Sin Dolor

Dame um minuto sin dolor


Dei um passo à frente enquanto eu fechei meus olhos e senti a brisa tocar meu rosto e a chuva me molhasse, por conta disso senti o cheiro forte de uva das plantações que não estavam distantes.

Isso me fez abrir os olhos com um sorriso escondido no canto dos meus lábios. Por incrível que pareça voltar a este lugar me trouxe conforto, algo que antes eu sequer poderia imaginar. Eu não tenho religião sou contra qualquer desse tipo de coisa que desune as pessoas e essa opinião já me meteu em grandes confusões como debates sem sentidos ou discussões desnecessárias. Eu acredito em muita coisa, como da vez que após sair de um bar eu vi um disco voador, ninguém me convence do contrário se minhas... Como posso dizer? Convicções ou imaginações como queiram pensar, tenho de sobra então para que preciso de religião? Eu prefiro em vez do abstrato e invisível acreditar em algo mais físico, passei a minha vida inteira acreditando nisso.

Isso até vó Dolores partir. Ela sempre me disse que quando fosse embora seria ‘porra louca’ como dizem por aí os desbocados, nadaria no céu noturno e estrelado como se estivesse no mar. Mesmo quando ela me revelou esse desejo estivesse bêbada, o céu à noite me lembra ela. Estrelas cadentes só poderiam ser ela! Eu a sinto muito presente na minha vida, em detalhes desde que aceitei sua morte.

Poderia ser outra pessoa nesse instante, poderia sequer estar aqui. Vó Dolores sempre foi minha melhor guia e mesmo com sua partida ela continua sendo, foi ela que me fez voltar aqui depois de um ano fora resolvendo minha vida.

Querem saber? É justamente isso, eu sofri com sua morte até entender como eu poderia celebrar a sua vida. O amor que eu sinto por minha vó é eterno isso não vai mudar porque seu corpo não está mais presente na Terra, eu a sinto comigo, ela sempre foi minha conexão com a sanidade, ela sempre conseguiu trazer luz a minha vida, como me trazer de volta.

Ao saber da sua morte tive ordens do meu cérebro para amparar Toni, foi o que eu fiz. Voltamos para casa e me contaram que ela simplesmente morreu dormindo.

Eu entrei em seu quarto e a vi ali, foi à última vez em que a vi. Depois disso cuidei da parte burocrática, organizei tudo, gastei o que seria necessário para ela ir dignamente, mas não poderia ver. Não participaria do seu enterro.

Depois de beber o seu melhor vinho, estava pronta para sair de Lagoa Azul até que escutei Andréa falando para um grupo de senhoras que minha vó tinha ido tarde. Meus punhos cerraram, não fiquei para escutar mais da maldita conversa, eu só olhei a hora e precisava escolher o método.

Meu irmão me disse que Andréa não foi ao enterro da minha vó porque vândalos quebraram sua loja do comércio e houve um acidente com um cano, a loja ficou inundada de água. Eu só lamento eu não ter tido o prazer de ver sua reação após eu ter destruído sua loja.

Para fazer um resumo para vocês, foi depois disso que eu me vi perdida e sumi até me acharem e eu me internar na clínica de reabilitação e minha vida mudar.

:- Você ainda continua maluca como sempre. – Escutei a voz dele atrás de mim. Se protegendo da chuva.

Voltei meu corpo para encará-lo.

:- Porque isso mudaria? – O questionei analisando aquela situação. Júlia me dizia que ele tinha o costume de vir para este local mais afastado da fazenda para se isolar e chorar. Não pensei que ele ainda fizesse depois de tanto tempo. Vó Dolores deveria voltar e puxar a orelha dele.

:- Eu não sei. – Meu pai parecia mais velho desde a última vez em que o vi, estava grisalho, com o olhar triste. Por um lado, eu entendo hoje seria o aniversário da sua mãe. Ele limpou as lágrimas que escorriam silenciosas, eu poderia contar no dedo às vezes em que vi meu pai chorar, foram três vezes contando com esta. – Como consegue? – Ele fez uma pergunta sem lógica, deixando no ar para que eu adivinhasse o que ele queria me dizer.

:- Eu acabei de chegar de viagem já bebi três garrafas de vinho, estou bêbada para pensar. Pode ser mais específico?

