vejo… ainda há morte no futuro, e isso me deixa impotente. Eu achava que era por causa desse suposto envolvimento entre vocês… mas não é. A não ser que você tenha trapaceado! – Ela disse. Estiquei-me para observar pela fresta da porta. Eles estavam no quarto de Alice, e Edward de costas para mim. A pequena vampira o olhou curiosamente, esperando por algo.
_Eu não trapaceei. Desisti sinceramente dela… afastei-me de plena vontade.
_Você sabe, Edward… se você ainda tinha intenções de…
_Eu não tinha. – Ele parecia controlado demais. Talvez se controlando demais.
_Então, é algo mais. Eu continuo vendo só a mesma coisa, mas está tão confuso. Nunca é assim… isso me deixa frustrada.
_Ao menos, sei que posso parar de lutar contra isso.
_Ah, Edward meu irmão! – Alice afagou o rosto de Edward, com as costas da mão. – Lamento se te fiz sofrer por minhas visões imprecisas.
_Ainda não sei se tudo isso é boa idéia… e não saberia mesmo como abordá-la.
_Talvez deva pensar em uma forma, e rapidamente.
Alice esticou-se e olhou por cima dos ombros de Edward, com alguma dificuldade. Ela sorriu levemente quando ele acompanhou seu olhar e pegou-me no flagra, a espiá-los. Mordi o lábio superior, já sabendo que havia sido pega. Edward podia ler, podia saber que eu estava ali. Apesar de eu não estar pensando muito e de ele estar concentrado em Alice. Mas pareceu que ela sabia da minha presença, o que era ainda mais curioso. Ela também lia mentes? Família curiosa, aquela.

Edward caminhou em direção à porta. O súbito afã de fugir correndo desapareceu ao considerar a inutilidade daquela medida. Eu não tinha para onde ir, e Edward certamente me encontraria onde eu estivesse. Quase irritante.
_Ora vejam… Beatrice Caldwell ainda não abandonou velhos hábitos.
Alice deu uma gargalhada, e passou por nós dois. Deixou o quarto comprimindo os lábios. Edward balançou a cabeça negativamente, irritado.
_Lamento… foi uma compulsão mais forte do que minha vontade. Eu acabara de sair…
_Eu sei. – Ele disse, olhos confrontando os meus. Seu semblante era calmo, obviamente ele sabia que eu estava muito, muito confusa. – Eu sei, eu sei, e eu sei também. Beatrice, venha comigo.
Edward carregou-me até o meu quarto, e empurrou-me à minha cama. Eu ainda estava olhando para ele com perplexidade, porque eu sequer tinha entendido o teor de sua conversa com Alice. Havia morte no futuro, mas… futuro de quem?
_Eu… desculpe-me por…
_Beatrice, não me importa mesmo que estivesse ouvindo nossa conversa. – Ele pareceu preparar-se para um discurso. – Veja bem… Alice, nossa irmã… ela tem uma qualidade especial, assim como eu.
_Ela também lê mentes? – Disparei. Ele se franziu, claramente incomodado por minha postura de sempre interromper. Era ansiedade, eu estava sempre ansiosa desde que deixara o covil. Era muita coisa nova para se ver e aprender, e eu me sentia sem tempo. Mesmo imortal, mesmo sabendo que eu tinha a eternidade para aprender o que fosse, algo dentro de mim insistia em me privar do quesito tempo.
_Ela consegue ver. Ela vê o que vai acontecer, de uma forma significativamente clara. E precisa.
_Oh. – Escapou de minha garganta uma interjeição de surpresa. Então era isso… Alice viu o futuro. Ela viu as mortes… ou a morte… ou o que significasse o fim de uma vida. Uma vida… humana? Era possível dar fim a um imortal? O nome imortal deveria significar algo. – E… ela viu a morte de quem?
_Ela viu… morte. – Ele tentou escolher as palavras novamente, e aquilo me perturbou. – A questão é que a morte.. Alice considerava que envolvia a mim e a você. Ela pensou que nossa proximidade tivesse desencadeado tudo. Mas parece-me que fora uma observação equivocada. Alice se sente muito mal por equivocar-se… e ela raramente o faz. Parece-me que você anda confundindo a todos, afinal.

