Sin Dolor

Fueron noches enteras esperando


:- Por favor, me escuta? - Minha voz saiu baixa eu olhava a vista da minha janela, mas não enxergava o que tinha do lado de fora. Tinha passado o dia inteiro tentando falar com ele, na verdade essa é a minha rotina tem dois dias desde quando eu cometi o erro de me precipitar. – Me escuta! – Repeti firme.

Percebi que comparada a outras ligações esta estava durando mais segundos, ele deveria ainda estar tão irritado comigo pela minha insistência agora eram três e cinquenta da manhã e finalmente ele me atendeu depois de tanto eu teimar em falar com ele. Precisava me explicar.

Fiquei em silêncio olhando para o céu através da minha janela ignorando com sucesso a voz dentro da minha cabeça que me dizia que o que eu estava fazendo era um absurdo e olhei a lua cheia que parecia estar mais perto da Terra naquela noite. Do outro lado da chamada não se escutava nada além do silêncio, como não havia desligado ainda, teria então minha chance. Porém, como eu me explicaria? Andei pelo meu quarto e me deitei novamente na minha cama.

:- Antes eu não entendia a razão de ter ficado mais tempo do que o planejado por aqui em Lagoa Azul, eu cheguei aqui esperançosa, isso é algo que eu não contei a ninguém por que nem eu admitia em voz alta. Steve dificilmente saía dos meus pensamentos eu sinto tanto a falta dele, mesmo conseguindo me distrair ainda assim têm momentos que sinto tanta culpa e raiva que sou contaminada por essa má vibração que se forma, fiquei assim durante semanas, antes que tivesse que me internar novamente ou voltar a ter uma recaída com a cocaína. Aceitei o trabalho de voltar a Lagoa Azul, assim também nesse pacote veria minha família. Fiz um bem para mim. A minha angústia havia passado. – Fiz uma pausa por que por fim escutei um ruído na chamada, senti um tremor ao pensar que Poncho tinha desligado tudo não passou de uma peça que minha mente havia me pregado por que ele não desligou.

Agora eu conseguia escutar a sua respiração mais claramente, como se antes ele abafasse o som para que eu não o escutasse e assim desligasse. Ele prestava atenção em mim.

:- Antes eu não admitia que passei a viajar porque precisava esquecer a angústia que sinto dentro do meu coração, ela ás vezes me penetra e me paralisa. E viajar era o meu antídoto para isso ou seria minha nova droga não sei bem definir. Logo, eu queria sair daqui novamente, mas Vó Dolores e Toni fizeram uma parceira e me mantiveram aqui, um trabalho temporário atrás do outro a vontade de ir amenizou, sei que logo ela vai voltar e não terá trabalho que me segurará aqui. Entretanto, tem uma pessoa que mudaria isso, essa pessoa é você, Poncho. Você me manteria aqui em Lagoa Azul. – Eu fechei os olhos me recriminando arriscando por dar voz a um dos meus pensamentos mais ocultos. – Esses dois dias foram torturantes sem ter a chance de me explicar, sem saber como fazer isso e eu ainda não sei sinceramente. Sou movida a desejos, sei que somos completamente distintos um do outro, eu não tinha o direito de fazer o que fiz, foi um erro e fui precipitada e você poderia ser como qualquer cara por quem eu me atraio e depois de saciar esse desejo a vida seguia, mas você é diferente. Eu sinto. – Suspirei começando a ficar confusa com tantos pensamentos que emendavam um no outro era complicado escolher algum para dar voz e escutar ele respirar do outro lado da linha ao mesmo tempo fazia voltar à sensação de ser ignorada. – Sinto muito, eu não quero perder você!

Foram os segundos mais agonizantes que eu esperei para que ele falasse qualquer palavra. Foram exatos 32 segundos.

:- Nunca mais me beije! – Ele falou num tom de voz severo. Eu senti outra vez, foi praticamente uma sentença, por que ele esperou mais uns três segundos e como se pensasse em algo mais para me dizer, porém desistiu e para completar desligou a minha chamada.

