Três dias depois

Por mais ocupada que tentara se manter, eram raros os momentos do dia em que Kara não estava pensando em Harley Quinn. Chegou até a cogitar a possibilidade de ela ser mesmo inocente, afinal, três dias haviam se passado e nada de uma confissão ou tentativas de negociação e resgate vindas de seus... Amigos?

Evitou Alex o quanto pôde, fugindo do assunto sobre o porquê de Harley a ter chamado pelo nome. Quando a irmã perguntava, ela dizia "É complicado" e arranjava uma desculpa para desviar do assunto, deixando Alex curiosa e irritada. Mas certa manhã, a morena decidiu que poria um fim nessa história de uma vez por todas. Trancou as portas e janelas bem cedinho e escondeu as chaves antes de sua irmã acordar. Fez café e se sentou na mesa da cozinha, esperando pacientemente que Kara acordasse.

— Onde estão minhas chaves? — pergutou Kara. As mãos tateando os bolsos do vestido azul e o olhar perdido.

— Você não vai sair até me contar como aquela mulher sabe o seu nome.

Kara revirou os olhos, sabia que desta vez não escaparia, estava atrasada, mas esta desculpa não ia colar desta vez, então apenas se sentou ao lado da irmã e começou a contar sobre como conheceu e ficou amiga de Harley Quinn há anos atrás. Alex se lembrava vagamente de algumas noites em que precisou pedir que a irmã calasse a boca para que pudesse dormir, mas jamais soube com quem ela tanto falava. Surpreendeu-se, não podia negar, mas também entendeu o porquê de Kara ter parecido de súbito tão irritadiça com a situação.

— Hank está planejando fazer alguns testes hoje. Eles querem descobrir o que ela é, para então soltarem.

— Soltar? — questionou Kara a beira de uma síncope.

— Não sei o porquê da surpresa. Não podemos mantê-la presa, Kara, não temos como provar mais nada.

A loira revirou os olhos. Sabia bem disso, mas a última coisa que queria era essa sociopata de novo nas ruas, fazendo o que bem entendia, mesmo que não houvesse como negar que acabaria acontecendo de qualquer forma.

— Esperem por mim. Chego lá antes das três da tarde, okay?

Alex assentiu e só então tirou as chaves do bolso de sua calça e as jogou para Kara que revirou os olhos e num minuto estava do lado de fora da janela a caminho da CatCo.

Gostava de ter um emprego que a mantinha centrada na maior parte do tempo, principalmente porque Cat não a dava tempo para ficar ocupando a cabeça com outras coisas, mas nunca havia sido tão difícil fazer um bom trabalho como nos últimos dias e precisou se esforçar para não trocar o almoço de sua chefe por uma sopa vegetariana que era, na verdade, o pedido de um outro cliente.

— Está tudo bem? Você parece preocupada — perguntou Winn à Kara olhando-a.

— Se está? Claro que está. Por que não estaria?

— Eu ouvi sobre o banco e a Harley ontem de manhã. Vocês conheceu ela durante a matéria do Arkham, não conheceu?

Novamente, este não era um assunto do qual Kara gostaria de falar sobre, mas não queria ser desagradável com seu amigo, então apenas meneou a cabeça positivamente.

— E como ela era? Antes de... Antes do Joker?

— Sabe que eu não me lembro muito bem? Isso faz tempo, não prestei atenção — mentiu Kara, voltando seus olhos para a tela do pequeno computador.

Winn soltou um suspiro desapontado e voltou ao trabalho. A verdade é que a moça se lembrava sim, lembrava-se muito bem. A ex-doutura costumava ser bastante educada e afável, além de ter um senso de humor peculiar e mesmo tendo mantido tal traço, não se comparava ao que um dia fora.

Antes das três da tarde, Kara estava no DOE como prometido. Procurou por Alex e esta estava a sua espera num dos laboratórios.

— E então? — questionou Kara com notas de ansiedade na voz.

— Ela está na sala de inibidores. Acionaram tudo que é tipo de coisa lá dentro, acho melhor você esperar aqui — aconselhou Alex.

A sala de inibidores era onde eram acionadas auras de substâncias que enfraqueciam alienígenas para que eles pudessem ser estudados. Era a sala onde Kara e Alex se enfrentaram numa luta corporal e o que fizera a luta ser minimamente justa fora a aura de kryptonita ativada no lugar.

— Ela não é um alien, aquela sala é inútil.

— Ela pode não ter vindo de outro planeta, mas não sabemos se é cem por cento humana. Todo cuidado é pouco — respondeu Alex.

— De qualquer forma, eu quero...

A fala da heroína foi interrompida por um grito sofrego e abafado pelas paredes que separavam-na de Quinzel e a equipe de bioquímica do DOE. Não precisou de muito mais tempo para Kara chegar até a sala e encontrar Harley atada à uma cadeira de aço, cercada por pessoas que tinham em mãos materiais perfurocortantes. Não era de se espantar que qualquer humano com todos os sentidos funcionando estaria apavorado também.

— O que vocês estão fazendo? — vociferou Kara.

Não demorou muito para seus joelhos se dobrarem e colidirem com o chão. Os inibidores estavam bem mais fortes do que conseguia aguentar e a expressão de dor e medo no rosto da ex-amiga a deixava atônita. Sentiu os braços da irmã mais velha a envolverem por trás e a suspenderem, tirando-a dali.

— Alex, me solta. — Debateu-se. — Parem! Estão machucando ela, ela é humana!

Os protestos foram em vão. Em poucos minutos Kara havia sido arrancada da sala por Alex que ainda estava aturdida pelo surto de sua irmã que acabara de presenciar.

— O que foi isso? — questionou Alex com a voz entrecortada pela respiração ofegante.

— Isso o quê? Você queria que eu assistisse de braços cruzados eles fazerem aquilo como se ela fosse algum rato de laboratório? — retorquiu Kara furiosamente.

— Ela não é nenhum ser indefeso, Kara Danvers, ela mata pessoas, prejudica pessoas, machuca pessoas.

— Mas nós não somos assim! Você não deveria ter me impedido.

— Ainda se importa com ela, não é?

— Eu não me importo! — respondeu imediatamente, sem vacilar. — Esta conversa acabou.

A mais nova deu as costas, deixando uma irmã possessa de raiva atrás. Se ela queria fazer todo esse escarcéu, que assumisse as razões para tal.

Naquele dia mais tarde Harley Quinn foi liberta para voltar a fazer sabe-se lá o quê de novo nas ruas de Gotham City. Pelo menos era esse o esperado, ninguém a queria por National City fazendo mais baderna.