A morte envolvia a mim e a ele. Oras, então era possível matar um imortal. Quanta imprecisão terminológica, pensei.
_Edward, eu não sei o que dizer.
Ele se colocou à minha frente, e estava parado, mãos nos bolsos, me observando curiosamente. Ele podia me ler inteira, por que a sua expressão era sempre de curiosidade?
_Tecnicamente você não precisa dizer nada. – Ele sorriu, levemente. – Mas também poderia ser… menos enfática com seus pensamentos. Eles me causam algum constrangimento às vezes…
Meus olhos baixaram outra vez, e eu desejei por um instante desaparecer. Maldito fosse aquele vampiro, com tanta habilidade quanto a beleza que ele irradiava. Ele era a forma mais pura de beleza que eu poderia idealizar, e estava sempre e cada dia mais perfeito. Desde a primeira vez que o vira, ele conseguia se aperfeiçoar a cada instante.
_O fato é que Alice decidiu que você pode ser a causa do problema… mas não mais o fator eu versus você.
_Existe um fator eu versus você? – Pasma. Eu nem precisava falar, mas as palavras pulavam de minha boca com certa facilidade. Eu sempre agia como uma tola na presença de Edward.

Ele sorriu. Eu ainda o observava com olhos bastante arregalados, assustada. Eu ainda pressentia nele todo o perigo, e talvez as previsões de Alice apenas confirmassem. Havia perigo demais em estar ali. Em me envolver com os Cullen. Eu não sabia que tipo de perigo, mas ele era pulsante, latente. Eu não sabia quem estava se arriscando. E mesmo assim, eu só conseguia pensar no que Edward acabara de dizer. No fator eu versus você.
_Minha cara Beatrice. – Ele se aproximou mais, como se aquilo fosse possível. Meu coração pulou diversas batidas, foi como se ele significativamente parasse. Eu sequer sabia se teria algum problema ele parar. Talvez não. Talvez ele batesse por puro capricho, assim como era a minha respiração. Um capricho da natureza que me transformara naquela aberração. – Sim, existe um fator eu versus você. É uma matemática bastante complicada, preciso aceitar. Mas é algo que aparentemente está fugindo do meu controle. Porque você não parece colaborar nem um pouco.
_Eu… agora a culpa… é minha? – Senti desespero e indignação ao mesmo tempo. Eu não colaborava com o que afinal, se eu nem sabia da existência de uma análise matemática entre mim e ele. Eu nem era muito afeita à matemática, eu gostava mais da literatura e das artes. Edward deu uma risada alta, e passou as costas da mão por minha face, como Alice fizera com ele.
_Sim, a culpa é sua. Afinal, por mais que eu tente dizer não a mim mesmo, a toda hora você se coloca no caminho dizendo sim. Por mais que eu tente me convencer de que você é apenas uma distração momentânea, a todo momento você surge à minha frente para desmascarar toda a minha mentira. É difícil mentir a mim mesmo quando você grita a todo instante que eu estou certo.

Se eu pudesse morrer, meu coração já estava parado e não faltaria mais nada. Eu olhava para Edward com tanto desespero que senti vergonha de minha reação exagerada. Mas tudo me era exagerado quando eu estava próxima a ele, e aquela viagem a Boston não contribuiu em nada. Eu só pude sentir mais apego à sua presença, ao contrário do que eu esperava. Por minha ciência, ao contrário do que todos esperavam.
_Está tarde, Bea. – Edward continuou seu discurso. – Vá recolher-se… podemos conversar mais amanhã.
_Nossa conversa mais parece um monólogo. – Protestei, emburrada. Sem saber se por ele me dispensar ou se por ele sempre falar muito mais do que eu. – É injusto quando você sabe o que eu vou dizer antes mesmo das palavras serem ditas.
_Lamento. – Ele resignou-se. – Prometo que me controlarei.. e deixarei que fale, mesmo que eu já saiba o que vai dizer. Melhor assim?
_Quase.
_Boa noite, Beatrice.