Fiquei olhando para meu celular o vendo voltar a ficar no meu plano de fundo, uma foto minha com vó Dolores e Toni. Passei a mão no meu cabelo, bufando, estava mais uma vez exposta a aquele homem e não surtiu resultado, nunca mais teríamos nenhum tipo de relação.

Aquela seria mais uma noite que passaria em claro não só pensando em Poncho como em tudo.

É engraçado como o tempo tem o título de curador de feridas, concordo em partes, graças a ele me esqueci de muitas decepções e cicatrizei muitas das minhas feridas. Desde que eu falei com o Poncho pela última vez, havia se passado um mês, passei mais algumas noites esperando ele me dar alguma resposta, mas desisti disso. Eu havia perdido e como boa perdedora bastava recolher meus cacos e me remontar. Algo bom dessa história é que quando me levantei aquele dia, fui diretamente com a minha moto para a capital com Toni, fiz mais uma tatuagem. Assim como todas ás vezes em que me furo, renasci.

Fiz o girassol que tanto pensava em fazer e além de ser uma das minhas flores favoritas junto com a rosa, estava na hora de florescer novamente e representar minha vitalidade. Quem sabe eu só tenha me atraído mesmo pelo fato do Poncho ser proibido. Por ser padre teria mais sabor a minha conquista, ele era diferente e somava o fato de não ter gostado logo de cara de mim. Só que assim como os outros, minha vida seguiu então será que ele era assim tão especial como eu pensava? Ou era apenas mais um capricho meu? Como foram muitos homens e duas mulheres que eu conquistei e depois de conseguir, já não queria mais. Isso quem sabe o tempo vai me dizer.

A pior parte de se fazer uma tatuagem é respeitar o período sem comer certos alimentos gordurosos para que o corpo não tenha nenhuma reação alérgica. Ainda bem que a partir de hoje depois de trinta dias evitando vou voltar a comer bem e como eu gosto.

Estava na fazenda da vó Dolores, eram sete e meia da manhã e por mais que esse horário fosse um absurdo eu já estar desperta, já que sou noturna. Me adequei a rotina de quem vive no campo, invés de estar mal humorada estava feliz porque Joana, cozinheira e amiga da família desde que eu era uma menina, tinha feito um farto café da manhã para mim.

O que eu adorava naquela fazenda era a regra que todas as refeições tinham que ser ao ar livre, ao menos com o tempo bom, isso realmente fazia diferença. Fui recebida por todos na mesa com aplausos porque era realmente surpreendente o fato de estar tão cedo acordada, nem perdi meu tempo implicando com todos, estava faminta. Todos são empregados da minha avó há anos, ela gostava de trabalhar com pessoas de sua confiança e assim se criavam suas amizades duradouras. Todos estavam felizes porque tínhamos ótimos resultados nos negócios eu participei pouco das conversas animadas quanto ao que fariam com o bônus salarial que receberam.

Praticamente me desmanchei no banco de madeira quando provei o pedaço de bolo de cenoura com cobertura de chocolate que Joana tinha feito para mim. Ela é uma doceira que tem mãos de fada. E percebeu que estava pensando nela, por que no mesmo momento me olhou sorrindo satisfeita ao ver que eu estava me deliciando com tudo o que ela preparou. Tinha a mesma plenitude no olhar de quando eu ouvia os elogios após uma sessão de fotos concluída ou antigamente num solo de guitarra.

Assim que eu terminei de comer meu chocolate e me levantei para ir até Joana e agradecer pela gentileza dela também imaginei um sequestro bem planejado e aquela mulher sempre cozinharia para mim. Estava tão absorvida na minha imaginação pensando numa risada maligna típica de vilã que mal percebi que todos ficaram em silêncio e aos poucos estranhei já que não tinham mais animação para conversar, percebi que todos olhavam para o mesmo lado e pronto e acompanhei com os meus olhos. Fiquei surpresa, assim como todos quando a figura distante ganhou forma até ser a chegada de alguém.

