Uma das piores sensações da vida de qualquer pessoa é acordar sem saber onde está, ou pior ainda... Com quem está. Eu senti esta sensação. Acordei sem saber onde estava, com muita sede, e uma dor de cabeça horrível, o tipo de dor de cabeça que se tem a sensação de que estão perfurando seu crânio com uma furadeira. Olhei para o meu lado, em uma cama desconhecida, se encontrava uma garota loira dormindo, com uma de suas pernas atiradas sobre meu corpo. Lentamente, retirei a perna dela de cima de mim. ''Rezando'' para que ela não acordasse, pois não queria passar pelo constrangimento de não me lembrar com quem eu tinha dormido.

Aos poucos tentei lembrar, da noite passada, e os flashs começaram a vir, eu chorando no banheiro, Will me consolando, começamos a beber, cada um de nós tomamos ''pílulas'', eu esbarrando em um garoto, brigando, socando. Carl me segurando, eu, Carl e Sarah expulsos da festa, eu ficando com uma garota... E depois disso não lembrava de nada.

Levantei-me e catei minhas roupas pelo quarto, calça, sapatos, a cueca não achei, tive que vestir a calça jeans sem cueca, depois vesti minha camiseta, que estava manchada, de algo que eu presumia ser vômito pelo cheiro podre.

–Ei, você sai assim, sem dizer tchau?

Virei-me, e vi que a garota, havia acordado, com um sorriso meio torto. Constrangido, abri a boca para falar algo, porém da minha boca nada saiu.

–Paul certo? - perguntou ela, levantando-se da cama enrolada no lençol.

–Sim... - respondi olhando para o chão, eu realmente estava constrangido, nunca tinha passado por algo parecido, nunca fui do tipo de acordar na cama com uma desconhecida.

–Então, eu irei fazer um café para a gente... E depois você pode fugir se quiser.

Um sorriso envergonhado surgiu no meu rosto, e eu a segui até a cozinha. Ela preparou o café, o tempo todo com a toalha em volta do corpo.

–Então Paul, você estava realmente louco ontem -dizia ela, arrumando a mesa - Você sempre usa 'bala'?

–Bem... Não... É meio complicado, sabe, eu apenas queria foder com tudo, esquecer de tudo.

Ela sentou, e me alcançou uma xícara de café.

–Sim, eu entendo muito bem, menos do que gostaria... O que acha de conversarmos sobre isso? - ela sorriu deixando a mostra belos dentes brancos. Aquela garota era definitivamente encantadora.

–Bem... Sabe eu namorava uma garota, eu amava ela, porém ela não me amava de volta, ela me traiu várias vezes, eu perdoei achando que um dia ela mudaria, mas não mudou - Fiz uma pausa tomei um golo de café - Por fim ela me traiu com o ex namorado da irmã dela, apenas para se vingar, ela foi expulsa de casa, sumiu na face da terra.

–Nossa, que merda heim?

–Pois é... Desculpe-me mas acho que você não disse o seu nome.

–É Amanda, e sim eu já disse - ela riu, realmente ela era diferente das outras garotas.

–Sabe o que é pior Amanda? Eu ainda sinto falta dela, eu ainda a amo.

–O amor serve apenas para foder com as pessoas Paul, eu digo isso por experiência própria.

Tomei o ultimo gole de café.

–Bem, não me entenda mal Amanda, mas tenho que ir... As coisas lá em casa são complicadas, minha mãe precisa de mim cedo.

–Ah, ok, sem problemas.

Despedi-me de Amanda que me levou até a porta. Antes que eu pudesse ir, Amanda me puxou pelo braço, me beijando.

–Adeus Paul - disse ela, quando acabou de me beijar, fechando a porta, e me deixando ali parado, absorvendo aquela situação irreal.

***

Cheguei em casa as oito da manhã, o carro de papai não estava na garagem, mais uma noite ele havia passado fora, onde? Bem ele sempre dizia que estava trabalhando no escritório, mais a noite toda? E por tantos dias consecutivos? Eu realmente começava a desconfiar de que algo estava errado.

–Mãe?! Cheguei! - disse subindo as escadas.

–Paul querido! - gritou ela do quarto.

Fui correndo até o quarto, e pulei em cima da cama, abraçando minha mãe.

–Como vai a melhor mãe do mundo?!

–Paul pelo amor de deus menino! Não pule assim na cama!

Beijei minha mãe no rosto. Ela era uma das coisas mais importantes da minha vida. Minha mãe era paraplégica e dependia de alguém para ajudá-la a fazer várias coisas. Eu a ajudava fazer de tudo, desde tomar banho até vesti-la. Naquele dia, a tirei de cima da cama, a despi, e a banhei, com muita naturalidade, pois já era algo rotineiro em nossas vidas. Depois a levei para a sala, e fui fazer café.