Maldito vampiro. Eu cerrei os punhos e soquei a cama, tão logo ele se esquivou pela porta. Maldito, maldito, maldito. Eu nem sabia por que estava blasfemando daquela forma, mas eu desejava blasfemar. E socar tudo que fosse. Não socaria nada muito rígido, pois poderia quebrar-se. Estava irritada, com ele por esconder-me coisas, comigo por pensar coisas, com Alice por não ter me contado da história da morte… estava irritada demais para conseguir adormecer. E nem era tão tarde. A desculpa que ele usara como subterfúgio para livrar-se de minha companhia era infame. Eu havia passado noites em branco, sabia que aquilo não faria muita diferença… dormir pouco seria uma nova meta, para mim.

Eu decidi que obedecer a Edward era uma péssima idéia, pois ficar naquele quarto depois de sua aparição e depois da revelação de que Alice havia visto coisas ruins no futuro só me causaria mais agonia. Vesti qualquer coisa que as garotas considerariam o suficiente e desci as escadas, para encontrar os Cullen no salão, reunidos para a tradicional conversa noturna. Desde que eu chegara, eles sempre se reuniam e conversavam, como se aquilo fosse o momento familiar deles. Realmente, muito diferente da minha vida no covil. Lá a família era grande demais para momentos como aquele, e eu vivia de forma mais reclusa, por ordens de Rudolph. Não sabia por que, ele se recusava a dizer-me. Mas era fato que eu estava sempre reclusa, e toda aquela efusão familiar me causava uma alegria inusitada.

_Seja bem vinda, Beatrice. – Esme sorriu ao me ver descendo.
_Obrigada. Alice… poderia falar-lhe? – Nem completei a caminhada.
_Sim, eu sabia que viria chamar-me. – A pequena vampira levantou-se, mas Edward interpôs-se em seu caminho.
_Deixe que cuido disso.
_Pretendo falar com Alice, Edward… se não se importa. – Fui carrancuda e nada gentil. Ele havia me irritado levemente antes, quando me fizera tão confusa com suas palavras sem sentido. Eu podia fazer sentido a ele, ele me lia! Ele sabia dos meus pensamentos mais imperfeitos, o que se mostrava plenamente injusto e desequilibrado. Era impossível uma batalha justa contra ele.

Edward rosnou, e Alice franziu a sobrancelha. O que ela tenha pensado, ele compreendeu bem. Não senti necessidade de esconder-me com a vampira, pois eu sabia que onde estivesse Edward nos ouviria. Então, que eu falasse ali mesmo. Os Cullen discretamente decidiram continuar a conversa entre eles, enquanto eu interrogaria Alice.
_Alice, conte-me tudo. Não posso ver o futuro ou ler mentes como seu irmão… mas sinto que tenho o direito de saber se serei a responsável pela morte de alguém. – Despejei sobre ela.
_Bea… eu ainda não sei tudo. É como se houvesse uma indecisão quanto a isso… eu só posso me certificar quando as decisões são certas. Quando há certeza. A visão é borrada e incompleta, como se apenas uma idéia se formando em alguém. Mas…
_Alice, não. – Edward não resistiu em interferir. – Você não precisa dizer isso a ela.
_Eu sei… mas não me parece justo deixá-la na ignorância. – Alice olhou ternamente para o irmão, que resignou-se. Não completamente, mas pelo menos não se jogou em nosso meio visando impedi-la. – Bea, eu vi morte. Alguém morrerá no futuro… e eu não estou bem certa de quem será. Mas você está envolvida.
_Eu matarei? – Senti um espasmo, coisa que não me lembrava ter sentido antes. Adaptação ao sol, eu pensava. Adaptação, como Carlisle dizia. Talvez ele devesse me testar novamente, pois havia mais de um mês dos testes iniciais. Aquele tempo poderia ser suficiente para alguma adaptação… ou não. Eu definitivamente não era boa contabilizando o tempo.
_Não. Mas…
_Alice, não! – Daquela vez Edward meteu-se entre mim e Alice, olhos felinos encarando a irmã tão pequena. Ela comprimiu os lábios, visivelmente irritada. – Por favor, Alice… poupe-a desse detalhe. – Ele sussurrou, e eu quase não pude escutá-lo. – Sei que considera uma tolice mas.. eu não suportaria a agonia dela.
_Está bem, Edward. – Alice respirou, e olhou para mim. Edward continuava em nosso caminho. – Bea, você não mata ninguém. Todo o resto ainda é incerto, então é melhor deixar isso para lá. Quando eu tiver uma idéia mais clara do que vai acontecer eu vou te contar… e Edward não vai me impedir.