Não alguém qualquer!

Poncho chegou até onde estávamos cavalgando a toda velocidade com seu cavalo Zorro, poderia até admirar a cena, mas fazia tanto tempo em que eu não o via. Eu evitava estar no mesmo lugar que ele!

Ele parou Zorro lhe segurando no pescoço e puxando sua crina, o animal não usava cela e o objeto não parecia fazer nenhuma falta como a relação entre eles era muito forte de extrema confiança um no outro. Quando eu consegui deixar de olhar para ele percebi que segurava uma corda e que essa sim estava ligada a outro cavalo que seguia os dois mais atrás como se Poncho fosse seu guia. Esse cavalo estava com cela e outros equipamentos.

Não conseguia pensar direito no que aquilo representava. Poncho olhou para mim. E senti a mesma energia estranha quando olhei para ele a primeira vez pensei em como as minhas emoções não me trairiam assim, estava sério, não tinha barba, suas roupas eram simples de montaria e estavam molhadas de suor como se ele estivesse cavalgando há muito tempo.

:- Está atrasada! – Ele exclamou e não se importava com o olhar questionador e curioso dos outros que também presenciavam a mesma cena que eu. Quietos, ninguém se atrevia a falar nada que pudesse estragar o que viam.

Demorei a notar que o comentário foi dirigido exclusivamente para mim.

:- Estou atrasada para que? – Consegui perguntar completamente confusa.

:- Para a sua primeira aula para começar a montar. – Ele me explicou trazendo o outro cavalo para ficar mais a frente e pela primeira vez sua expressão se suavizou e imediatamente senti meu coração disparar contra o peito.

:- Você acha que eu estou sendo exagerado?! – Ele forçou a sua risada e aquilo me irritou ainda mais. – Só pode estar brincando comigo. – Concluiu.

:- Rodrigo eu não... – Eu imediatamente parei de falar e fiquei exatamente onde estava no meu quarto. De frente ao meu espelho grande, engoli saliva porque deu para ver o reflexo do quarto do outro lado me encarando, ou melhor, me fuzilando com o olhar. – Paco, eu não brinco quando a discussão é séria. – Merda, porque eles tinham que ser tão parecidos fisicamente desejei internamente que ele não tivesse ouvido minha gafe de tê-lo confundido com meu ex, ele me deixava com tanta raiva que me fazia passar por isso.

:- Já parou para pensar que nas últimas duas semanas você viu muito mais o padre do que o seu namorado? - Me virei para olhar Paco, agora era a minha vez de fuzilar ele com o olhar, fazia questão de destacar que Poncho é padre para me fazer sentir pior com a amizade que tínhamos da qual ele sentia muito ciúmes.

Se eu for completamente sincera ele tem sim motivos para ter ciúmes, eu me sinto muito mais atraída por Poncho do que por ele, que na verdade estou completamente brochada. Desde que voltamos a ser amigos, não tem um dia que eu não vi Poncho fora que nos falamos por aplicativos de mensagens constantemente.

Minha amizade com Poncho estava num nível que saímos para ele me ensinar a cavalgar, para ajudar minha vó Dolores, bater um papo com Antônio, almoçar com senhor Herrera, cuidar do seu celeiro e dos seus cavalos. Algo que não aconteceu nem com Paco, ele estava num período que tudo se resumia a trabalho e ele que me desculpe, tudo é chato demais. A sua mãe não me suporta e não faço nenhuma questão de lhe agradar, até transar o que era bom nesse namoro já não é como antes. Estou entediada. Mas, é claro que não vou dar meu braço a torcer e vou reverter tudo ao meu favor.

:- Já parou para pensar em quantas reuniões de trabalho você fez nas últimas duas semanas? Parece que tenho que marcar hora para encontrar você.