Enquanto fazia o café, comecei a lembrar do dia em que a vida da minha mãe mudou para sempre. Naquela época eu tinha oito anos de idade, voltávamos da casa da vovó, chovia muito, e graças a uma curva nosso carro capotou, eu e papai não sofremos grandes ferimentos, porém mamãe não teve a mesma sorte que nós.

Fui até o armário para pegar o remédio que ajudava a mamãe não sentir tantas dores nas costas, havia apenas dois comprimidos.

–Mãe seus remédios estão acabando...

–Querido, não tenho nada de dinheiro em casa... Fale com seu pai.

–Ok...

Peguei meu celular e disquei o número do meu pai. A ligação caiu direto na caixa de mensagens. Pensei, e resolvi que iria atrás do meu pai no escritório, precisava de dinheiro para comprar os remédios de mamãe antes do meio dia. Fui até o escritório do meu pai, e para minha surpresa encontrei apenas sua secretária.

–Então você está me dizendo que ele não passou a noite aqui?! - perguntei incrédulo, após ouvir dela que meu pai não tinha passado a noite no escritório.

–Sim, o seu pai saiu daqui às 21 horas garoto, aliás ele sai todos os dias as 21...

–Bastardo! - resmunguei.

Percebi o olhar da secretária me repreendendo.

–Me desculpe, é que meu pai... Bem ele anda me tirando do sério... Você trabalha com ele há tanto tempo, não sabe a onde ele foi?

A secretária desviou o olhar.

–Por favor! Se sabe me fale, você sabe que eu e minha mãe não merecemos ser enganados...

Ela suspirou fundo, pegou papel e caneta, e anotou um endereço me dando ele em mãos.

–Não fui eu quem te dei isto, certo Paul?

–Certo, Dorota você é um anjo!

Olhei o endereço escrito no papel. Era hora de descobrir o que estava acontecendo.

***
Estava parado na frente do endereço que Dorota havia me dado. Toquei a campainha. Algum tempo depois uma mulher atendeu a porta, vestindo uma camisola, era nova devia ter no máximo uns 25 anos.

–Sim? -perguntou ela, me olhando com curiosidade.

Não entendendo direito o que estava acontecendo ali, resolvi arriscar, se meu pai realmente estivesse ali ela reagiria se eu falasse o nome dele.

–Carter está ai? - perguntei.

Ela me olhou arqueando as sobrancelhas.

–Carter amor?! - gritou ela.

Ao ouvir a palavra ''amor'', senti que o chão havia desabado.

–O que?! - gritei - Pai! Seu imbecil eu não acredito!

Entrei dentro da casa, gritando e chutando tudo o que via por frente, meu pai, não estava só traindo minha mãe, ele estava traindo á mim. Encontrei-o na sala, assustado com os olhos arregalados.

–Paul... Filho não é o que você está pensando!

–Não é o que eu estou pensando?! Então me explica o que está acontecendo nesta porra! Porque aquela vadia te chamou de 'amor'?! Quem é ela? !O que você está fazendo aqui?! - eu gritava, fora de mim.

–Filho eu posso explicar, se acalme... - dizia meu pai que parecia estar preste a ter um ataque de pânico.

–Então explique esta merda! - gritei.

Ele suspirou, tentou me tocar, mas eu me afastei bruscamente.

–Você tem que entender, que eu e sua mãe... É complicado, ela está daquele jeito... Eu sou um homem tenho necessidades e...

–Santão Deus! Cale essa maldita boca ou eu irei vomitar! Irei te matar seu canalha! Você está traindo minha mãe com uma vadia com idade para ser sua filha! - gritei.

A mulher que estava observando a cena estava apavorada. Apenas saiu da sala nos deixando sozinhos.

–Paul, você tem que entender sua mãe nunca mais será a mesma...

Antes que meu pai acabasse a frase, eu fechei meu punho e dei um murro na cara dele. Meu pai caiu para trás, com o nariz arrebentado, com sangue brotando.

–Ela nunca mais será a mesma graças a você seu canalha inútil! Era você que estava dirigindo aquele maldito carro! - gritei, eu nunca tinha sentido tanta raiva na minha vida, parecia que minha cabeça iria explodir ou pegar fogo.

–Paul você não pode me culpar por um acidente! - gritou ele de volta levantando-se.

–Eu posso e vou! Desgraçado!

Antes que eu perdesse o resto da minha consciência resolvi dar as costas ao meu pai.

–Paul, por favor, não conte a sua mãe...

Virei-me, e peguei meu pai pelo colarinho.

–Escute só seu canalha, você irá deixar nossa casa hoje, eu nunca mais quero ver você perto de mim ou da minha mãe! - o soltei.

–Você não tem como cuidar dela sozinho, não trabalha não tem dinheiro!