Alice encarou Edward mais uma vez, e saiu de perto. Eu fiquei um tanto magoada, pois desejava saber tudo. E pensei que as garotas estavam do meu lado, algo assim. Talvez não houvesse lados naquela pequena batalha caseira. Edward baixou a cabeça, sem encarar-me.
_Lamento, Bea. – Ele respondeu aos meus pensamentos. Ele começava a ficar irritante fazendo aquilo, mas eu não sentia que podia ficar irritada com ele por um longo tempo.
_Talvez seja mais difícil ainda lidar com a agonia da minha ignorância, sabia? – Tentei jogar. Com ele não havia jogo, mas eu tentaria.
_Não seria. – Ele deixou os dedos percorrem meus longos cabelos que caíam por meu ombro. Os pseudo cachos de um castanho dourado reluziam pela luz artificial. – Vamos dormir, Bea… eu levo você a seu quarto.
_Não. – Emburrei-me novamente. – Ficarei com seus pais e irmãos, se não se importa.

Os Cullen me acolheram na reunião familiar, e aquilo foi reconfortante. Após tantas revelações fantásticas, eu precisei de um pouco de distração para retomar meu controle. Edward lia mentes, eu sabia. Alice via o futuro, e ela previu morte. A minha morte, seria? Eu ainda duvidava da capacidade de se aniquilar um imortal; talvez se eu tivesse algum conhecimento dessa possibilidade eu tivesse colocado um fim em minha própria existência. Anos de sofrimento teriam sido poupados. Morrer nem seria tão prejudicial, então. Mesmo que nada houvesse ao final, era pelo menos o final. Mas, não sendo a minha morte… a morte de quem eu causaria? Quem seria importante o suficiente para Alice a fim de que ela visse esse fato? Eu poderia suportar a morte de um dos Cullen, aqueles que me acolhiam tão generosamente? Poderia aceitar o fim da existência de alguma daquelas criaturas tão boas e gentis? Pior, eu poderia aceitar a morte de Edward? O quanto conectada a ele eu estava, para que eu agonizasse com aquele fato? Talvez ele soubesse melhor do que eu mesma.

Então, eu estava apavorada. A noite seria um martírio, e eu não desejava adormecer. Permaneci entre a família o quanto eu pude, conversando e me divertindo com as peripécias fabulosas de Emmett. Mas meu corpo meio humano meio vampiro não suportou a exaustão e sucumbiu ao sono, fazendo-me perder parcialmente a consciência, amparada pelas grandes almofadas vermelhas da sala. Eu estaria satisfeita em adormecer ali, na presença de todos, sentindo-lhes. Mas fui novamente carregada a meus aposentos, pelas mãos rígidas de meu protetor. Parecia outra noite comum, mas naquela eu sentia tensão. Meu cérebro trabalhava freneticamente, processando informações e analisando fatos. A morte, era só no que pensava. A morte que Alice vira, e que tanto assustava Edward. A morte que não mais significava o eu versus você. Meus neurônios processavam aquilo como se fosse sair alguma explicação de meu oco craniano. Eu não me sentia inteligente, e competir com os Cullen era também desonesto.

_Você está se sentindo bem? – Edward perguntou, colocando-me cuidadosamente na cama. Uma brisa suave penetrava pela janela aberta, fazendo meus cabelos esvoaçarem. – Pare de se torturar, Beatrice. Não vai ajudar em nada.
Fingi que ele nada falava. Eu queria estar irritada com ele. Precisava estar. Mas quando ele desistiu de me falar e caminhou até a porta, uma sensação horrível me dominou. Era como se eu estivesse sendo abandonada à deriva em um lugar qualquer. A agonia, que Edward tanto tentava evitar.
_Edward! – Eu chamei por seu nome, ele já no batente da porta. Minha figura desorganizada iluminada pela fraca luz artificial, e ele então olhou para mim. Seu semblante era de resignação, como se ele não desejasse lutar contra algo. Como se ele estivesse muito interessado em dizer sim a algo que devesse dizer não. O paradoxo que eu lhe causava… a dificuldade em dizer não quando eu gritava um sim.
_Tudo bem, Beatrice. – Ele retornou, fechando a porta atrás de si. – Tudo bem.