Ele se desmanchou e eu me censurei para não sorrir na frente dele, toquei no ponto fraco de Paco.

:- Se estamos tão afastados um do outro não é só culpa minha. – Dei os ombros e como dizem por aí tirei o meu da reta.

Esperei ele falar algo para levar a frente essa discussão que não nos levaria a lugar algum, porém já que estava acontecendo queria saber quem sairia com a vitória. Ele bufou e passou a mão no rosto, negou com a cabeça e olhou as horas no seu relógio de pulso, eu poderia apostar que ele tinha algum compromisso de trabalho e estava atrasado.

:- Não queria brigar por esse motivo mais uma vez, por mais que eu tenha ficado ocupado na compra das minhas duas lojas e resolvendo todas as burocracias, você não esteve do meu lado e descubro que é por andar para cima e para baixo com seu amigo. Não precisei ir atrás dessa história, as pessoas nesse vilarejo falam, Dulce.

Ele não me deu tempo de questionar quanto seu último comentário seguiu falando.

:- Tenho que fazer uma viagem de trabalho para a cidade vizinha onde tenho que resolver mais problemas, vim aqui com a intenção de convidá-la para ir junto comigo, mas vejo que é melhor você ficar e pensar na nossa discussão. – Era visível o quanto ele estava irritado e ciumento que ele sequer se aproximou para me dar um beijo como era seu costume, abriu a maçaneta da porta do meu quarto.

:- Digo o mesmo. – Ele voltou metade do corpo para me encarar ao ouvir minha voz soar tão autoritária. Nos encaramos por poucos segundos até ele ir.

E eu suspirei bem alto, estava muito irritada, isso porque desde que voltamos a ser amigos, eu respeitei Poncho de todas as formas possíveis não havia mais as cantadas, provocações nem nada do tipo. Eu mantinha uma postura respeitosa e justamente nesse momento Paco vem ter ataque de ciúmes? Eu não sou obrigada a isso. Antes eu tivesse ainda dando em cima de Poncho.

Sai do meu quarto e fui para sala ainda irritada e eu não sou uma pessoa que consegue disfarçar bem quando algo me incomoda.

:- Pensei que não fosse mais sair daquele quarto, seu namorado passou aqui feito um furacão e o mal-educado nem se despediu. – Naomi que estava deitada no sofá comentou sarcasticamente ao me ver deitar no outro sofá, ela não gostava de Paco, bem por motivos óbvios que vocês já devem saber. Me olhou esperando que eu argumentasse qualquer ataque ao seu comentário ácido, mas percebeu minha expressão de poucos amigos. Assim como todos naquela sala.

:- Bom, estávamos esperando você voltar depois do jantar para começarmos o filme, você voltou então vamos assistir. – Noah disse ao sentir o clima ruim e me lembrei que o clima só ficou assim após a chegada de Paco porque eu e os amigos do meu irmão estávamos tendo uma noite agradável.

:- É porque o senhor nuvem negra suga as boas energias além de nos fazer esperar. – Naomi comentou de novo e mais uma vez resolvi ignorar.

:- Naomi come a pipoca que eu fiz para manter essa sua língua afiada ocupada. – Toni passou para ela o balde de pipoca e depois me olhou para me dar um sorriso fechado, sempre equilibrado.

Noah deu play e desde que o filme começou até ficar pela metade eu não conseguia relaxar ainda pensando na discussão que tive com Paco e para Across the Universe não conseguir no mínimo me distrair é porque a situação estava realmente complicada, eu simplesmente adorava esse filme.

A minha expressão fechada ao menos se suavizou quando escutei a porta ser aberta e escutei a voz da minha vó ao longe, conversando animada tivemos que pausar o filme porque Dolores estava fazendo muito barulho e como ela tinha saído para compras talvez precisasse de ajuda. O que nós não contávamos é que minha vó conversava animadamente com uma visita ilustre da qual nós não esperávamos.

