Sinal Amarelo

Um, dois, três


Para Platão a beleza é o brilho da verdade e para Kant é a forma da conformidade, na medida em que ela é percebida nele sem representação de um fim. Aquela mulher tinha estudado o suficiente para saber que nenhum filósofo poderia dizer, que no final das contas, beleza era sobre ser desejada. E ela era. Se olhando no espelho conseguia ter certeza de que era sim, uma grande gostosa. Mas naquele momento isso não era o suficiente, nunca havia sido.

A vida fica mais fácil quando se é bonita, inegavelmente atraente. Mesmo no século 21, onde todos os padrões de beleza passaram a ser questionados, ser loira e magra ainda lhe garantia uma porcentagem boa de privilégio. No entanto havia sido rejeitada por inúmeras agências e até casas de prostituição de luxo, não bastava ser bonita, precisava de dinheiro, contatos e classe. Houve um tempo em que Lucy queria tudo isso, mas naquele instante, precisava de apenas uma dessas coisas e estava disposta a colocar qualquer coisa em risco para conseguir.

Hoje, com uma única jogada, finalmente conseguiria atingir seu objetivo. Tinha lido a respeito na internet, só precisava estar na hora certa no lugar certo.

Na parede do apartamento minúsculo haviam recortes de jornais, prints de instagram e notícias de sites de fofoca com um único foco: Dragneels. Escândalos políticos, multas de alta velocidade do filho mais novo, Natsu, acusações de rapasses criminosos de dinheiro ao filho mais velho, Sting, manchetes e mais manchetes escancarando a podridão da família. Torceu o nariz, aquilo era demais até para ela. Haviam também publicações e mais publicações desmentindo tudo, quem tem dinheiro consegue a verdade, sempre. Desviou os olhos para um pequeno porta-retrato na mesinha descascada que ficava ao lado da cama, a foto de um garotinho loiro banguela. Deu um sorriso, respirou fundo.

— Você consegue. — Disse a si mesma.

Desceu as escadas do prédio que caia aos pedaços. Vestia o uniforme da loja de sapatos que trabalhava, mesmo estando fora do horário de serviço, era tudo parte do plano, até a mochila desgastada e o cabelo preso de forma singela e humilde.

Seguiu com passos apressados pela calçada. Acenou para Gigi, uma senhorinha que vendia tricô na porta de uma loja de biscoitos, por alguns segundos sentiu o estômago apertar com a hipótese do que Gigi pensaria se soubesse tudo o que se passava em sua cabecinha desgraçada. Lucy não tinha orgulho do que iria fazer, mas também não tinha nada a perder. Embarcou no ônibus da linha 033.

Sem trocar nenhuma palavra com o cobrador, sentou-se e abriu o iphone que havia roubado de uma cliente da loja. Valentine era uma loja cara, um iphone a menos ou a mais para uma ricaça não significava nada. Depois de visualizar os storys de um dos filhos da família, sabia que tinha cerca de 15 minutos para concretizar seu plano.

As palmas de suas mãos suavam. Já havia aprontado poucas e boas, mas nunca tentado algo do tipo. Não havia espaço para nenhum tipo de pensamento prudente agora. Colocou o fone, Britney Spears, Criminal. Precisava de coragem e apenas outra loira maluca poderia lhe dar agora.

A alguns quilômetros dali um homem jovem descia de um mustang branco. Vestia um terno bem justo ao corpo, os cabelos loiros estavam milimetricamente penteados, de um jeito que chegava a ser ridículo. Bateu a porta com força e saiu pisando irritado pelo galpão onde rolava uma grande gritaria, música alta e pessoas dançando.

—Você é o que? Um gogoboy? — Uma garota bêbada disse interrompendo sua passagem.

—Você sequer é maior de idade? — Respondeu a tirando de sua frente.

Uma roda de pessoas que gritavam “vai-vai-vai”. Passou as mãos sobre a própria cabeça.

— Puta que pariu, Natsu. — Resmungou enquanto abria espaço entre as pessoas com as próprias mãos. E lá estava ele. Natsu Dragneel, fazia flexões em cima de um palco enquanto uma mangueira de tequila estava em sua boca.

O irmão mais velho respirou fundo. Tirou o paletó preto de seu terno, afrouxou a gravata e alongou o pescoço. Para a surpresa dos convidados, começou a subir no palco. A gritaria se intensificou. Natsu que não havia notado a presença do irmão engajou-se ainda mais na bebedeira, mas foi surpreendido por um puxão no braço, largou a mangueira e levantou-se contrariado.

—Que porra, Sting. — Sussurrou. — Vai embora, você não foi convidado.