:- Como conseguiu superar a morte dela tão rápido? – Ele me perguntou caminhando para onde eu estava e parando do meu lado, também se molhando.

:- Tenho experiência em superar mortes. – Eu dei um sorriso de lado por conta do meu humor mórbido e voltei a ficar séria. – Vó Dolores não precisa que fiquemos aqui chorando por ela. – Olhei para os seus olhos onde antes ele chorava. Meu pai ficou num completo silêncio por alguns segundos só dava para escutar o barulho da chuva caindo em nós dois. – Antes de partir ela me mostrou como não me desfazer por completo, ela me mostrou que tenho que viver ainda mais intensamente do que antes por que dessa vez vivo com qualidade. Além do mais, gosto de imaginar ela em alguma nuvem bebendo muito vinho e contando da sua vida na Terra para alguma espécie de anjo. – Contei uma história para ver se ele entendia o meu lado, tive que apelar por seu lado católico.

Meu pai soltou um sorriso. Isso mesmo, eu fiz o meu pai rir. Até eu estava chocada com aquela estranha situação.

:- Pare de chorar por ela. – Eu disse como um conselho para completar meu relato. – Ela já foi não tem mais jeito. Quando senti vontade de chorar pense no quanto ela foi alguém maravilhoso, ela conseguiu fazer com que tivéssemos uma conversa civilizada por mais de cinco minutos sem trocar nenhuma farpa!

Ele concordou com a cabeça e olhou para o horizonte, nossa relação mudou desde que tivemos em que nos falar mais para tocar para frente o negócio de Vó Dolores, era como se a velha tivesse um plano de união tão perfeito que mesmo depois de bater as botas ainda sentimos esse efeito apaziguador.

:- Eu choro por que eu sinto a falta dela, saudade dói.

Foi a minha vez de ficar em silêncio era impossível não concordar com ele. Meu pai deve ter sentido que tocou num ponto frágil por que me encarou de lado por um bom tempo, me avaliando, talvez.

:- O que te trouxe aqui? – Por fim me perguntou.

:- Queria passar o aniversário da minha vó na sua fazenda. – Eu disse imediatamente e ele cruzou os braços me encarando sabendo que tinha algo a mais. Fiquei calada sem a intenção de falar mais nada, nossa civilidade não significa fraternidade.

:- Por mais que tenha conquistado muitos objetivos nesse último ano, você precisa ir atrás do que você quer, voltar a ter rugas, bem aqui. – Paolo apontou para ao lado de um dos meus olhos. – Quando você sorri verdadeiramente, na pele ali se formam duas rugas que se mescla com o seu olhar deixa ele puxado e apertado que junto com seu sorriso aberto, faz de você puramente feliz. Sem fingimentos.

Eu encarei os olhos dele tão surpresa com o que ele acabou de dizer que não consegui abrir a minha boca.

:- Estou te dizendo isso porque não é a toa ter voltado para Lagoa Azul, apesar dos pesares ainda sou seu pai. Se também me permite um conselho vá atrás do que te faz sorrir com rugas. – Ele me incentivou e eu fiquei desestabilizada, a chuva já era apesar uma fina garoa e mesmo assim estávamos ensopados, meu pai voltou a olhar o horizonte e a cruzar os braços, era um olhar tão firme que me lembrou o outro homem do qual eu não suportava.

A morte de sua mãe o havia transformado, ele já não era o mesmo, mas eu sempre tenho meu pé atrás. Ele foi o primeiro homem a me magoar na vida, aquilo é algo que eu não esqueceria tão fácil. Creio que aquele era o primeiro conselho que ele me dava depois de quinze anos, não fiz questão de privar minhas expressões, ele me acertou em cheio.

Me fez lembrar do verdadeiro motivo para voltar aqui. Eu precisava de notícias de Poncho porque não teve um dia sequer de todo esse tempo em que fiquei fora eu não tenha pensado nele. Com a lembrança da última conversa que tivemos. Mas, eu estava conformada não fiquei fora uma semana ou três meses, muita coisa mudou, eu mudei.

:- Quem é você e o que fez com o Paolo? – Eu perguntei descrente e pela segunda vez, meu pai esboçou um sorriso.