:- Boa noite para todos. – Poncho surgiu segurando muitas sacolas cheias e pesadas, sorrindo.

:- Viram isso sim é educação e simpatia! – Naomi sorriu ao se levantar do sofá e ir cumprimentar Poncho sua mudança era nítida. – Vocês compraram o mercado inteiro?

:- Não, só o necessário para fazer meus bolos de milho. – Vó Dolores explicou colocando a sua pequena bolsa na mesa, único objeto que Poncho deve ter a deixado levar. – Na quinta-feira é o 312º Festival do Milho, pensei que soubesse menina.

:- É uma tradição participar do festival algo que minha vó aprendeu com sua mãe. – Toni explicou para a amiga confusa. – Todo o vilarejo vai estar presente, vira uma grande festança.

:- Se é festa então eu venho. – Noah comentou já ficando animado com o rumo da conversa. Ele que estava deitado no tapete ao lado de Toni se sentou para olhar a cozinha onde estava minha vó e Poncho com as sacolas. – Além de comida tem bebida? - Ele perguntou.

:- Ainda que a tradição seja tudo a base de milho, geralmente se bebe vinhos no festival. – Poncho comentou despreocupado ajudando minha vó a organizar os produtos das sacolas. – Virou uma segunda tradição, lembro quando garoto que havia até competição para ver quem fabricava o melhor vinho.

:- Eu sabia que os padres bebiam o vinho que usavam na missa. – Noah comentou rindo e fez os mais novos rirem, tirando vó Dolores que os recriminou pela falta de respeito. Eu só consegui voltar a minha seriedade e ficar agora sentada no sofá apenas ouvindo a conversa.

:- Não precisa repreender a curiosidade deles, não os padres não bebem o vinho depois da missa, nem todos. – Poncho piscou para concordar com a brincadeira. – No Cristianismo o vinho é sagrado, ele está na última ceia no Evangelho de Lucas 22:19, onde Jesus compartilhou com seus discípulos o pão e o vinho. Ele é usado num rito sagrado, a Eucaristia.

Após Poncho falar ele olhou mais uma vez para mim. E a minha cabeça voltou à discussão mais forte e nítida que tive com Paco, eu me lembrei das vezes que ele se referiu a Poncho como padre e como a nossa amizade é errada por sermos tão apegados. Isso me fez ficar distante e alheia ao meu redor, só percebi que Poncho aceitou o convite de ficar e dividir taça de vinho com minha vó depois de algum tempo, se eu bem a conheço o que é o caso ela abriria um dos seus favoritos, ela adora Poncho vive elogiando ele.

Depois Poncho foi convidado para terminar de assistir o filme conosco e ele aceitou, não só isso ele resolveu sentar ao meu lado, ficou me encarando enquanto voltavam a dar a continuidade do filme. Ultimamente eu o cumprimento animada com um abraço pelo menos, hoje eu só queria ficar distante porque ele tinha que ser um padre, hein?

Perto do final do filme senti ele passar o polegar acariciando perto do meu pulso, estranhei completamente a atitude dele isso me fez o encara imediatamente e ele continuou fazendo o carinho enquanto assistia o final do filme.

Que logo chegou estava ainda me questionando quanto ao carinho de Poncho e só pude concluir que ficaria louca com tanto na minha cabeça, com os créditos subindo na tela da televisão, eu me levantei olhei para Poncho, mas como uma despedida e sai caminhando até meu estúdio que ficava no mesmo terreno da casa de Toni. Deu tempo de colocar um CD de rock de uma banda que eu gosto no meu aparelho de som e deixar o ambiente mais agradável, escutei a porta do meu estúdio ser aberta e passos no momento da troca entre uma música e a outra, ele surgiu me olhando preocupado e eu não esperei que ele me seguisse até aqui, ainda que pensando bem, essa não seria uma má ideia.