O dia seguinte começou confuso. Suficientemente confuso para uma híbrida em adaptação. Eu abri meus olhos lentamente, e a luz do sol mal podia clarear o dia. Ainda era cedo, muito cedo. Não havia muita luz para penetrar as pesadas nuvens negras que flutuavam pelo céu de Forks. Eu pisquei algumas vezes, imaginando que estava começando a melhorar no quesito dormir tarde, e tentei esticar meus músculos. Era um impulso natural, totalmente natural. Era algo que eu fazia normalmente durante os momentos de despertar, mas daquela vez meus punhos bateram fortemente em algo que não deveria estar ali. Um obstáculo não esperado na minha manhã. Assustei-me repentinamente, virando-me para o lado como um animal acuado, que eu tantas vezes presenciara.

Edward segurava o queixo, enquanto parecia suprimir uma risada. Ele me olhava com admiração, apesar de meu involuntário golpe ter-lhe rendido dores.
_Beatrice Caldwell… você não precisa matar-me durante a manhã, basta pedir que deixo seu quarto.
Olhei assustada para ele, e por um instante todas as indagações da noite anterior desapareceram. Meus olhos esbugalhados se prenderam na figura gentil do vampiro que se estendia pela minha cama, e tentava recompor o queixo golpeado. Senti novamente o espasmo inconveniente ao perceber-me praticamente saindo de seus braços, atordoada com o fato de eu não me recordar daquela pequena invasão.
_Sim. – Ele disse, ajeitando-se. – Magoa-me o fato de você não lembrar que me chamou de volta. – Ele zombou. Sim, zombar das tolices desmedidas de Beatrice era uma diversão, um passatempo para Edward. Que ele adorava, por sinal. Novamente, ele respondia meus pensamentos. – Desculpe… não farei mais isso. Pode perguntar-me.
_Você dormiu aqui. – Não era uma questão.
_Isso não é uma pergunta. – Ah, ele percebera!
_Eu…
_E eu não dormi. Tecnicamente, eu não durmo. Não sou dado a essas fraquezas humanas.. não tenho essa necessidade. Pode considerar como ‘passar a noite’.
_Por quê? – Eu estava em branco. Edward me sorriu, e levantou-se.
_Recomponha-se, Bea. Temos aula hoje… e não pretendo atrasar-me. Já mato aulas o suficiente durante os dias de sol… não quero criar confusão para Carlisle. Além do que, tenho uma reputação a zelar.

Edward deixou o quarto, e eu continuei na mesma posição por muitos minutos. Eu estava completamente atordoada, como se o golpe tivesse sido em mim mesma. Eu já estava me cansando de sentir aquilo quando Edward estava por perto… aquela fraqueza, aquela angústia, aquele desespero juvenil de quem está… a palavra não me era conhecida. Não havia um termo lógico e racional para explicar o que estava acontecendo comigo. Eu não conhecia nenhum. Vesti-me para a aula e saí descoordenada de meu quarto, procurando pelo que eu não sabia. Saber que eu causaria uma morte não parecia doer tanto quanto o despertar ao lado de Edward. Meu interior estava dilacerado, e eu nem sabia por que.