–Eu e minha mãe não precisamos da porra do teu dinheiro! Fique com essa vadia e esqueça-se da nossa existência!

Sai o deixando lá. E corri até em casa como se o mundo fosse acabar.

Ao chegar em casa, fechei a porta da frente, e me deixei cair escorado nela, ali minhas lágrimas começaram a cair. Ouvia o barulho da tv vindo da sala, e pensava como teria a difícil tarefa de dizer a minha mãe, que seu marido o meu pai, havia a traído.

–Querido é você? - ouvi a voz de a minha mãe vir da sala.

Sequei as lágrimas e respondi com a voz contida.

–Sim mamãe.

–Conseguiu falar com o seu pai?

–Mãe... - me levantei e fui até a sala, mamãe estava sentada no sofá tricotando e olhando tv como sempre fazia.

–Sim querido? - disse ela, sem me olhar, continuando a tricotar.

–Mãe, tenho algo para te contar.

–Pode falar querido. -minha mãe estava no automático, daquele jeito que a gente fica quando escuta uma pessoa, mas não presta atenção no que ela diz.

–Hoje, quando fui ao escritório, eu descobri que papai está te traindo...

Imediatamente minha mãe parou de tricotar, e ficou paralisada olhando para a pequena meia que fazia.

–Mãe? Diga algo...

Depois de alguns segundos minha mãe voltou a tricotar.

–Eu já desconfiava... - começou ela, com a voz fina, aquela voz quem está prestes a chorar. - Só precisava ter certeza, eu não o culpo o que seu pai iria querer com uma aleijada imprestável como eu?!

–Mãe, por favor, não diga isso...

Fui até ela e abracei forte. Minha mãe naquele momento desabou a chorar, tremendo como se estive com muito frio, e soluçando alto.

–Eu sempre estarei com você mãe... Sempre.

***

Os dias se passaram, meu pai voltou várias vezes para casa, mas a única coisa que conseguiu foi uma porta na cara, e suas roupas jogadas ela janela por mim.

Estava decidido que se eu quisesse sustentar a casa e minha mãe eu precisaria de dinheiro, minha mãe recebia ajuda do estado por causa de sua invalidez, mas não era o suficiente, fui a várias entrevistas, infelizmente um jovem conseguir emprego é difícil, as pessoas não confiam, acham que todos são irresponsáveis e só querem festas, na verdade a maioria é assim, eu era assim... Mas agora é hora de crescer, e cuidar de mim e da minha mãe.

Estava quase desistindo quando recebi uma ligação, de uma lanchonete no outro lado da cidade, era longe, longe pra cacete, mas eu realmente precisava.

O dono pediu para eu ir conversar com ele segunda feira de tarde, eu realmente cansaria, tendo que pegar tantos ônibus, mas era por um bem maior, era pela minha mãe.

Depois de quase quarenta minutos finalmente cheguei à lanchonete. Olhei para as garçonetes para a balconista, para os entregadores, e nenhum deles tinha uma expressão feliz no rosto. Ao contrario todos pareciam infelizes e cansados, a maioria tinha mais ou menos a minha idade.

–Oi... Eu vim falar com o dono, sobre o emprego... – falei para a balconista.

A garota olhou para mim como se eu fosse um pobre coitado.

–Ele está ali – disse ela apontando para uma sala –Boa sorte, irá precisar.

Sorri torto para a garota. Mas antes de ir falei:

–Porque diz isso?

–Ele é um explorador, paga pouco, e grita demais – respondeu ela fazendo uma cara de nojo.

–Ah... Ok.

Entrei dentro da sala.

Atrás de uma mesa cheia de papéis alguns tocos de cigarros e várias garrafas de Jack Daniel’s vazias se encontrava um homem de uns quarenta anos, gordo, careca. Sem tirar os olhos do papel o homem falou.

–Você é o Paul garoto?

–Sim, senhor.

–Sente-se.

Obedeci ao homem e me sentei.

–Porque você quer trabalhar? – perguntou ele.

–Preciso de dinheiro, para ajudar á minha mãe.

–Hum... Bom... Você sabe dirigir moto garoto?

–Sim, senhor.

–Tem carteira?

–Sim, provisória.

–Idade?

–17.

–É da policia?

Eu ri com aquela pergunta idiota.

–Não senhor.

–Minha oferta é o seguinte, trabalha das 18 ás 23, sem férias, sem intervalo, meio salário, não assino carteira, se me roubar ou me responder torto está na rua e ainda ganha um olho roxo, está dentro garoto?

Pensei. Sabia que seria duro, difícil, podia recusar e esperar outro emprego, porém precisava de dinheiro rápido para comprar os remédios da minha mãe.

–Garoto, eu não tenho o dia todo aceita ou não?

–Sim, senhor.

O homem estendeu a mão para mim, eu estendi a minha e damos um aperto de mãos.

