Sin Dolor

En mis ojos mil tormentas del pasado


Ver meu pai incomodado e tentando disfarçar isso ao máximo quase me fez sorrir, porém evitei já que ele percebeu que eu estava o olhando diretamente e levemente deu os ombros. Sabia que para ele aquele seria um grande teste. Quem diria que há três semanas eu e ele estaríamos brigando de soco? Loucura.

Tudo comigo tinha que ser tudo ou nada e desde o que aconteceu no Festival do Milho esse meu lema foi levado ao pé da letra, a minha noite foi tão insana que vez ou outra ainda mesmo depois de se convencer que eu me cuidaria, Vó Dolores, estava desconfiada. Nossa ligação só se intensificou desde que voltei para casa dois dias depois e a minha ligação com o meu irmão também já que eu resolvi aceitar um trabalho que me ofereceram longe dali era uma grande decisão e foi ela que ditou meus últimos dias. Prometi a minha vó que me acertaria com meu pai, ainda que eu tenha pensado que ela bateu com a cabeça antes de me pedir isso, aceitei.

No nosso maior jeito orgulhoso, nos desculpamos naquela manhã ensolarada onde justamente estávamos próximo a lagoa que deu nome de origem do vilarejo fazendo um piquenique familiar. Isso mesmo que vocês estão lendo. Eu estou num momento família e isso incluía meu pai.

Porque eu abaixei minha guarda? Bem, eu presenciei a cena do meu pai pedindo perdão a Toni. Foi algo que eu jamais imaginei presenciar na minha vida, ele de joelhos rogando para que o filho o perdoasse por todo o mal que ele tinha feito, meu pai estava ali puro e arrependido, se desculpando por todos os seus erros do passado inclusive. Todos a volta eram só lágrimas ao ver a cena, eu só conseguia encarar tudo apática. Pensando que ele tinha feito a sua obrigação paterna, mesmo sabendo como era importante para Toni restabelecer sua relação com nosso pai o quanto antes talvez por isso aceitei vir a esse piquenique, seria bem importante para todos, porque não aceitar? Vó Dolores estava muito feliz, como há muito tempo não a via. Sorria bastante, ria das histórias de todos abertamente.

Meu pai tentou disfarçar novamente, mas dessa vez fez uma expressão de assustado ao ver Noah beijar Toni enquanto eles conversavam com Thomas e Naomi. Eu só não vou implicar porque há pouco tempo ele descobriu o verdadeiro eu do meu irmão, ou melhor, enxergou porque sempre soube que era impossível ele não ter percebido antes. E agora cobrar que ele não ficasse incomodado cada vez em que meu irmão namora o seu amor, é pedir muito talvez. Já demos um grande passo com o dia de hoje. Vamos ver o futuro.

:- Dulce você aceitou mesmo o trabalho que sua amiga te ofereceu? - Júlia me perguntou enquanto cortava uma fatia do bolo de cenoura para comer. Ela estava conversando com minha vó que agora me encarava sorrindo de lado, eu fui e me alinhei nos braços dela isso me ajudaria a responder.

:- Sim, Júlia, eu pensei bastante e ela me convenceu, é o ensaio de sua gravidez e são trigêmeos. Somos amigas faz muito tempo, nem vou cobrar nada dela será como o meu presente.

:- Eu sou apaixonada por sessões de fotos de grávidas, é de uma delicadeza encantadora. – Ela sorriu e eu pensei em como aquela mulher adorável nunca quis ter filhos.

:- Não tenho muita experiência, fiz duas sessões similares, só que é bonito fotografar esse momento tão importante na vida de muitas mulheres, estão genuinamente felizes e isso reflete na câmera.

Não sei o porquê já que não tenho esse costume me lembrei da minha mãe grávida de Toni, aquele era um dia nostálgico. Só podia ser! Minhas emoções estavam bagunçadas.

:- Será então uma viagem temporária logo você estará de volta, quando vai? - Julia me perguntou, para depois morder um pedaço de sua fatia. Olhei de relance para Toni e depois fechei os olhos ao sentir que vó Dolores me deu um beijo no topo da cabeça.

:- Na verdade está na hora de ir tenho que fazer minhas malas e abastecer minha moto, tenho muita estrada ainda pela frente. – Eu falei fazendo careta ao ver o horário no meu relógio de pulso.

