Era 13:10 quando Nur se dirigia até o porto. Lydia havia se oferecido para ir para o Distrito Cinza, enquanto Derkeethus procurava por informações no distrito comercial, e Inigo e Barbas foram ao local da cena do crime. Se quisessem terminar a missão o mais rápido possível, precisariam coletar o máximo de informação possível, não deixar nada passar. Qualquer pista que fosse poderia ser a diferença que precisavam para encontrar o assassino. Porém o lado ruim é que isso também poderia lhes dar pistas falsas, e qualquer pista falsa pode acabar por os colocar no caminho errado, atrasando tudo mais do que agilizando. Eles precisariam tomar cuidado e saber filtrar o que encontrassem.

Ao chegar às docas, algo lhe saltou a vista.

O lugar ficava do lado de fora, conectado aos portões da cidade, com o chão feito do mesmo material que aquele enorme paredão que separava o povo lá dentro do resto do mundo, além de também possuírem portas que deviam dar em depósitos ou dormitórios. A única excessão ao chão de pedra escura eram as trilhas de madeira que se projetavam paralelas a água, as quais serviam para os navios aportarem, o que poderia ser bem difícil com as grossas camadas de gelo que se formavam do outro lado do rio, mas que quase conseguiam se extender até o porto. Talvez os barcos que barcos que ainda estavam aportados ali só se mantivessem ali por isso: o gelo impedindo de prosseguir com suas viagens.

Mas o que chamou atenção de Nur não fora a conformação das docas ou a grossura do gelo na água, mas sim os funcionários ali presentes. Tirando os guardas ou os marujos dos barcos, todos ali presentes eram Argonianos. A maioria inclusive muito parecida com Nur em no formato do corpo e dos crânios. Talvez viessem da mesma tribo que ele, ou alguma tribo vizinha. Haviam também argonianos de outras sub-raças, mas que se encontravam em menor numero naquele lugar. Argonianos com cabeça grandes demais para caberem em elmos fechados comuns e patas grandes e digitigradas incabíveis em botas convencionais, argonianos com rostos mais cheios e mais triangulares que o convencional, argonianos com queixos humanos protuberantes, mas que não tornavam suas feições menos lagartoides, e caudas enormes, além de também argonianos com rostos curtos com narizes protuberantes, caudas curtas escondidas em suas calças e cabelos de penas recobrindo o topo de suas cabeças até a nuca, parecendo apenas humanos com pele escamosa. Mas uma coisa, além da raça e do trabalho, todos tinham em comum: estranhamente a maioria deles estava magra demais ou apenas magra.

Tirando-o de seus pensamentos, dentre os Saxhleels ali presentes, o Dragonborn notou que um reparou nele. Ele usava roupas comuns de um estivador, e se encontrava afiando uma adaga em uma pedra de amolar. Assim que foi percebido, ele rapidamente disfarçou, voltando novamente a atenção a sua atividade. Porém Nur lhe chamou.

— Ei, colega. Presscissso de informassçõesss. Poderia me ajudar?

O estivador parou seu trabalho, ainda sentado. Se voltou para o guerreiro e respondeu amigavelmente, mas não em Tamrielico.

— (Bem, claro. Mas poderíamos conversar em Jel? Eu prefiro assim.

— (Oh, tudo bem. Mas já aviso que o meu Jel está meio ruim nos últimos tempos).

— (não se preocupe. todos nós estamos assim também).

— (Bem, andou tendo uma série de assassinatos dentro da cidade. As vitimas todas são jovens mulheres nórdicas. Você tem ouvido algo sobre isso?).

Ao ouvir aquilo, o funcionário das docas estranhou, e olhou confuso para Nur. Não só isso, como alguns outros argonianos que passavam por ali também olharam confusos para ele. Alguns até demonstravam um pouco de raiva expondo os dentes, enquanto outros o olhavam com pena. Os guardas perceberam aquilo, mas não conseguiam ler isso através do olhar aparentemente inexpressivo do povo da raiz. Apenas os ordenaram que voltassem a circular.