:- Sabia que o rock surgiu como um ritmo musical que quebrou padrões conservadores dos anos 1950, pós Guerra, tanto para negros como para os brancos. – Comentei limpando minha câmera Polaroid e ele se aproximava, ficou comum o tema rock em nossas conversas.

:- Você está bem? - Ele ignorou meu comentário.

:- Briguei mais uma vez com Paco antes dele viajar. – Revelei dando os ombros como se fosse irrelevante e é de certa maneira, o que pegava mesmo era ser tão atraída por um cara que definitivamente não posso ter, no caso, ele.

:- Eu nunca vim aqui. – Mudou o assunto e eu dei um sorriso de lado pensando o quanto falamos sobre meu estúdio, mas ele realmente nunca tinha vindo aqui.

:- Pois é pode explorar minha caverna. – Eu sorri voltando a atenção para minha câmera.

Foi justamente o que ele fez, eu poderia fazer como os outros e apresentar o meu lugar, mas queria que ele mesmo descobrisse por si só. Ele andava olhando atento a todos os detalhes desde a cor das paredes, os móveis e meus equipamentos para minhas sessões de fotos. Curiosamente ele parou em frente a um mural de fotos que eu tinha.

:- Você já foi ruiva? – Ele me perguntou surpreso e eu arregalei os olhos por não lembrar que tinha essa foto ali exposta. Na verdade deveria ser Toni que tinha colocado da última vez em que ele esteve aqui e falamos sobre fotos antigas, me aproximei para ver o que ele estava vendo. Soltei um riso.

:- Já tive cabelos de muitas cores se você perceber. – Eu sorri apontando para outras fotos de quando eu era adolescente e no começo da minha banda. – Esse aqui era o Steve. – Eu apontei para ele e Poncho olhou por um tempo e depois me olhou e percebeu que eu não tinha uma expressão boa e mudou de assunto.

:- Você ficou linda ruiva! – Ele voltou a olhar a foto onde eu estava com uma guitarra no palco, em meio a algum show e o meu cabelo estava longo e pintado de vermelho.

:- Obrigada. Foi a cor que eu mais me identifiquei, me representava muito. Apesar dos pesares tenho lembranças boas dessa época.

:- Posso? – Ele fez menção de pegar a foto e eu assenti. Ele deu um sorriso ao ver de perto minha foto. E daí eu tive uma ideia.

:- Vem aqui comigo me deixa tentar algo. – Puxei ele pelo braço para a outra entrada do estúdio e escutei ele assobiar admirado. Liguei as luzes para iluminar o amplo espaço. – Fica aqui. – Eu caminhei até mudarmos de lado e o posicionei, mexi no seu cabelo e me afastei para ajustar minha câmera.

Sim, eu queria tirar uma foto dele, da última vez acabou de uma forma inesperada, mas já superamos isso, não é? Ele não se opôs, ao contrário fez uma pose depois de guardar com cuidado a minha foto no bolso da sua calça. Dei o primeiro clique e tirei a foto para ver como ela ficou, dei um sorriso, Poncho seria um belo modelo se quisesse.

:- O que acha? – Ele me perguntou vendo que eu estava distraída com meus pensamentos, estava numa outra pose e eu tirei outra foto. E ele foi fazendo outras poses e eu tirei suas fotos até que ele veio conferir o resultado.

:- Sou eu mesmo? – Ele sorria olhando minhas fotos.

:- É uma versão sua menos tímida para a minha lente. – Eu sorri.

:- Menos tímida? Eu fiz o meu melhor. O que seria uma ótima pose então? – Ele estava ofendido e eu não evitei rir porque apesar da minha implicação ele estava ótimo em modéstia pura eu sou excelente fotógrafa.

:- Imagine que essa lente faz parte do seu olho, uma extensão da sua pupila, quando você clicar aqui será o momento que você vai piscar e aí você vai ter essa imagem para si mesmo como se transformasse um momento em algo muito mais amplo. – Eu apontei para minha câmera e fui o instruindo. – Entendeu o que quis lhe dizer? – Ele afirmou com a cabeça, então eu entreguei minha câmera.