Sorri ao ouvir algumas reclamações que fizeram e me desalinhei dos braços de vó Dolores para ver ela se levantar. Se for para ir tinha que o fazer de uma vez, assim como quando eu era criança e me machucava, passa logo o mertiolate mesmo que arda. E começando pelo lado mais difícil, abracei meu pai, não sei o que me deu, mas quando vi já tinha feito e ele apesar de rígido não recusou meu abraço. Abracei Júlia que me retribuiu me pedindo para mandar algumas fotos da sessão para ela ver e eu faria isso.

Então fui na direção de Naomi e Thomas, para dar tchau eles estavam animados e cada vez mais a vontade que já pareciam da família, foi um prazer conhecer eles. Me desejaram boa viagem e eu agradeci pedindo para que eles bebessem o que eu não poderia, e eles riram ao buscar na cesta mais uma garrafa do vinho da minha vó. Por falar nela, a procurei com o olhar e a vi do lado da minha moto, então caminhei para o meu mais novo e favorito casal, abracei Noah primeiro.

:- Cuida do meu irmão, bicha. – Eu sorri e ele também.

:- Pois é o que eu mais faço, bicha. Boa viagem, volta viva e sem cicatrizes. – Na verdade eu estava indo para que elas se fechassem. Naomi gritou pelo amigo porque não conseguia abrir a garrafa de vinho já estava bem tonta. Depois que o meu cunhado foi na direção deles, olhei para Toni.

Ele me deu um sorriso resignado e pela primeira vez senti um aperto no peito, se despedir de alguém de quem gostamos pode ser tão doloroso, poucas vezes eu me senti assim, porque era a minha rotina viajar e depois do tanto que eu fiquei por aqui não deveria me sentir mal, eu havia tomado a melhor decisão e apenas Toni sabia.

Não seria uma viagem temporária eu não voltaria tão cedo para Lagoa Azul, finalmente a minha vontade de ir foi maior do que a de ficar. E meu irmão entendeu isso desde que eu o avisei que cairia na estrada novamente.

:- Te amo! – Ele me disse ao me abraçar forte por saber que eu ficaria por tempo indeterminado longe, não que a viagem a trabalho era falsa, mas eu não voltaria aqui depois de concluir minha tarefa.

:- Te amo mais. – Eu disse agora me entregando ao sorriso que brotou no canto dos meus lábios. – Não fica triste, vamos nos falar sempre, ainda mais agora que temos um negócio juntos.

:- Sua obrigação é me atender sempre que eu ligar, não importa o horário e nem com quem esteja. – Ele teve a cara de pau de rir de mim.

:- Eu estou solteira posso fazer o que eu quiser. – Sorri maliciosa e tenho certeza que ele se lembrou das minhas inúmeras aventuras. Um flash de pensamento me levou até Paco, mas eu não senti nada além de liberdade ao pensar no nosso término que não foi fácil, mas era inevitável, não somos um para o outro. Convenhamos, sou uma espécie de areia movediça para o grande caminhão dele. Entendam como quiser!

:- Você não contar para eles o que vai fazer tudo bem, agora não vai dizer nada a ela? - Ele olhou rapidamente para Vó Dolores que esperava eu me despedir do meu irmão há alguns metros de distância.

:- Ela não precisa de mais dor de cabeça, fora a que eu já dei a vida inteira, ela passou a ficar adoentada esses dias para que vou contar? Até porque pretendo fazer com que ela vá me encontrar, faz tempo que não viajamos juntas. – Sorri pensando na possibilidade, na verdade, assim que eu voltasse para a minha casa seria a primeira providência que tomaria, só tinha que pensar no nosso destino.

:- Eu até posso tentar entender essa sua cabeça complicada, mas não vai nem se despedir dele?

Autch! Toni me acertou em cheio, eu busquei ficar todo esse tempo sem pensar em Poncho e consegui com êxito quando nossa relação está péssima, esquecê-lo durante alguns instantes era bem fácil para falar a verdade.

:- Você sabe que o que eu estou fazendo também é para o bem dele. É a melhor escolha que eu pude fazer por mim. - Toni parou para pensar uns instantes e depois pensando só pelo meu lado e não pelo de Poncho. Ainda assim achei estranho ele não concordava com o que eu faria.

:- Chega desse assunto, já está resolvido por mim. – Fui enfática. Ele fez uma careta e logo veio me abraçar de novo.

:- Boa viagem! Me liga assim que chegar lá no hotel. – Eu assenti e depois do abraço lhe dei um beijo estalado fazendo ficar uma marca do meu batom escuro em sua bochecha branca. Ele voltou para onde estava seu namorado e eu sorri ao ver que ele o abraçou por trás.