— Foi alguma coisa que eu disssse?

— (escuta) - respondeu o outro Argoniano - (tudo o que ouvi foram alguns boatos de alguns marinheiros voltando dos bares para seus barcos. E o que eu ouvi, é que as pessoas estão chamando esse assassino de "O Carniceiro". É tudo o que ouvi falar. Sinto muito poder ajudar só com isso).

— ("Carniceiro", hum?) - o Dragonborn coçou seu queixo, pensando naquilo. Ter uma identidade ao assassino, ainda que seja apenas um título, já poderia ser uma guia. Bastaria ir aonde os rumores dizem que o Carniceiro passou. - (Já foi de muita ajuda. Obrigado).

Ele então se vira e volta para o caminho até o portão. Porém rapidamente Nur é chamado novamente pelo outro Argoniano.

— (Ei, espera um pouco!) - o guerreiro então para e se vira calmamente. O estivador fica meio nervoso, mas diz - (antes de ir, eu queria te pedir um pequeno favor, tudo bem? É o real motivo de eu ter pedido para falarmos em Jel. Eu não quero que os guardas saibam o que estou te pedindo) - ele então se ajoelha com as mãos juntas para cima e o rosto para baixo. - (Por favor).

— (Ei, amigo. Se acalma, está bem? Apenas me diga o que você quer que eu faça).

— (Olha). - ele dizia enquanto se levantava - (eu notei que você entrou aqui pelo portão da frente, com essa armadura e sem ninguém te acompanhando, e os guardas não reagiram. Então presumo que você consiga entrar e sair numa boa na cidade, certo?)

Agora foi a vez de Nur ficar confuso, respondendo com certo estranhamento.

— (Siiim… porque?)

— (Bem, a alguns meses, Tolbjorn Shatter-Shield, o dono das docas e nosso patrão, não está mais nos pagando para fazermos nosso trabalho. Já não recebíamos tão bem. Sobrevivemos à base de sobras que conseguiamos comprar. Agora nem isso é possível. Nossas economias já acabaram e não conseguimos pescar quase nada por aqui. Só continuamos a trabalhar porque os guardas mantêm o olho frio na gente).

O Dragonborn já ficou preocupado ao ouvir aquilo. Isso explicava o porquê da magreza geral que acometia a maioria deles.

— (Er… Bem. Mas então, só pra saber mesmo: vocês já tentaram falar com ele antes?)

— (até queríamos, mas não podemos).

— (Muito ocupados com o trabalho?)

— (Não, é que somos proibidos de entrar na cidade).

Aquela informação deixou o guerreiro surpreso.

— (Espera. Como assim? Tolbjorn proibiu?)

— (Não. Ulfric proibiu. Desde que ele assumiu o trono da cidade. O pai dele, Hoag Stormcloak, era mais benevolente conosco. Não era perfeito, mas ele ao menos tentava resolver os nossos problemas e os dos Dunmer, enquanto também tentava agradar aos nórdicos. Mas quando ele morreu, Ulfric assumiu e nos baniu para fora da cidade, como se fossemos ladrões khajiits. Já até cogitamos ir embora, mas para onde iriamos com toda essa neve em volta?)

Aquilo o deixou desconcertado. Agora ficou claro o porquê daquela reação estranha dos outros argonianos. Ele agora sentia um misto de raiva de si mesmo por não perceber as condições em que seu povo naquele lugar se encontrava, e raiva de Ulfric. Até aquele momento, ele estava se compadecendo da causa Stormcloak. Mas aquilo era inaceitável.

— (Qual o seu nome, colega?)

— (Er… me chamam de Explorador-de-Pântanos.)

— (Bem, Explorador-de-Pântanos. Eu vou ajudar vocês).

***

Um ambiente sujo. Era assim que poderia ser descrita a Taverna Hlaalu. Levando o nome de uma das maiores casa Dunmer de Morrowind (ainda que caçada nos tempos atuais), o lugar não fazia jus ao nome que carregava. As paredes rachadas, a madeira empoeirada de serragem no teto e no chão poderiam afugentar a qualquer pessoa que se preocupasse com sujeira.