:- Eu tive que perder alguém importante para aprender algumas lições. Uma delas é que a vida passa rápido demais. – Ele deu os ombros. – Não tem curiosidade em saber dele?

Agora ele fez uma pergunta direta e eu fiquei pensando na forma de responder. Como eu não tenho papás na língua, ser direta me parecia óbvio.

:- Você foi à primeira pessoa que me julgou por conta do que eu tinha com Poncho. – Eu neguei com a cabeça o acusando, me lembrando do passado.

:- Tem razão. – Ele concordou com tom de voz duro, esse sim é o meu pai. – Porém, eu escutei algumas de suas conversas com Toni, você sente a falta de Poncho. – Antes que eu pudesse protestar pela invasão de privacidade, ele seguiu falando. – Sua saída daqui foi conturbada, o tempo se passou, mas eu vi como ele ficou após sua partida, se te conheço ainda que negue, você deve ter o magoado e ele não mereceu isso. Deveria ao menos revê-lo antes de partir novamente garanto que ficará melhor após esse reencontro.

:- Revê-lo? – Eu tomei um susto. Até onde eu sabia Poncho saiu de viagem e não tinha voltado para cá.

:- Ele voltou tem dois dias. Poucos sabem, eu sei porque eu o vi chegar de madrugada. – Paolo, me revelou.

:- O que está querendo com isso? – Perguntei desconfiada.

:- Redimi um dos maus que eu causei. – Ele respondeu logo em seguida e isso me fez estreitar os olhos avaliando aquele homem que por mais que parecesse meu pai fisicamente também não era. Creio que desaprendi a tê-lo como figura paterna. – Nós dois sabemos o que realmente veio fazer aqui. – Ele fez um gesto com a mão para que eu saísse.

E eu fiquei o encarando poucos segundos e engoli saliva antes de lhe dar razão, dei as costas e caminhei alguns passos até parar por ele ter voltado a falar.

:- Espero que algum dia possa me perdoar por todo o mal que lhe causei, filha! – Escutei a voz dele tão tensa que sentia até sua vergonha palpável. – Eu amo você, do meu jeito torto e autoritário, mas amo.

Parecia que ele tinha atirado uma flecha nas minhas costas em vez de falar em voz alta essas palavras, a última vez em que ele me disse algo semelhante minha mãe estava viva, eu tive vários flashes de lembranças passando pela minha cabeça. Eu tentei olhar aqui dentro para entender o que eu sentia, sabem? Olhei dentro das minhas gavetas de sentimentos, vasculhei e vasculhei e não achei à recíproca.

:- Quem diria que o líder do rebanho estaria pedindo perdão para a ovelha negra da família. – Eu falei num tom de voz alto ainda de costas, saboreando essa sensação de vitória. – Vamos com calma senhor Paolo, daremos tempo ao tempo. – Lhe lancei um olhar por cima do ombro para ele ver que nem tudo estava perdido, voltei a caminhar para onde estava estacionada minha motocicleta, pensando que se pelo menos não encontrava ódio na minha lista de sentimentos pelo meu pai, aquilo era um bom sinal.

Cai na estrada rumo a centro de Lagoa Azul pensando em como eu reencontraria Poncho. Meu pai poderia me conhecer mais do que eu imaginava, eu só agradeci por ele nos poupar de falar mais um detalhe que seria humilhante algo que eu só admiti em voz alta há pouco tempo.

Eu consegui mudar e renovar minha vida, quando voltei a tocar guitarra, me reencontrei. Ainda na clínica eu compus cinco canções, incluindo melodia e tudo. Voltei a me relacionar com Mart, quando finalmente marcamos de nos ver ele me propôs a ajudar com a perda que eu tive. E foi isso que eu exigi dele.

Não tive espaço para o luto por que me reencontrei com um dos meus amores, minha música, era hora de voltar para os palcos e cada acorde que daria era por ela, Dolores.

Mart brigou por mim. Com os outros da minha antiga gravadora que me queriam para fazer outras propostas, nada do que eu queria, então apresentei um projeto novo totalmente meu. Tinha que ser nas minhas condições e com as pessoas que eu escolhesse.