Andei alguns passos onde vi que a luz ficaria boa apesar de estamos de noite eu troquei as luzes do meu estúdio havia dois dias, com o melhor que havia no mercado, eram luzes mais potentes. Ter uma boa luz refletia diretamente numa boa foto. Eu fiquei de costas e me virei para olhar para ele assim pudesse tirar minha foto. O segredo é não se intimidar com a câmera e pensar em como quer que a foto te represente. Poncho estava olhando para a câmera e depois me olhou ele parou alguns segundos e ficou me olhando, eu não sabia o que pensar direito e isso me deixou curiosa por que eu não sabia o que ele pensava de mim. Ele passou a me olhar debaixo para cima, não era uma análise como a maioria dos homens faz e por vezes constrangem a nós mulheres nos comparando a um pedaço de carne, e sim aquele olhar admirado como se ele me enxergasse em vez de apenas me olhar.

Voltou a posicionar a câmera e tirou a primeira foto, tirou e ficou olhando para ela.

:- Deixa eu ver se você é bom fotógrafo. – Impliquei com ele e fui ver o resultado. A foto saiu desfocada, se ele entendesse mais poderia me posicionar para ter mais luz na foto. – É parece que eu vou ter que te ensinar. – Sorri, mas ele estava me olhando e não parecia me ouvir. - Poncho?

:- Quantas tatuagens você tem? – Ele me perguntou.

:- Ah. É por isso que está desligado? Tenho vinte tatuagens estão espalhadas pelo meu corpo, a maioria é pequena por isso não parece, as maiores que eu tenho são essas aqui. – Me virei de costas e afastei o meu macacão para que ele visse melhor, esse era um assunto que nós não tínhamos conversado, achava que ele condenava tatuagens nunca o vi confortável para falar sobre as minhas.

:- O que elas significam? – Ele me perguntou e o senti tocar a rosa com a ponta dos dedos e imediatamente eu me arrepiei com o seu toque, ele percebeu e afastou sua mão, trocamos olhares desconfortáveis, senti meu coração bater mais rápido, mas tinha que me concentrar para responder.

:- Se eu fosse falar de cada uma ficaríamos horas conversando. Para resumir, todas elas têm a base da cor azul, em vez de preto como é a maioria, além de ser minha cor favorita, me dá a impressão de ser mais desenhado o traço fica mais bonito. O olho com lágrima escorrendo fiz quando estava de luto por Steve, é a representação das minhas decepções; a flecha acertando o coração é sobre quando me apaixonei significa a minha paixão em todos os sentidos em minha vida; o girassol fiz a pouco tempo é minha vitalidade e a rosa me representa como mulher espinhosa que sou. – Sorri ao ver que ele sorria também, ele voltou a tocar minhas costas e mais uma vez me arrepiei, dessa vez ele continuou tocando olhando bem de perto os detalhes. Sabe como é difícil fingir que não se importa quando alguém que você quer te toca? Estou nessa exata situação. Desde que nós voltamos a nos falar eu sempre respeitei Poncho ao máximo, mas dessa vez deixei as palavras fluírem. – Fora essas eu tenho as outras tatuagens que estão à vista, como nos pulsos e antebraço, tenho também no pé, na coxa e agora o resto só conseguirá ver se eu estiver sem roupa.

Para concluir a primeira cantada que soltei depois de tanto tempo, o analisei do pescoço para os olhos de baixo para cima, e não mascarei que era isso mesmo o que tinha para falar. Esperei Poncho me recriminar, mas ele não o fez só tirou a mão devagar das minhas costas e eu pensei que em sua cabeça mesmo que ele não quisesse estava me imaginando nua.

E por ele ficar completamente calado resolvi insistir mais pouco quem sabe ele cedia assim.