Felizmente, esse não era o caso de ninguém que estava lá. Ainda mais para Dunmers. Não que fossem sujos, longe disso. Porém era fato que eles se acostumaram rápido a poeira. Ainda mais porque muitos dos velhos que ali bebiam eram ex-guerreiros da casa Redoran,cuja sede se encontrava justamente no sopé da Montanha Vermelha de Morrowind.

Dito isso, não seria a nórdica de armadura pesada que entrava pela porta da frente que iria se incomodar com isso.

Não. O que incomodou Lydia mesmo foram os diversos olhares que se voltaram para ela no instante em que a porta foi aberta.

Diversos olhos nos mais diversos tons de vermelho e formatos a fitavam enquanto ela andava pelo local. Alguns com claro incômodo, outros com suspeita. Mas nenhum de bom humor.

Nenhum, exceto um único que se encontrava aos fundos da multidão. Aquele, a guerreira reparou, demonstrava curiosidade, e a encarava sem qualquer sinal de agressividade no olhar.

Quando ela chegou no balcão, o balconista, que também fitou a mulher por sua trajetória, a questionou.

— Vai querer algo, senhorita?

Assim que ela se sentou no balcão, as pessoas aos poucos foram deixando de prestar atenção. Apenas os mais curiosos ou desocupados continuavam prestando atenção, querendo saber aonde aquilo iria dar.

— Talvez Cerveja Nórdica?

Ao ouvir aquilo, o elfo com um pedaço de pano na mão ficou mais irritado.

— Oh! Desculpa! A bebida tradicional Dunmer não é boa o bastante para a senhora do frio? - debochou o homem.

Ela então respondeu, claramente irritada, mas tentando manter a calma.

— Tá, então me vê qualquer coisa que tenha disponível.

O homem então se abaixou no balcão, pegou uma garrafa sem qualquer rótulo, tirou a rolha e colocou em uma caneca de metal que parecia mais velha do que Lydia.

— São 10 Drakes - ele disse, segurando a caneca enquanto esperava o pagamento.

"Esse é o exato preço de uma garrafa de Bebida Nórdica", pensou a nórdica enquanto tirava do bolso uma sacola de moedas, e dela 10 septins, os quais arrastou pela mesa até perto do dono do bar, que assim que pôs as mãos no dinheiro, deu a ela a caneca.

Quando ela tomou o primeiro gole, ficou um pouco irritada. "É Bebida Nórdica mesmo". Aquilo era claramente uma provocação.

— Mais alguma coisa?

— na verdade sim. Eu estou em busca de informações. Não sei se ficaram sabendo, mas tem ocorrido uma série de assassinatos de mulheres nórdicas na cidade, e eu queria saber se o senhor sabe algo sobre isso.

Ao ouvirem aquilo, a atenção de todos do bar novamente se voltaram a ela.

— O que? Você está achando que nós temos algo haver com isso? - o Bartender parecia estar ficando revoltado com aquela suposta acusação.

— NÃO NÃO! - exclamou ela, tentando explicar e acalma-lo – E-eu só…

— Vocês nos reduzem a mero beco sujo nessa cidade fria e agora nos acusam dos SEUS problemas?

— Não! Escute! Eu só estou atrás de informações!

— E o que te faz pensar que vai encontrar algo aqui?

— Ouça, eu estou com um grupo, e nós nos dividimos para achar pistas pela cidade, e eu fiquei encarregada de encontrar algo por aqui. Só isso! E francamente? - ela começou a mudar o tem de voz, de compassivo, para um tom mais desafiador - Eu não tenho culpa do que tem acontecido com vocês por aqui. Eu nem sou dessa cidade!

Ao dizer aquilo, ela rapidamente se arrependeu. Não pelos ânimos dos que estavam em volta dela, que pareciam estar aumentando. Mas porque percebeu que, mesmo que o que tenha dito fosse verdade, aquilo demonstrava que ela era tão desinteressada pelos problemas deles quanto os nórdicos daquela cidade.