Entendi como um nome no cenário musical ainda poderia ter peso, com Mart do meu lado aceitaram o meu projeto assim que escutaram pela primeira vez o demo do CD que eu queria gravar. Voltei ao mundo musical e parecia que não tinha saído, fiz uma proposta irrecusável para amigos e amigas do meio, eu tomei a frente de tudo. Estava produzindo, compondo, tocando guitarra, escolhi minha banda formada por apenas mulheres e então nasceu As Valkírias, eu não pensei em nenhum momento no lado comercial deixei isso por conta da gravadora, que me usou como forma de chamar a atenção de todos.

Seria a minha volta para a indústria musical e quando o primeiro single Dolores foi lançado, estava nas primeiras paradas de sucessos. Minha vida deu um salto, eu estava novamente em turnê intensa, não parava em casa, até que sai às quatro da manhã de um bar em Dallas após comemorar mais um show com o pessoal que me dei conta de eu apesar de tudo o que eu tinha, ainda estava incompleta. Eu voltei a sorrir, voltei a sentir prazer, voltei a ter sentido, porém algo me faltava.

Me enxergando no espelho do banheiro daquele bar eu me dei conta que não só esqueci Poncho apesar dos meus esforços, como eu ainda estava completamente apaixonada por ele.

Depois dessa constatação? Eu comecei a dar risada e depois cai num choro intenso, afinal eu estava na merda. Porra, eu sai do vilarejo para não foder com a vida do cara e depois de tanto tempo eu percebo que estou apaixonada por ele! Por um padre? Eu me superei nessa. Agora tudo o que eu queria era pelo menos vê-lo, mesmo que tenhamos perdido o contato e proibi Toni me contar qualquer notícia relacionada a ele. Quem sabe assim eu o esqueceria?

Já até sei o que vão falar. Eu caí numa armadilha que eu mesma criei e foi justamente isso. Pior, eu não conseguia ficar com ninguém sem comparar com ele. Vocês têm noção do que é isso? Estando com alguém e dizer o nome de outra pessoa? Se não sabem, eu posso garantir, é horrível.

Saindo da nossa conversa imaginária, cheguei numa das ruas feitas de paralelepípedos principais do vilarejo, poderia ligar para Toni, mas agora ele estava viajando com Noah e sua família, não o incomodaria com isso, daria o meu jeito. Como encontraria Poncho? Não sei se ele se mudou, se seu pai vive na mesma fazenda. Estava com tanta gana de vê-lo, que não estava raciocinando direito poderia ter passado na fazenda antes.

Talvez o melhor jeito fosse perguntar para qualquer pessoa, lugar pequeno, todo mundo sabe da vida de todo mundo.

Eu estacionei minha moto e enquanto tirava meu capacete escutei o som estridente dos sinos de igreja. Parei para olhar eles balançando e avisando para os desavisados que agora era meio dia, olhei para o céu e fiz uma careta. Ok. Eu não acredito, mas quando estou procurando por um padre, tocar os sinos de uma igreja? Parece que alguém esta se divertindo com a minha cara.

Fazia tanto tempo em que eu não o via e não tinha notícias que seria possível que ele... Ou talvez não. Mas, e se fosse que sim.

Enfim, após essa conversa maluca na minha cabeça eu decidi entrar, me preparando para o pior, subi a escadaria rapidamente e minhas mãos tremiam. Algumas pessoas saiam após terem terminado seus afazeres e eu só conseguia o procurar com os olhos, desde que estive aqui ainda não tinha chegado o padre definitivo para a paróquia. Será que Poncho aceitou essa missão?

A igreja ficou vazia e eu o procurei pela igreja, cheguei até uma sala, onde achei que o encontraria. Um homem cabelos negros, cacheados, mais alto que eu, estava com a vestimenta e de costas para mim. Meu coração acelerou com a possibilidade de ser ele.

:- Poncho? – Eu chamei.

O homem se virou e eu pensei que fosse ter um ataque de nervos com esses segundos para depois explodir de alívio ao ver que não era ele.

:- Não. – O homem jovem assim como Poncho, distante da minha imagem de padres como senhores mais velhos, grisalhos e barrigudos, ao menos todos os padres que eu conhecia eram assim. – Me chamo Joaquim. – Ele disse amigavelmente sorrindo de lado. – Eu não te conheço, é nova por aqui?

