Todos os sábados me encontrava com aquela ladeira envolvida por castanheiras para encontrar um colega da minha sala de aula que parara de frequentar a escola. Eu ainda me lembro do primeiro dia que a subi, estava determinado como um excelente representante de turma em conseguir trazer Zoro de volta às aulas, mas de alguma forma começamos a conversar sobre tudo e “retorno às aulas” era a única coisa que não conseguíamos explanar. Afinal, a escola era chata e Zoro me convenceu disso quando me levou para um passeio na nossa ilha e disse que na escola perdíamos a maior parte do dia confinado entre 4 paredes. Em um desses passeios, encontramos um cervo que era comum achar na região, mas foi o primeiro que vi na vida. Ele me lembrou que eu estava em horário de aula.

Não sei como falar da personalidade de Zoro, por mais que faltasse e tivesse cabelos tingidos de verde, ele não era um delinquente. Na verdade, eu podia esperar tudo de Zoro, menos o caos. O silêncio fazia parte do seu ser, tão tranquilo que eu achei que só pude ver o cervo não porque estava fora da escola, mas porque Zoro estava ao meu lado. Os animais, o vento, a água... a natureza em si, Zoro a atraía como se houvesse um magnetismo entre eles. No dia que me dei conta disso compreendi melhor porque não aguentava ficar na escola — e quando ficava, caía de sono talvez por buscar algum refúgio nos sonhos — e preferia mil vezes curtir a beleza da nossa ilha que, obviamente, ficava no lado de fora.

A casa de Zoro era como as casas dos pescadores, feita de tábuas e telhas, muita areia e sal, conchas ordenavam os objetos. Vivia aberta e depois de retirar os sapatos na entrada, eu passava por uma cortina de miçangas que me revelava cômodos simples. A porta de seu quarto ficava encostada e toda vez que a abria, eu o encontrava lendo na sua escrivaninha que dava para a janela. Zoro estudava apesar de tudo, contanto que tivesse um vento fresco balançando os seus três brincos de ouro na orelha esquerda, ele se tornava o melhor dos alunos.

— Zoro-san, trouxe as matérias dessa semana. — Falei, tirando a mochila das minhas costas.

Ele olhou por cima do ombro. — Vai continuar com essa formalidade enquanto o chamo de “sobrancelhinha”?

Revirei os olhos. — Marimo, trouxe as matérias dessa semana. — Disse dessa vez com o apelido que o apelidei e o idiota sorriu de orelha a orelha. — Não é pra ficar feliz, eu estou te xingando.

— Por mim tudo bem, contanto que eu te revida com “sobrancelha enrolada” tá tudo bem.

— E-espera-a, você tá me colocando mais apelidos! — Senti ódio por pensar que ele iria apenas me chamar de “sobrancelhinha”. Era constante Zoro me surpreender assim, tanto que quando ele me chamou pelo apelido na semana passada, depois de tantos encontros, eu fiquei surpreso. Mas foi uma forma que ele encontrou para que eu parasse de ser tão formal. “Marimo” foi o que respondi sem pensar muito e ele adorou. Disse que na escola todos o achavam maneiro por pintar os cabelos, mas gostou de saber que alguém se incomodava por lembrar uma alga marinha.

Até me provocando ele era leve.

Zoro se levantou da cadeira pegando os cadernos da escrivaninha. — Aqui estão os deveres que trouxe sábado passado.

Eu os peguei e me sentei na beirada na cama para dar uma olhada. Enquanto isso, Zoro resolveu pegar meu caderno da mochila com as matérias recentes, mas acabou encontrando algo.

— Você fuma?

Ao ouvir essa pergunta, eu dei um salto em Zoro e tomei minha mochila e o maço que ele achara por dentro dela. — Não mexa nas minhas coisas!!

— Ham? Eu só tava pegando as matérias que trouxe para mim hoje...

Inferno! Eu sempre tinha cuidado para Zoro não mexer nas minhas coisas, mas naquele dia havia dado esse deslize. Na verdade, por Zoro ser Zoro, eu nunca pensei que ele teria interesse em abrir minha mochila, mas estava ali ele mais uma vez me surpreendendo.

Caí de joelhos no chão, sentia-me tão pesado. — S-sim... por fav-or, por favor, não conte a escola!

Zoro se agachou e pegou minhas mãos suando de nervosismo. — Se eu contar você vai parar de ser representante de turma e eu não vou poder saber o que tá rolando lá.

Eu suspirei aliviado. — Obrigado.

Contudo, Zoro não havia terminado. — Em troca, me diga por que fuma.

Ele ainda me segurava firmemente e pude sentir a textura de suas mãos, mas ao mesmo tempo que sentia algo bom nesse toque, eu ficava nervoso por ter que explicar por que fumava. — É só um vício, só isso.

Zoro me deu um sorriso que me fez ficar rubro, com certeza não acreditou nem um pouco. — Você é todo certinho, o aluno exemplar, e quem faz essas coisas são alunos como eu.

Sim, mas as aparências enganam. Zoro não era nada irresponsável como a escola dizia para mim quando me chamavam e pediam pra eu não desistir. Já eu sou o representante de turma e fumo mais que muitos adultos por aí.

— Eu-u... eu preci-so fumar pra ficar-r tran-nquilo.

— Como agora?

— S-sim.

— O que te estressa, sobrancelhas?

Me chamou de outro apelido idiota, mas não pensei em revidar porque me sentia triste. — Você não deve gostar de fumantes, né?

Não combinava nada com Zoro algo tão fedido quanto cigarro. Tudo ao seu redor era tão puro, enquanto a mim havia todas as vozes que ouvia e absorvia. Vozes maldosas que me tornavam impuro como uma bituca de cigarro esmagada e que infelizmente não conseguiu cair na lixeira.

— Não quero falar sobre isso.

Eu não encarava mais Zoro, mas tive sua resposta quando ele me deu um carinho no meu braço e voltou a segurar minha mão que não estava tremendo mais. — Você pode fumar enquanto estiver aqui.

As suas mãos continuaram me segurando e eu voltei a prestar atenção nelas já que o assunto se dava por encerrado. Havia comentado da textura delas... sentindo agora, eram bem ásperas, mas me passavam algo bom, algo tranquilo, me agradavam e me faziam pensar que tipo de pessoa era o marimo. Dizem que a história de uma pessoa é cravada em suas mãos. Zoro deve ter notado que lhe tocava sem inibição, meu bom senso havia sido abandonado e continuei lhe tocando sem me importar que éramos dois garotos. Pelo visto, ele também abandonou o seu porque passou a me responder.

Nós unimos nossas palmas das mãos e as erguemos na altura do rosto, eu finalmente me encontrei com seus olhos castanhos e depois notei seus lábios, inspirei o seu hálito. Eu pisquei os olhos e o marimo avançou para me beijar.

Todo sábado, então, eu passaria a ir na casa dele não só por causa dos estudos, mas eu passaria também para fumar sossegado e depois nos tatearmos como se estivéssemos no escuro.

Ter Zoro em meus braços me dava tranquilidade que me esquecia da minha casa, de como todos tinham energias negativas e que eu sugava tudo feito uma esponja. Passei a fumar menos.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.