Voltei minha cabeça para o presente onde estava à senhora mais velha e eu caminhei para me despedir da mulher da minha vida, aquela mulher enrugada que eu amo tanto.

:- Eu acho engraçado quando vocês ainda tentam esconder certos fatos de mim. – Ela soltou um riso. – Assim como quando vocês eram crianças, eu descubro de um jeito ou de outro. – Ela voltou a rir porque eu estava bem assustada. Como é que eu ainda tentava enganar aquela bruxa?

:- Você sabe que não volto tão cedo?

Ela só me deu um sorriso enigmático fechado e pareceu pensar antes de voltar a falar.

:- Sei o que eu preciso saber! – Me disse e isso não me esclarecia tudo, mas se nem ela queria tocar nesse assunto, quem sou eu? Como eu já cheguei a dizer, seria só dor de cabeça. Eu precisava de outro rumo na minha vida. – Estou me lembrando quando você chegou e a minha felicidade por você ter voltado para o vilarejo, eu estava tão animada que cozinhei tanto e fiz você comer tudo. – Ela riu e me fez rir por me lembrar do meu baquete. – Eu sempre soube que de uma maneira ou de outra que você partiria, é engraçado porque há anos eu desisti da ideia de te colocar numa gaiola, passarinha. Mas, dessa vez foi diferente e meu pressentimento não falhou, ainda que você agora não consiga enxergar isso, minha neta, vai perceber quando estiver longe que as repostas que tanto busca estão logo dentro de você! Então viajar não vai ser mais para fugir e sim para descobrir e reafirmar quem você é. Eu vou deixar você ir embora, porque eu sei que é o que mais precisa nesse momento, mas também por saber que você sempre encontra uma forma de voltar.

Eu vi o seu olhar lacrimejar e pela primeira vez eu também senti vontade de chorar, ela parecia ver que por mais que encontramos uma estabilidade eu ainda tinha sofrimento no meu olhar.

:- Eu te amo! – Falei como se aquela frase fosse a única resposta que eu tinha certeza de ter encontrado e de que nunca me desfaria.

:- Se cuida minha neta. – Ela poderia ter falado de forma automática como falamos para nos despedir ás vezes, todavia, ela falou com tanto peso como uma ordem. Eu tinha que me cuidar e isso me fez pensar que ela sabia muito mais do que eu deduzi. – Agora que passamos pela parte chata de despedida, vamos a parte mais alegre. – Ela sorriu, mas assim como eu deixou escapar algumas lágrimas, dificilmente vó Dolores chorava na minha frente e nas minhas despedidas. – Olhe bem a cena que temos aqui. – Eu a abracei de lado e fiz o que ela pediu.

O dia estava lindo chegava a ser irritante até, tínhamos um lençol quadriculado enorme na grama bem perto da lagoa. Estávamos ali desde antes do amanhecer, queríamos realmente aproveitar, pescamos, nadamos e agora estávamos ali comendo e nos adorando. Aquela era a paz depois de tanto tempo em conflito meu com o meu pai, estávamos ali como sinal de que cada um ergueu sua bandeira branca. Mais por estarmos cansados, só com mais um pouco nos destruiríamos mesmo que não houve uma conversa, um perdão entre nós dois, aquele clima ameno em prol da família já bastou para me fazer sentir melhor, minhas cicatrizes com ele são profundas demais. E sinto que o meu pai também se sentia assim.

:- Obrigada por ter aceitado participar disso. – Ela me agradeceu e sabia que falava justamente sobre a briga entre eu e o meu pai, meu irmão me contou que depois do acontecido quando eu já tinha saído de casa, minha vó foi até a casa do meu pai e ficou com ele durante horas trancados. Sabe se lá o que essa mulher falou para esse homem, só sei que deu certo. Ele foi pedir perdão ao meu irmão e o clima ficou leve comigo, a mão que eu bati nele doeu durante muito tempo até mesmo quando o roxo tinha sumido. – Sei que se dependesse de você apagaria o dia do festival da história, como muitas vezes eu já quis fazer depois de saber o que você aprontava.

Ela me fez rir, eu não sei como vó Dolores não teve cabelos brancos antes da hora, porque não está escrito tudo o que eu tinha feito àquela mulher passar e como ela sempre me deu amor apesar de me educar.

:- Mas, pense pelo lado bom de tudo ter acontecido. – Eu deixei de olhar a cena deles comendo e conversando para olhar para aquela senhora e a encarar. – Faça isso e verá que daqui para frente terá outro significado. – Ela piscou e então sorriu, eu lhe devolvi o sorriso e ela veio me abraçar, eu a envolvi com os meus braços e a apertei no mais próximo de um abraço de urso que podia.