Engoli saliva antes de responder.

:- Tecnicamente. – Eu dei os ombros, começando a dar uns passos em direção à porta para sair dali. – Aqui é o lugar onde mora meu irmão, meu pai, onde morava a minha avó. – Respondi o padre que tinha olhos azuis, o que acontecem com esses homens? Ele é bonito, eu dificilmente me concentraria numa missa com um homem assim falando. Acabei de notar que eu tenho fetiche em padres.

:- Quem é o seu pai? Seu irmão? – Joaquim perguntou curioso, talvez não entrem muitas pessoas aqui afobadas como eu.

:- Meu pai é Paolo Henrique, meu irmão se chama Antônio, minha vó foi a Senhora Dolores. – Eu respondi automaticamente e Joaquim fez uma expressão de surpresa.

:- Você é a famosa Dulce Maria? – Ele me questionou e foi minha vez de ficar surpresa. Até me lembrar que todos se conhecem nesse lugar, não importa a quantidade de habitantes.

:- Depende da minha fama, padre. – Eu dei os ombros, já imaginando que esse homem deve ter ouvido de mim.

:- Não se preocupe, seu irmão fala muito de você, eu o conheço bem. Fora que seu pai é devoto só perde uma missa quando está muito doente o que é raro. – Me explicou. – Apesar de que eu cheguei na cidade depois que você foi embora ainda me falam muito sobre sua vó, já até comprei dos vinhos da sua família. Então foi assim que soube de você.

:- Posso imaginar como me descreveram. – Eu revirei os olhos pensando nas pessoas desagradáveis que vivem aqui.

:- Como eu posso lhe ajudar? – Ele foi solicito depois de rir do meu comentário e então me dei conta que me deixei levar pela conversa e talvez pelos seus olhos claros, que me esqueci de procurar por Poncho.

:- Eu procuro por Poncho Herrera. Quer dizer, por Alfonso Herrera, o filho. Pensei que ele poderia estar aqui já que ele também é padre.

Joaquim me olhou confuso e depois soltou um sorriso que era lindo, eu estou errada, eu sei. Mas, era inevitável eu admirar.

:- Poncho! – Ele disse com um tom animado e isso me fez prestar mais atenção nele. - Eu cursei Teologia com Poncho, nos formamos juntos, somos amigos. – Ele revelou agora me deixando surpresa. – Talvez isso tenha me levado escolher essa paróquia, ele falava muito bem daqui, tinha que conhecer com meus próprios olhos.

:- Que coincidência! – Comentei contente ele me ajudaria a encontrá-lo. – Eu preciso muito ver ele novamente antes que eu caia na estrada de novo, pode me dizer onde ele está?

Joaquim ficou me avaliando e isso eu estranhei ficou alguns segundos calados e depois que pareceu ponderar antes de voltar a falar.

:- Então você sabe que ele está aqui. – Ele comentou alto, mais para si mesmo, avaliando. – Eu fui buscá-lo na rodoviária, ele não quer ser incomodado, deixou claro isso para mim.

:- Joaquim! – Eu o cortei o assustando. Por isso eu respirei fundo, estava indo com muita sede ao pote, ele não me conhecia. – Eu preciso conversar com Poncho, é urgente.

O Padre ficou me avaliando.

:- Agora ele tem um chalé aqui, deve estar por lá uma hora dessas, ontem me disse que queria se conectar com Deus por lá. – Só pela expressão que eu fiz de impaciente, ele sorriu ao completar a informação. – Partindo da fazenda do senhor Alfonso, pegando a velha estrada dourada, você chega ao chalé dele é o único ali.

Pensei em como Poncho reagiria se eu aparecesse de surpresa em seu chalé.

:- Obrigada por me dizer, Joaquim. – Eu estava tão apressada que peguei a sua mão e apertei sorrindo. Estava tão feliz por ele ser quem ele é. Joaquim riu de mim.

Eu só acenei e sai da igreja apressada, tinha que reencontrar Poncho.