Pus-me em frente a seu quarto, levando a mão à porta e hesitando um instante. O que eu faria ali, eu ignorava. Eu precisava de uma resposta do motivo. Talvez ele soubesse, porque ele sempre sabia. Ele penetrava em minha mente mais facilmente do que eu mesma.
_Minha espiã. – Sua voz ecoou do fundo do quarto. A porta estava entreaberta, e mesmo se não estivesse eu poderia ouvi-lo. Era como se eu pudesse ouvi-lo de qualquer forma, em qualquer lugar eu estivesse. – O que deseja agora, Beatrice?
Coloquei-me na fresta da porta, Edward terminava de vestir sua camisa. Ele se virava para mim, sorrindo. Sorrindo, então. Teria acabado seu mau humor? A noite não teria sido para ele tão dolorosa quanto para mim? Ele poderia saber algo que eu ignorava, sobre meu próprio subconsciente?
_Edward… por que você… – eu caminhei em sua direção, ainda entorpecida pela proximidade espontânea de seu corpo ao meu, durante a manhã. Era como se o toque frio de sua pele me tivesse queimado.
_Por que você pediu. – Ele foi simples. – Você não se recorda? Você foi muito influenciada pelas profecias de Alice… aquela pequena petulante não deveria ter te contado nada.
_Mas eu queria saber. Isso deveria importar.
_Sim, por isso eu deixei que ela contasse. – Ele baixou o olhar. – Mas eu desejaria que você deixasse isso… que você simplesmente continuasse sua jornada. Afinal, o que for que Alice viu vai acontecer daqui a um tempo indeterminado, e ainda está incerto. Tudo pode mudar. – Ele se aproximou ainda mais, e eu podia ouvir sua respiração. Desejei secretamente saber se ele precisava respirar. Era óbvio que não, já que seu coração nem batia. Se eu não sentia precisar, por que ele precisaria?
_Mas…
_Você pergunta demais, Beatrice. – Ele sorriu novamente. – Aliás, você grita para mim. Já disse isso… seus pensamentos são tão altos e claros que eu imagino que você esteja mesmo falando. Bem, eu acho que é injusto deixar-me penetrar tanto em sua mente sem dar-lhe nem um pouco da minha, certo?
_Sim, totalmente injusto. – Balbuciei. A proximidade ainda queimava.
_O que deseja saber?
_O que está acontecendo. Quero dizer… o fator eu versus você.
_Claro. – Ele riu, mais espontaneamente. Seus dedos tocaram meus cabelos, acompanhando a sua extensão. – Beatrice, escolher as palavras certas para isso é inútil. Tentarei ser sincero, por favor não me interrompa. – Ele limpou a garganta, e meus olhos ainda não conseguiam encará-lo. – Alice viu você chegando. Ela julgou que fosse um humano, porque ela ignorava a possibilidade da existência dos híbridos. Alice me alertou… de que isso aconteceria. Mas seria inevitável, então. Os céus são testemunhas de que, desde que encontrei você vagando pela floresta, eu tentei evitar isso. Mas parecia tão inútil enquanto você estivesse em todo lugar… Carlisle não tornou nada simples a minha missão. Sim, eu pretendia evitar… mas como me afastar de você, então? Seu perfume incoerente está em todo lugar. Seus olhos ansiosos estão em todo lugar. Sua mente está em todo lugar. Mas quando eu estava pronto para sucumbir, Alice tem outra visão, aquela que ela tentou lhe descrever.
_E que você… – A interrupção. Ele franziu a sobrancelha e levou um dedo aos meus lábios. Fechei os olhos instantaneamente, sentindo meu corpo reagir violentamente àquele toque. “Shhhhhh…” foi só o que pude ouvir, então. Ele prosseguiu.
_Aquela visão me deixou com problemas. Como eu poderia me aproximar mais e arriscar você? Era muito caro o preço que eu teria que pagar para dar azo aos meus impulsos. Então, eu decidi me afastar. Eu decidi que aquela semana ao seu lado não podia significar mais do que a segurança daqueles que me cercam. Então, entreguei você a eles… aos humanos, aos meus irmãos. Novamente, os céus testemunharam a minha tentativa. Mas Alice está terrivelmente certa, o que me irrita ainda mais. Eu jurei que não, mas é inaceitável mentir quando eu não quero fazê-lo. Eu trapaceei, porque eu deveria me afastar voluntariamente. E eu, em momento algum, intencionei manter minha proposta inicial. A todo momento eu pensei em voar para Boston só para ter você comigo. Rosalie já estava impaciente com tantas ligações… e eu descobri, covardemente, que minha força de vontade não é tão grande assim. Eu me considero forte o suficiente, Bea… mas existe algo em você que me desarmou a defesa de uma forma insuportável.