Perdi a conta de quantos segundos ficamos abraçadas e de como aquilo foi bom para mim. Ainda que eu tenha usado todo o tempo desde que voltei para casa de Toni para aproveitar ao máximo minha estadia ali com eles, sinto só agora que se tivesse ido sem dizer a ela que não voltaria tão cedo, me arrependeria.

Ela me sussurrou que me amava e então me apertou antes de me soltar eu sorri porque estranhamente me senti bem por não precisar enganar ela quanto a minha partida.

Montei na minha moto e buzinei para acenar para os outros uma última vez, coloquei meu capacete e liguei o motor para sair deslizando pela estrada de terra, olhei para o retrovisor vendo a cena de todos me acenando e se despedindo e especialmente minha vó sorrindo para mim.

Ela realmente sabia o que me dizer, dirigindo até a casa de Toni, fiquei pensando sobre o que ela me disse. Não egoistamente falando porque se dependesse só pelo o que aconteceu comigo eu teria sim mudado o rumo daquele dia, porém se fosse pensar por Toni, pela vó Dolores, enfim pela minha família. Foi o melhor que poderia passar. Antes que vocês me achem uma maluca vou explicar.

Depois do escândalo que aconteceu Toni ficou mal não pelo o que fizeram, mas pelo o que meu pai fez. Assim que ele veio pedir perdão, meu irmão renasceu. Ele já era alguém de bem com a vida só que isso se intensificou ele não tinha nada mais para esconder, então começou a namorar Noah e apaixonado ele estava melhor do que já esteve em sua vida toda. É maluco pensar como um dia horrível pode ter trazido algo tão maravilhoso para nossa vida, verdade? Tudo isso me influencia por que ver meu irmão feliz, me faz feliz. E graças a isso me sentia segura em ir naquele instante.

Quando a cabeça esta trabalhando ao máximo de pensamentos e lembranças enquanto as minhas emoções estão desalinhadas, sequer percebi quando cheguei à garagem da casa de Toni. Eu havia mentido, na realidade eu já havia feito minhas malas, já estava tudo preparado para a minha viagem o que eu precisava mesmo era tomar um banho e me arrumar, assim eu tinha o momento perfeito para ir antes que todos voltassem. E continuei fazendo tudo no automático, ainda que fosse inusitado pensar que estava fazendo isso ou aquilo pela última vez antes de partir. Tomei um banho rápido, com a cabeça pensando no que eu tinha vivido desde a minha chegada, eu estava tão inerte aos meus pensamentos que estava já vestida de forma simples, já tinha secado meu cabelo e me maquiava. Olhei o meu reflexo e pensei em como eu estava fazendo tudo às pressas como se estivesse atrasada.

Eu parecia fugir realmente como minha vó me acusou, só não queria me dar à chance de me arrepender do que estava fazendo não sou o tipo de pessoa que volta atrás. Deixei de me olhar no espelho, não precisaria de maquiagem esse tipo de vaidade é um luxo que seria destruído com horas de estrada, ou seja, desnecessário olhei ao redor do meu quarto e me lembrei das minhas partidas por diversos motivos, eu tinha tudo pronto agora era partir e porque eu não fazia logo de uma vez? Suspirando peguei minha carteira e de lá tirei uma foto dobrada, era uma cópia, que ainda assim surtia um efeito grande em mim. Era a foto que eu mais gostei da sessão de fotos que fiz com o Poncho.

Eu estava convicta de que estava fazendo o certo, então porque me sentia mal por isso? Essa era uma resposta que só saberia responder depois pensei guardando a foto novamente na minha carteira, peguei minhas malas e as levei para onde estava minha motocicleta. Guardei nos suportes nas laterais da minha moto, e minha mochila no baú, junto com as comidas para minha primeira parada que faria dali a cinco horas quando fosse de madrugada. Agora estava começando a anoitecer e ninguém tinha chegado ainda, isso era bom, eu acho. Olhei de relance para o meu estúdio agora trancado deixei ordens para meu irmão cuidar daquele lugar sagrado enquanto eu não voltasse. Coloquei minhas luvas e estava prestes a sentar na minha moto quando escutei passos atrás de mim.

Me virei para ver quem era.

E não esperava que fosse justamente ele.