Sai em disparada pelos paralelepípedos, eu tinha que encontrar aquele homem o mais rápido possível. Não sabia o que sentia realmente, eu tinha tantas perguntas e nenhuma das respostas. Eu cheguei na estrada em alta velocidade, por ter presa. Perdi tanto tempo. Não vou me permitir perder mais. Cheguei à estrada dourada em questão de minutos, estava dirigindo em estado automático. Primeiro o impulso, depois a reação.

Poderia classificar que a cena do nosso encontro foi digna de filme, porque assim que eu avistei o chalé em cima de uma colina logo o identifiquei de longe, era um local muito isolado, ao longe ele percebeu que eu estava chegando.

Assim como eu ele parecia ter pressa por que montou no seu cavalo e veio na minha direção, quando fomos ficando muito próximos diminui minha velocidade assim como ele controlou seu cavalo. Paramos próximos ao começo da colina, eu parei minha moto de qualquer jeito, tirei meu capacete e joguei ele na terra. Eu fui correndo ao seu encontro sentindo tudo, mal esperei ele saltar do cavalo e sem chance de que fizesse qualquer questionamento eu o beijei com muita saudade.

Fui com tanta sede ao pote que eu pensei ter machucado ele, diminui a velocidade da minha língua, dos meus movimentos, ainda que Poncho só me retribuísse.

Pois bem, lá estava eu pecando num cenário paradisíaco beijando o homem da minha vida, poderia me sentir culpada como antes, mas se isso era pecado? Eu quero passar o resto da minha vida pecando.

:- Eu... – Tentei falar, mas estava com pouco fôlego, e apertei seu cabelo como forma de repreendê-lo por ter me tirado. Engoli saliva e respirei profundamente para voltar a falar, depois de tanto tempo. – Eu vim até aqui para lhe fazer largar a batina, padre.

Poncho tão sem fôlego como eu apenas encarou meus olhos tentando entender a situação.

:- Nós temos que conversar. - Foi o único que ele disse.

Logo tanto eu quanto ele subimos a colina, ele em seu cavalo e eu em minha moto. Eu sentia meu coração batendo fortemente contra meu peito, como antes de entrar no palco, sentia que ali estava a razão para mudar minha vida.

Subimos a colina em silêncio ele parecia completamente calmo, me contrastando. Sorri porque sempre seria assim. Eu vinha com a intensidade e ele com a calmaria.

Não parecia que poucos minutos atrás nós dois faltávamos pegar fogo literalmente. Ele esperou que eu estacionasse e me convidou para entrar em seu chalé, era pequeno e aconchegante, bem um lugar onde eu o imaginaria vivendo.

Ele me estendeu a mão e sorriu ao sentir que eu estava tremendo, me guiou até o final de um corredor e me fez entrar numa sala, a porta pequena não fazia jus porque era enorme o local.

O que mais me impressionou mesmo no lugar era a quantidade de latas de tintas, lápis, argila, gesso, quadros, pinturas, estátuas, desenhos, espalhados pelo local. Eu parecia ter entrado numa exposição, esse clima de criação eu entendia perfeitamente. Parecia ser o caos que só o causador entendia. A linguagem da arte.

Tudo o que eu via estava inacabado, como se ele tivesse começado e desistido e partido para fazer outra coisa. O que eu tinha perdido da vida de Poncho nesse ano em que estive fora?

Olhei para ele esperando que me desse às respostas que eu procurava. Aquilo era algo totalmente inesperado.

:- Há uns três anos eu conheci uma mulher chamada Esmeralda, ela era linda como uma pedra preciosa, me lembro da primeira vez em que a vi perfeitamente. – Poncho começou falando, estava encostado no batente da porta, mas começou a caminhar por sua toca, como eu acabo de apelidar. Gostaram?

: – Cabelo cacheado desgrenhado, olhar sedutor, um sorriso convidativo, tudo seria normal na minha vida esse encantamento, se não fosse pelo fato de ser padre. – Ele soltou um riso sarcástico que só não me fez rir porque queria entender aonde terminaria aquela história. – Me condenei, lutei contra, mas foi como nadar contra a maré, me apaixonei perdidamente por ela. Estava disposto a tudo até mesmo largar a batina para que pudesse viver essa paixão e foi o que eu fiz. Ela me apoiou então entramos num caso quase clichê onde um homem de fé tem que escolher entre sua vocação e um amor. Pelo fato de estar em dúvida e impulsivamente decidir pedir meu desligamento da Igreja Católica.