Tentando conter a sua raiva, que era maior que a dos ouvintes, o dono do bar respondeu.

— Não sabemos de nada. Tá feliz? Não temos nenhuma informação sobre esse assassino. E você não conseguirá nada sobre por aqui.

Frustrada, com um misto de vergonha e raiva, Lydia se levantou e saiu do bar, batendo a porta. Quando já estava na rua, de costas para o bar, porém, ela ouviu a porta se abrir novamente, e outra pessoa, um Dunmers, saindo na direção dela.

— ESPERA! - Exclamou ele - eu posso ajudar!

Ao olhar para trás, ela o reconheceu. Era o homem que a encarava com curiosidade ao invés do desprezo que os outros demonstraram. Fora da escuridão do bar, ela pode ver melhor a sua aparência. Ele parecia um pouco mais jovem que os demais lá dentro, o que para um elfo significava apenas que ele tinha menos rugas no rosto do que o normal. Não havia barba em seu rosto, mas havia uma sobrancelha bastante grossa e unida acima de seus olhos.

— Ah é? - Ela questionou, desconfiada - Pode mesmo?

— Escute, moça. Eu tenho informações sobre os assassinatos que vêm ocorrendo na cidade. Posso te ajudar a achar o culpado.

— Mesmo? E você seria…?

— Oh, onde estão meus modos? Me chamo Chebesci Sulnarun. Sou um curioso historiador, e a algumas noites atrás, vi algo muito suspeito à noite na cidade.

— Entendi. Me chamo Lydia. O que você viu exatamente?

— Oh, espera, espera aí! - o elfo de repente tomou uma postura vacilante, levantando mais suspeitas e curiosidades da Nórdica - Não posso te falar agora. Antes de tudo, eu estou com um problema, e quero que você me ajude em troca das minhas informações.

— E que problema seria?

— Tem uma tumba, a nordeste da cidade, seguindo a correnteza rio em direção ao oceano. Eu demorei muito para encontrá-la. Porém agora que a encontrei, eu preciso de alguém que me acompanhe. Não sou um guerreiro, mago nem nada do tipo. E essa tumba com toda certeza está infestada de Draugrs. A senhorita me ajuda, e em troca, lhe direi tudo o que eu sei.

— Espera aí! Você quer um trabalho de mercenário inteiro e espera pagar isso com meia dúzia de palavras?

De repente, um silêncio tomou o espaço entre o elfo e a humana. Chebesci começou a suar frio, sem saber o que responder.

— Bem… Falando desse jeito, faz parecer muito pior do que realmente é.

Sem falar nada, a housecarl deu meia volta e voltou a andar, ignorando o historiador, frustrada com a perda de tempo.

— Espera! Espera aí! - o dunmer clamou, tentando chamar atenção dela - Você vai realmente me ignorar? Os soldados da cidade estão a meses investigando esse caso. Não conseguiram encontrar nada. O que eu vi ninguém mais viu. E eles se negam a ouvir a mim ou aos outros Dunmers, acreditando que somos todos mentirosos traiçoeiros que buscam apenas vantagem própria. Minhas meia dúzia de palavras valem ouro, e podem te ajudar a virar esse tabuleiro de xadrez.

Ouvir aquilo fez Lydia parar para pensar. Aquilo fazia sentido. Sem falar que, se fosse verdade, a caravana então conseguiria resolver rapidamente o mistério, libertar Inigo e poderiam voltar a focar na missão em Kynesgrove.

Ela bufou e voltou a se virar para o historiador.

— Tudo bem. Eu sinto que vou me arrepender, mas eu aceito o acordo. Me espere próximo aos estábulos, que eu irei falar com uma pessoa antes.

— Oh, muito obrigado! - Comemorou ele, feliz e aliviado de ter encontrado alguém que topasse ajudá-lo. Ele rapidamente puxa o braço dela para um aperto de mão, firmando o trato - Garanto que não irá se arrepender!

E com aquelas palavras, Lydia já começava a se arrepender.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.