:- Quer ver? – Eu perguntei. E quando vi os olhos dele se arregalarem, tive que soltar um sorriso. – Estou brincando Poncho. – E então a expressão se suavizou. Ainda que eu pensava que não teria nada demais, ele apenas queria ver minhas tatuagens, oras.

:- Me diz uma coisa, ás vezes fico pensando um cara bom como você não gostaria de mim. Logo eu uma roqueira, uma garota má, a menos que... Me diz, Poncho, qual é o seu lado obscuro? - Eu sorri porque estava muito curiosa e ele estava desnorteado por eu ter acabado de cantar ele.

:- Eu não tenho. – Ele se aproximou para dizer isso e falou num tom de voz baixo, sua voz saiu rouca, eu estava tão arrepiada tanto quando ele tocou suavemente minhas costas. Ele estava me provocando? Não é possível. Fiquei perdida por que ele estava me instigando a ser um mistério assim como quando eu o conheci. – Eu quero te mostra algo. Me segue. – Ele me devolveu a minha câmera e pegou as fotos que nós tiramos, voltamos para a sala principal do meu estúdio, ali ele se sentou em frente da minha mesa. – Aqui é tão grande que dá para você morar se quiser.

Eu ri enquanto pegava na mini cozinha, algo para bebermos, suco de melão com limão. Ele tinha razão, um tempo atrás quando eu percebi que ficaria mais tempo por aqui pensei em ficar só no meu estúdio, mas desistir ao pensar que Toni estava sozinho em casa e era enorme, aqui teria que fazer algumas adaptações, fora que era meu local de trabalho. Não seria lógico misturar os dois ambientes.

Quando voltei Poncho tinha alinhado as fotos que tiramos na mesa, agradeceu o suco e tirou sua carteira do bolso e um pequeno estojo e da sua carteira ele tirou a foto que eu tinha tirado dele no dia em que o beijei. Ele chegou a me olhar de relance, não quis pensar o porquê de guardar aquela foto, afinal na minha cabeça ele já a tinha destruído. O melhor que tinha a fazer é não comentar nada sobre isso, esse dia já deu o que tinha que dar. Depois abriu seu estojo e de lá tirou uma caneta pequena que cabia em seu bolso, e nas nossas fotos ele começou a desenhar e eu fiquei surpresa porque ele era muito talentoso.

:- Paralelo enquanto fazia faculdade de Teologia, eu estudava desenho no pouco tempo vago. – Ele me disse ao terminar de fazer uma menina ruiva que representava. Ele realmente tinha gostado mesmo daquela foto minha. – Eu ficava vendo os quadros retratando a arte renascentista e ficava admirado, então comecei a desenhar.

Estava completamente surpresa não imaginaria que Poncho tem um lado artista assim como eu e o quanto ele é extremamente talentoso, olhei para as nossas fotos e para os seus desenhos nelas. Fiquei tanto tempo admirando que percebi um clima estranho ele não falava nada há minutos e quando levantei a cabeça para olhá-lo, estava me encarando profundamente mais uma vez naquela noite.

:- O que foi Poncho? – Eu perguntei estranhando a atitude dele que não me respondeu. Ficou mais um tempo me olhando até que ele se aproximou. E me beijou. Os segundos que eu demorei em entender o que estava acontecendo foi o tempo em que justamente o senti se separar bruscamente de mim. E me olhar assustado.

:- Me desculpe!

Foi sua única declaração depois disso ele se levantou da mesa, pegou os seus pertences e saiu caminhando apressado para a porta do meu estúdio. Ele me beijou. Coloquei os dedos na minha boca como forma de me fazer acreditar no que tinha acabado de acontecer, não tive nenhuma explicação ainda por cima, eu vi no olhar dele tudo em completa confusão.

Oh, how did it come to this?

Oh, love is a polaroid

Better in a picture

Never could fill the void

Polaroid – Imagine Dragons

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