—E você acha que eu queria estar nessa merda? — Rebateu. — Gradine disse que te quer em casa em quinze minutos.

—Inferno. — Natsu se afastou da beirada do palco sendo seguido pelo irmão.— O que ela quer?

— O que ela quer? — Sting deu um empurrão no irmão mais novo. — A festa de aniversário, porra. Você tá há quantos dias bebendo?

Natsu arregalou os olhos. Não havia visto o tempo passar.

— A festa...— Se lembrou.

—Eu tive que sair mais cedo do escritório pra vir te buscar, tem ideia do quanto isso pode prejudicar o pai nas eleições? — Sussurrou no ouvido do irmão. Sting teve que contrariar toda sua rotina naquele dia, saindo mais cedo para encontrar o irmão a tempo de levá-lo a própria festa de aniversário.

—Quero que ele e a campanha dele exploda. — Natsu se preparou para sair da frente do irmão, indo em direção a multidão novamente.

—Você quer que a mãe se exploda também? Quer matar ela de desgosto? Seu bastardinho. — Sting interrompeu o irmão. Natsu Bufou empurrando-o.

—Você sempre consegue o que quer, desgraçado. — Aquele era um tipo de diálogo comum entre os dois. Mais um dia na belíssima família Dragneel.

Sting ri do irmão.

—Advogado, estudei pra isso. — Sting dá um tapinha no peito do irmão.

—Estudou pra ficar mamando juiz. — Rebateu e recebeu um cascudo em troca. — Ai, caralho. — Reclamou, em seguida abriu um largo sorriso. — Me dá um abraço antes, irmãozinho. — Sting o olhou desconfiado.

—Você tá fedendo a vodka.

—Você é um boiola.

Sting vacilou constrangido e o irmão o abraçou.

— Que inferno. — O mais velho resmungou ajustando a gravata novamente. Antes que se desse conta Natsu saiu correndo. Sting levou alguns segundos para levar as mãos nos bolsos vendo que sua chave havia sumido. — Desgraçado. — Correu atrás do irmão por todo o galpão, mas antes que pudesse alcançá-lo Natsu estava abrindo o mustang branco.

— Vai ser um prazer dirigir sua carruagem, principezinho da mamãe.

— Você tem o que? 15 anos? — Sting gritou tentando recuperar o fôlego. Natsu entrou no carro e fechou a porta. — Pelo menos me dá as suas chaves.

— Eu perdi o carro numa aposta. — Gritou de volta se preparando para dar partida. — Agora quem vai chegar atrasado, Sting?

Natsu gargalhou antes de pisar fundo no acelerador.

— Filho da puta! — Gritou em resposta a atitude do irmão caçula.

Olhos castanhos encaravam com atenção a rua semi-vazia. Era um bairro que ficava entre o centro da cidade e uma série de condomínios de casas de luxo onde, não por coincidência, famílias de grandes políticos e magnatas moravam. Se ela havia calculado certo em alguns segundos ele estaria ali. Lucy se posicionou próxima a faixa de pedestre, mas não o suficiente para parecer que ia atravessá-la. Mustang branco, placa XXW-442, ela só precisava desse carro e de um deslize do filho mais velho de Igneel Dragneel, deputado federal. Lucy havia stalkeado por meses, sabia que era um advogado conhecido por livrar a cara de mequetrefes do senado. Sabia exatamente o horário em que saia do escritório porque além de tudo, ele era um grande fã de redes sociais. Quase um narcisista. Já havia visto-o passar por aquela rua inúmeras vezes. A rua do seu trabalho. Sempre numa velocidade média, furava sempre o sinal amarelo pós-horário de pico, com pressa, na primeira meia-hora do anoitecer. Era responsável o suficiente para não levar multas por alta velocidade, mas ocupado demais para esperar o sinal verde. Sabia que aquilo era o suficiente.

Natsu adorava dirigir naquele horário, não precisava estar sóbrio para saber disso. As ruas semi-vazias. Magnólia nem parecia ser uma capital. O som alto tocando uma música que sabia que conhecia, mas não conseguia lembrar o nome.

Lucy respirou fundo encarando o sinal verde que logo mudaria, olhou para a pista. Mustang branco. “Vai, vai, vai” sussurrava para si mesma.

— Blinding lights. — Natsu soltou em voz alta para si mesmo ao finalmente se recordar da canção. Bateu as mãos no volante acompanhando o ritmo.

— Um….— Virou-se vendo o carro se aproximar na rua vazia. — Dois...— Hoje ele parecia mais rápido, o que fez seu coração disparar. Rapidamente ela se convenceu que era só medo falando. — Três. — Gritou antes de se jogar na frente do carro branco.

O sinal estava amarelo.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.