:- Então é verdade você está indo embora e sequer ia se despedir de mim? – Poncho me colocou logo contra a parede e eu pensei que filho da puta é o meu irmão, com todo respeito que tenho com a nossa mãe sabe-se lá onde ela estiver, era por isso ele tinha concordado comigo. Para depois me aprontar uma dessas. – Porque não se despediria de mim? – Ele me questionou de novo.

Justamente no festival do milho foi à última vez que eu realmente vi Poncho, eu o evitei durante todo esse tempo, estranhamente ele respeitou isso, também se afastou. Ao menos agora eu teria a lembrança mais nítida dele e agora sendo muito sincera doía mais ir. Porque ele estava ali na minha frente.

:- Estou partindo porque é o melhor para mim. – Eu disse o encarando.

:- Como assim? – Ele ficou confuso, se aproximando mais e ele olhou indeciso entre os meus olhos e a minha moto com as minhas malas parecia não querer acreditar no que eu faria.

:- Não te devo explicações, Poncho. – Fui ríspida eu confesso, mas ele também tinha que facilitar para o meu lado.

:- Não me deve? – Ele olhou para a calçada e colocou as mãos na cintura, depois passou a língua pelo lábio inferior porque ele estava agora irritado. – Você entra na minha vida e a bagunça e agora vai embora sem mais e nem menos? – Ele falou num tom mais alto que o normal para ele.

:- É justamente por isso. – Eu devolvi. – Eu baguncei a sua vida. – Poncho estava mais confuso ele passou a mão no rosto liso e sem barba sem entender a razão literal. – E vi o que fizeram com você, eu estava tão focada em nós dois que não percebi que minhas ações poderiam prejudicar muito a sua vida. Você sabe do que eu estou falando! – Afirmei antes que ele me negasse. – Eu vi Poncho, como a grande maioria apesar de tudo o que falei passou a te tratar mal, porque eles juram que eu o levei para o mau caminho. Eles conseguiram estragar a nossa relação com suas línguas afiadas que jorram veneno em forma de fofoca, eu não me importo com o que falam, mas e você? A que ponto eu tenho o direito de acabar com a sua vida por um mero capricho?

Poncho que me ouvia atento teve um sobressalto quando eu mencionei do meu capricho, olhei para o seu peito onde estava o seu crucifico. Então era chegada a hora de revelar mais de minhas verdades, seria como antes ele conseguiria me fazer abrir com ele.

:- Eu queria transar com você! E nunca uma transa me custou tanto. – Eu falei por fim sem jogos revelando meu desejo por ele. – E eu pensei muitas vezes em mandar a sua religião se foder porque eu não entendo como pode se reprimir de ser quem nós somos. Seres que tem que viver a nossa sexualidade de forma plena e complementar, sem regras idiotas, eu nunca fui muito de seguir o sistema. Nem o musical, político e sequer o religioso.

:- Pensei que fossemos amigos. – Foi o que Poncho me disse e dava para sentir o quanto ele estava decepcionado comigo.

:- E nós fomos e quantas vezes eu me recriminei porque não poderia desejar tanto um amigo assim você estava se tornando muito mais do que eu esperei, não sei lidar com isso, não posso destruir a vida de alguém que estudou anos para seguir sua vocação religiosa. Eu detestava saber sobre suas histórias como padre, eu sempre mudei e não toquei nesse assunto porque assim me sentia mais confortável. Porque isso além de te deixar mais proibido, me fazia te querer ainda mais. Você sabe disso!

Poncho engoliu saliva e não soube o que me responder. Me lembrei de quanto ele me beijou de como eu nunca saberia a razão pelo que ele fez isso. Não depois de ver como pessoas como Bart, Andrea e Cris o maltrataram por minha causa.

:- Eu trai Paco com você e por mais que gostasse dele não me arrependo de nada. – Eu disse. – Você não tem ideia de quantas vezes eu tive sonhos eróticos com você transando dentro de igrejas, confessionários e até mesmo em meio a missas, depois que você me beijou eu estava disposta a te seduzir até eu conseguir o que eu queria. – Revelei. – Mas, o dia do festival do milho, mudou tudo. Por que naquela noite eu surtei de novo e é por isso que eu estou indo embora.

:- O que aconteceu naquela noite?

Me deixei contaminar quanto as minhas lembranças fechei os olhos e senti vontade de chorar como nunca, mas não faria isso na frente dele. Ficou me encarando esperando que eu falasse talvez aquela seria a primeira vez que eu diria o que aconteceu em voz alta.