Eu senti minhas mãos ficarem geladas conforme ele falava. Fiquei completamente perdida e desnorteada. Como assim Poncho não é padre?

:- Fui a Roma, decidido a deixar de exercer o meu sacerdócio, pedi minha desvinculação no Tribunal Diocesano, no Vaticano e assinar minha carta de desligamento. Neste dia eu não consegui resolver tudo, mas tinha que voltar ela estava me chamando. Quando eu voltei de Roma, Esmeralda me contou que estava grávida de outro e que eu fui um capricho seu. – Ele falou distante domado pelas lembranças. – Fiquei desolado até decidir que voltaria as minhas raízes, peguei meu cavalo e comecei uma viagem praticamente de nômade até Lagoa Azul. Na minha chegada eu ainda estava me curando das feridas que Esmeralda me causou e então eu te conheci. – Ele caminhou até onde eu estava e passou a palma da mão em minha bochecha.

A sua mão estava tão quente que imediatamente senti tanta emoção que meus olhos certamente estavam brilhando ao encará-lo.

:- Tão linda. Vivaz e sedutora como ela. Não poderia deixar me levar novamente, mais uma vez eu tentei resistir, mas era outro caso perdido. Porque você é mais insistente, mas agia impulsivamente como ela. Seria questão de tempo para que eu me encantasse por você. Logo eu repetindo a mesma história, novamente eu estava em pecado isso explica como eu agia no começo com você.

:- Você me fez pensar que era um padre! – Constatei percebendo como tudo poderia ser diferente se soubesse disso antes.

:- Não, você interpretou assim. – Ele me rebateu. – Na verdade, eu só deixei de ser padre no dia em que fui te visitar na clínica. Eu finalmente recebi o certificado do vaticano assinado pelo Papa, aceitando a minha renúncia, eu fui te ver por que eu queria... – Ele deixou a sua frase no ar.

:- Eu queria você! – Finalmente ele disse, aceitando o fato inegável, que no fundo eu me apegava. - Logo você que tem um olhar diferenciado para a vida, para as pessoas, que enxerga a beleza. A alma através da sua lente, se você usasse sua câmera nesse momento e tirasse uma foto minha, enxergaria um homem apaixonado. – Ele me revelou e eu fiquei em choque com a admissão.

Ele sorriu ao me ver assim.

Sim, ele teve a pachorra de sorrir, eu passei tanto tempo desejando esse cara para só agora descobrir que ele não era proibido para mim?

:- Filho da puta! – Eu exclamei me sentindo traída e o empurrando, Poncho ficou surpreso, eu fui até ele e fiz o que uma mulher como eu faria naquela situação.

Pulei em seu colo e o beijei, quase nós dois caímos, mas Poncho foi mais rápido e me segurou enquanto retribuía meus beijos.

:- Espera! – Eu disse mordendo o lábio quando uma ficha caiu. – Por que não me disse no dia em que foi me visitar que não era mais um padre? Eu te chamei de idiota.

Ele olhou nos meus olhos e abriu um sorriso triste enquanto levantava a cabaça e eu cruzava meus braços atrás do seu pescoço.

:- Aquele não era o momento certo. Você não me escutaria, me cortou da sua vida antes que eu pudesse fazer qualquer coisa.

:- Talvez não, talvez tudo poderia ter sido diferente. – Tentei imaginar.

:- É talvez tudo poderia ser diferente. – Ele concordou, me fazendo pensar na possibilidade de ficar com ele, sequer me apaixonar e descartá-lo como a outra fez.

Eu beijei de novo e antes que pudesse aproveitar mais o tempo perdido, ele me colocou no chão novamente e se afastou.

:- Me desculpe. Eu realmente sinto muito.

Os olhos de Poncho naquele momento parecia algo mais profundo para enxergar, eu não sabia sobre o que exatamente ele falava, só via sinceridade. Apenas neguei com a cabeça, porque não era preciso.

:- Eu faço parte de uma banda muito famosa de rock. – Contei sorrindo e ele sorriu em seguida.

:- Eu sei, te acompanhei a distância durante todo esse tempo. – Ele olhou para uma prateleira fixa na parede e lá tinha os meus CDs antigos e o novo. Do lado um pôster da minha banda grudado.