–Quando começo senhor?

–Agora.

Arqueie as sobrancelhas.

–Rápido garoto! Não tenho tempo a perder, vá até a cozinha pegue os pedidos, e vá entregar a merda da comida para os clientes! – disse ele áspero.

Levantei-me sem jeito, meio atrapalhado, tentando assimilar tudo o que estava acontecendo, rápido demais. Sai da sala e fui direto para a cozinha.

Quando entrei ví uma garota, ruiva de costas, (por sinal ela tinha pelas pernas e traseiros).

–Ei...Oi – disse meio sem jeito.

Ela se virou. E ao ver o rosto dela, minha boca se abriu e caiu. Esperava tudo menos aquilo. A garota era nada mais nada menos do que Carlie.

–Puta merda! – exclamou ela a me ver.

–Carlie?!

Eu e ela ficamos assim por algum tempo, apenas absorvendo o impacto, um olhando para o outro como se não fosse possível que aquela situação fosse real.

–Ei vocês dois vão ficar se olhando para o resto da vida? Quero acabar logo esta bosta! – gritou uma das garçonetes.

–Olivia, já vou... –disse Carlie. – Paul, vá fazer suas entregas, depois nos falamos.

Carlie virou-se dando as costas para mim. Mesmo ainda impactado não tinha tempo a perder, peguei a lista de entregas que tinha em um quadro na cozinha. Não foi nada fácil me concentrar no trabalho pensando naquele acontecimento inacreditável que tinha acontecido.

Qual era a chance de uma coisa dessas acontecer? Depois que Carlie tinha me traído com James ela tinha fugido de casa, fugido da família, há quase dois meses ninguém sabia dela, ela simplesmente tinha largado tudo, escola, família, os país dela estavam loucos atrás dela, e não eram só eles, a policia também, afinal um adolescente menor de idade tinha fugido de casa.

Depois de seis horas intermináveis tinha acabado as minhas entregas, eu estava acabado, cansado, irritado, e curioso. Tinha chegado a hora de confrontar Carlie, saber onde ela estava como estava vivendo, e o mais importante fazer a estupida voltar para casa.

Esperei Carlie acabar o expediente dela fora da lanchonete. Ela e as outras meninas nunca tinham hora para sair dali, elas só podiam ir embora quando o último cliente saísse. Ela demorou quinze minutos para sair de lá. Ao sair e me ver, mesmo com uma expressão cansada no rosto ela forçou um sorriso. Carlie tirou um cigarro da bolsa, o acendeu e o tragou.

–Então em Paul... Que destino engraçado o nosso não? Que coincidência.

Fiz cara séria, e serrei os dentes.

–Acho que você me deve explicações, não só pra mim!

–Pois é você tem razão... Por onde quer que eu comece?

–Pelo início Carlie.

Senti que ela percebeu o meu tom de amargura.

–Antes de tudo... Eu queria pedir desculpas Paul, eu sei... Que fui uma cretina com você o tempo todo, que fui uma maldita vaca, você realmente não mereceu nenhuma das minhas traições.

–É não mereci – disse ríspido.

–Então, depois que Lea descobriu a traição a gente se bateu, foi uma confusão... Eu apenas corri, fugi daquela casa, e fui para a casa de uma amiga mais velha, e estou lá até hoje, ela me arrumou esse emprego, ganho pouco, mas vou me virando.

–Você é realmente estúpida não é?! Jogou tudo fora!

–Porra não me julgue! Como tu acha que eu conseguiria viver naquela casa depois do que fiz?! A vida de todo mundo seria um inferno.

–Seus pais estão te procurando por todo o canto... Você devia voltar para casa, e para escola, você ainda tem tempo de recuperar as matérias aprovar de ano.

–Não eu não posso... – ela começava a das as costas pra mim. A puxei pelo braço.

Ela me olhou e mais uma vez me surpreendeu me beijando.

–Paul... A gente só percebe o quanto algo faz falta quando perdemos.

–Você esta falando da sua família?

–Não, de você.

Desviei o olhar, e soltei ela. Eu não cairia na furada de voltar para Carlie de novo.

–Você devia voltar para casa – disse olhando para o chão.

–Paul, se um dia me amou de verdade, por favor, não fale pra ninguém onde estou. E se você falar terei que fugir de novo, isso significaria perder esse emprego, e eu realmente não posso...

–Carlie eu não posso fazer isso!

–Por favor...

Respirei fundo, e balancei a cabeça negativamente.

–Tudo bem.

Carlie sorriu, e me abraçou.

–Você é o melhor com quem já me envolvi.

E lá na rua ela me deixou.

‘’Eu sou um idiota, burro, estúpido que ainda te ama Carlie...’’ – pensei, vendo a garota que eu mais amei na vida, se afastar de mim.