:- Eu fui para a capital num bar que fica numa zona violenta, lá eu bebia muito, mas o álcool não conseguia me tirar da minha realidade, fui atrás de cocaína, eu cheirei como há anos eu não fazia. Eu tinha quebrado a promessa para o meu irmão que nenhum mal o atingiria, eu tinha que quebrar a cara do meu pai por o fazer passar por tal humilhação. Eu me meti numa briga e bati tanto num cara que quebrei o braço dele, pode até não parecer, mas eu sei machucar os outros. – Eu falei o fazendo perceber que isso também serve para ele. – Chamaram a polícia e fui presa, sai de lá com a fiança paga, paguei também para não ter nenhum julgamento, dinheiro compra muito nesse país, verdade? Toni foi me buscar e eu já tinha voltado em mim. – Eu encostei na minha moto, mas minha cabeça estava no meu passado. – Sou essa pessoa Poncho, eu vou embora porque vou me internar novamente numa clínica de habilitação, não vou voltar a ter esse surto, já tinha prometido que jamais voltaria a se assim e não vou deixar o tempo passar e surtar outra vez por qualquer motivo e ser tão infeliz ao ponto de ter uma overdose como Steve e que minha família me encontre morta.

Ficamos num completo silêncio olhei para a rua que àquela hora estranhamente não passava ninguém, eu estava me despedindo dele revelando parte ruim de quem eu sou. Poncho ficou tão impressionado com tudo o que eu disse que ficou apenas calado, me olhando com pesar. Ele sabia no fundo que eu estava fazendo o melhor e eu cortaria aquele mal pela raiz.

:- Vou cuidar da minha vida, Poncho. Melhor você cuidar da sua também. – Eu disse pegando meu capacete e colocando e lhe virei às costas.

Literalmente, montei na minha moto e sai dali sem sequer olhar para trás, cai da estrada com o meu passado passando por minha mente. Havia outro motivo pelo qual eu estava indo embora que não revelei para ninguém, nem para eu mesma, eu estava perdidamente apaixonada por aquele homem. E só eu sabia como já havia sofrido por Steve, não poderia me deixar ser magoada novamente por homem nenhum, por isso eu magoei Poncho sem pudor. Não seria um empecilho em sua vida, eu acabei o que mal tinha começado entre nós dois.

A noite tinha caído desde que eu tinha começado minha viagem, eu senti meu celular vibrar no meu bolso da jaqueta de couro, mas estava ainda tão atordoada por pensar em Poncho que não dei importância, logo eu retornaria na minha primeira parada.

O único som que me tirou do meu estado foi de uma buzina que soava insistente atrás de mim. Depois disso chegaram os faróis altos na minha direção, eu estranhei já que se fosse para fazer uma ultrapassagem a estrada estava livre para isso, olhei para trás para tentar entender o que estava acontecendo. E tinha um carro me seguindo, vindo em alta velocidade enquanto eu passei a diminuir a minha talvez precisassem de ajuda, me direcionei para o acostamento. O carro me seguiu e parou atrás da minha moto ainda com os faróis ligados fazendo com que eu não conseguisse enxergar quem estava dentro do carro, eu tomei um susto por jamais esperar que saíssem daquele carro Noah e Toni.

Engoli saliva sentindo meu peito apertar, logo desci da minha moto e tirei o capacete, ficando preocupada, ao ver como Noah praticamente ajudava Toni a andar e ele tinha uma expressão tão apreensiva no rosto, passei a respirar rapidamente.

Meu irmão assim que me viu literalmente correu para os meus braços e me abraçou fortemente, ele fez o mesmo quando tinha três anos e tinha pesadelos, eu olhava para baixo tentando o segurar, ele se ajoelhou e escondeu a cabeça na minha barriga e eu olhei para Noah com a esperança de que ele me falasse qualquer coisa. Ele só nos encarava com receio, comecei a ser dominada pelo meu medo me voltei ao meu irmão.

:- O que aconteceu Toni? O que aconteceu? – Meu tom de voz soou desesperado. E eu tentei fazer com que ele me olhasse e puxando sua cabeça para cima vi então os seus olhos claros tão tristes e agora mareados, ele parecia ter segurado o choro por muito tempo, pelo menos até me ver.

:- Nossa vó Dulce, vó Dolores morreu. – Ele disse para depois desabar em lágrimas, eu só sentir meus joelhos cederem porque eu perdi minhas forças.

In my time of dying, want nobody to mourn

all i want for you to do is take my body home

Well, so i can die easy

In My Time Of Dying – Led Zeppelin

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