:- Quem diria, senhor Herrera comprando meus discos. – Eu sorri maldosamente e então voltei a olhar a nossa volta. Ele entendeu o recado.

:- Eu estou participando de uma exposição de arte, sou artista plástico agora, mas estou num bloqueio de criatividade, não consigo fazer nada bom o bastante. Eu vim aqui para me inspirar. Foi depois te ver a última vez que finalmente me dediquei a isso, eu também relutava a ouvir o meu lado artista.

Eu olhei para algumas de suas obras como a primeira vez em que o vi desenhando, Poncho era extremamente talentoso, mas precisava de algo a mais. Aquilo que todo artista precisa, eu vou dar isso para ele. Me afastei caminhando por suas obras. Primeiro tirei minha jaqueta.

:- Quando te vi pela primeira vez e tive vontade de te encostar em qualquer parede e beijar sua boca. – Tirei minhas luvas. – Eu amo pessoas, sinto atração constantemente, pensei que você seria mais um dos meus desafios. - Olhei para o Poncho que me encarava curioso, no centro de tudo. Parei e tirei minhas botas e minhas meias. – Eu provocava todos os encontros, eu queria conversar, queria te ver, queria conhecer você. Estava fascinada, fui caminhando até onde ele estava. – Quando eu te beijei e você se afastou de mim.

Poncho ficou envergonhado pela lembrança e abaixou o olhar, que eu fiz questão de levantar. Provaria por mais que ele soubesse que eu não sou Esmeralda.

:- Apesar de tudo eu sofri como nunca, repeti várias vezes que eu só queria transar com você, era um capricho meu. Mas, todas ás vezes foram mentiras. – Eu olhei para ele de baixo para cima, estava descalço, seria mais fácil. Comecei a desabotoar sua camisa rosa, pensei que ele me impediria, mas só me encarava. Será que ele já tinha transado com Esmeralda? – Quando voltamos a ficar amigos eu tinha que respeitá-lo e ter você na minha vida, mas como é a minha vida tinha que ter uma reviravolta.

Tirei sua camisa e olhei seu corpo exibido com curiosidade e admiração.

Então eu terminei de me despir na sua frente, cada peça que faltava. Senti ele olhar meu corpo e esperei até o meu olhar encontrar com o seu, entendi que ele nunca esteve com nenhuma mulher. Ele me dizia isso com o olhar e sabia onde eu queria chegar, ele só estava enganado.

:- Eu ignorei todos os sinais quando estavam ali na minha cara. Vó Dolores me fez ficar mais tempo aqui para que eu conhecesse você, para que mudasse a minha vida. - Eu abri o zíper da sua calça jeans e tirei tudo que faltava para ele também ficar nu. – Quando eu me vi completamente apaixonada por você, precisava sumir. Quando você foi à clínica de certa forma foi graças a você que decidir mudar, que comecei a nadar dentro do meu mar negro de solidão. E só depois eu entendi que a dor que eu sentia apesar de tanto tempo longe daqui, não foi pela morte da minha vó e sim porque não tinha você na minha vida. Eu não quero mais sentir essa falta, não quero mais sentir esta dor. Eu tive que ficar tanto tempo fora para entender o quanto eu amo você. Quer namorar comigo?

:- Eu também amo você. Claro que sim! – Ele aceitou sorrindo e eu mordi meu lábio, depois de olhar para baixo e seca-lo antes de voltar a falar.

:- Nós dois perdemos muito tempo, agora eu vou te mostrar, eu vou te ensinar, você vai sentir o que é transar quando se está amando. – Eu o beijei lentamente, mas com o puxei com firmeza para fazer com que ele se juntasse a mim.

Aos poucos fui deitando por cima do seu corpo e ele deixou de me beijar quando sentiu minha mão direita começar a estimulá-lo. Vi o prazer tomar conta do seu corpo, dos seus olhos transbordarem de desejo, como ele apertava tentando se conter e não consegui. A cada gemido que ele soltava, eu passei a entender que não nos separaríamos, que após não aguentar mais e o colocar na minha boca foi mais próximo de Deus que eu cheguei.

Come as you are, as you were

as i want you to be

Come as you are - Nirvana

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