Ouvi a tudo silente, olhar baixo, sentindo espasmos musculares. Meu corpo convulsionava, novamente uma sensação inesperada para mim. Eu sorvia as palavras de Edward como se me recusasse a entender o que ele dizia, ou como se o que ele me dizia fosse tão absurdo que não fosse possível entender. Fechei os olhos e recordei o covil. Quando fora que eu decidi ir embora, quando fora que eu decidi que sob o sol era o meu lugar para viver. As pessoas que me cercavam, minha tutora, Rudolph. Todos eles juntos, tudo que eu considerava ser certo e seguro, tudo que eu considerava importar. Poderia nada daquilo realmente fazer sentido? Poderia a minha existência inteira no covil ser superada por um único olhar, por um único sorriso? Eu poderia trocar definitivamente a imortalidade se fosse para ter o sorriso de Edward só uma vez? Eu poderia arriscar a tudo e a todos só para tê-lo tocando meus lábios outra vez?
_Você pergunta demais, Bea. – Ele manteve os dedos em meus lábios, apesar do meu silêncio. E não haveria voz possível de sair de minha boca. Era providencial que ele pudesse ler-me, pois eu jurava ser incapaz de falar novamente. – E posso garantir que é lisonjeiro demais… eu não mereço seus elogios.
_Eu ainda estou confusa. Eu não consigo entender o sentimento.. a agonia.
_Lamento por esconder isso de você, Bea. Eu quis gritar, deixar minha voz contar exatamente como eu me sentia desde o início. Deixar que você soubesse, para você poder escolher. Até porque você parecia já ter escolhido… mas eu me acovardei ante a possibilidade de arriscá-la. Agora vamos.. temos aula.

Edward passou por mim, mas eu não consegui me mover. A atração que ele me exercia era quase como uma fórmula física complexa. Forças estranhas que me puxavam contra a gravidade normal. Ele me fazia flutuar, de uma maneira muito pouco metafórica. Era como eu me sentia, flutuando. Eu não conseguia dar um passo à frente, porque mover-me causava também dor.
_Fica difícil deixar o quarto enquanto você está tão ansiosa, Bea. – Edward voltou-se até mim, seus olhos demonstrando alguma inquietação. – Não gosto de causar isso em você.
_Edward… – novamente balbuciei seu nome, porque eu queria algo que ele ainda não havia feito, ou dito. Meu cérebro e todas as reações químicas que ele produzia estavam agonizando por algo que eu mal sabia o que era. Mas pelo que eu me renderia completamente, então.
_Sim, Beatrice. Eu estou apaixonado por você. – Ele sorriu, e segurou meus braços. Eu continuava sem poder olhá-lo quando ele displicentemente puxou-me para si e me acolheu entre seus braços macios e receptivos. Seus lábios tocaram meus cabelos, e a sensação foi elétrica. Havia impulsos por todos os lados, como uma tempestade magnética. Foi desconfortável e ao mesmo tempo magnânimo. Não parecia possível sentir nada como aquilo, não parecia racional.

Aquele vampiro não tinha o direito de me fazer nada daquilo. Menos ainda de se expor daquela forma. Era cruel, quase insuportável. Ele me dera duas revelações com as quais eu não podia conviver, e precisava apegar-me somente a uma delas. Uma, eu causaria a morte de alguém. Talvez a minha. Duas, ele estava apaixonado por mim, se eu pudesse realmente saber o que aquilo significava. Fosse o que fosse, aquele sentimento era retribuído. Aquela era a palavra que eu procurava, aquele era o sentimento. Ele estava apaixonado por mim, e eu estava apaixonada por ele. O fator eu versus você. O que tornaria aquilo um “nós” provavelmente muito inconveniente. Eu não sabia se estava preparada para tratar de Edward no plural. Mas eram duas situações aparentemente incompatíveis, haja vista excludentes. Eu não podia conviver com o fato de que causaria a morte de algum dos Cullen. Menos ainda se a morte fosse de Edward. Eu sequer cogitava aquela possibilidade, porque o vazio que ela me causava era inaceitável. A minha existência podia terminar a qualquer tempo, pois eu sentia já ter passado todo o meu prazo naquele plano. Era como se eu detestasse ter que acordar mais um dia. Mas até isso parecia me causar incômodo, pois desde que eu me descobrira sob o sol, desde que eu descobrira Edward, a minha existência passou a ganhar um novo sentido. Uma nova cor, além do preto e do vermelho vivo. Edward era uma nova cor para meu vocabulário reduzido. Ele era um motivo bastante razoável para eu não desejar nem mesmo a minha própria morte. Então, como eu poderia conviver com essa incerteza em confronto ao fato de ele estar apaixonado por mim? E como essas duas situações poderiam coexistir sem se anularem, imediatamente? Eu parecia ser o bem e o mal, o certo e o errado, o possível e o impossível, tudo reunido em uma só capa de problemas ambulante.