– Entre! - disse ele, sentado em sua grande cadeira, localizada no centro da sala, batendo seu cetro pontiagudo no chão - Ao menos não demorou em atender meu chamado...

A porta abriu lentamente, rangendo, e o garoto entrou, de cabeça baixa, em sinal de reverência, andando em passos lentos e silenciosos sobre o grande e redondo tapete carmim, onde bordado em lã negra estava o símbolo da Ordem, em direção a cadeira do seu pai.

– Tire seu capuz... - ele ordenou.

– Sim... papai... - o garoto ajoelhou-se em frente a cadeira e retirou o capuz de sua cabeça.

O homem suspirou, repousando a cabeça no encosto da cadeira.

– Papai eu...

– Calado! - o homem elevou o tom de voz.

– Sim, senhor!

– Evan... - ele retirou seu capuz e olhou para o rosto do menino - ... por acaso faz alguma ideia de como aquele... simples homem... que você deixou escapar pode interferir ou até acabar com nossos planos?

– Não papai... - o garoto falou, sem querer apresentar justificativas.

– Ah... - o homem levantou-se da cadeira e passeou sobre a sala, batendo seu cetro leve e compassadamente no chão - ... pois então eu irei explicar. Devo lembrar de Travis Grady? Ah... o primeiro a se meter em nossos planos há cerca de 25 anos... como o odeio. Eu já era um rapaz e lembro-me bem do alvoroço que foi ao descobrirem que Alessa, com a ajuda dele, havia repartido sua alma em duas e mandado a outra metade embora... O nascimento de nosso querido deus foi adiado... por sete anos aguardamos o retorno da outra metade... e quando ela finalmente retornou, o segundo, o tal Harry Mason abortou nosso deus e levou a nossa "mãe sagrada" embora... e por mais dezessete anos tivemos que esperar, até que Claudia, a sábia mulher que liderou o culto antes de mim, a santa e devota que deu sua vida pelo bem de nosso deus, reestabelecesse contato. E depois...

– Eu sei dessas histórias, pai... - o garoto interrompeu.

– Ah sabe... - o homem falou ironicamente - Então acho que não lembrou delas quando deixou aquele homem escapar.

– Eu tentei pega-lo! Dei meu melhor.

– Eu sei meu filho... - o homem, pela primeira vez desde que iniciou o dialogo, demonstrou um toque de compreensão em sua voz - ... mas não foi suficiente.

– Sabe o que aquele homem pode fazer contra nós se continuar lá fora?! Se ele fizer alguma coisa, sabe-se lá quanto teremos que esperar até ter outra oportunidade! E o fato da garota ter fugido também não ajuda nem um pouco. - o homem afagou os olhos com as pontas dos dedos - Fugido no SEU turno de vigia.

– Eu me descuidei...

– Seu descuido pode trazer nossa ruína! - ele gritou - Não consegue ver isso! - ele acalmou-se - Diga-me, Evan, a marca que recebeu por deixa-la escapar ainda dói?

– Um pouco...

– Ótimo. - ele riu - É bom que essa dor se prolongue durante anos para perceber a gravidade do que fez! - ele olhou para a porta - Mais uma vez você falhou com a Ordem e temo que terei que disciplina-lo novamente. Emilly!!! Traga. - ele ordenou.

– Mas pai... essa marca... ela ainda dói! Não pode valer como castigo?!

Emilly, a gêmea do garoto, entrou na sala, empunhando uma vara de ferro cuja ponta estava vermelha, de tão quente.

– Menino tolo... - o pai disse dando seu cetro a Emilly e pegando a vara - ... cada pecado tem seu preço, cada castigo, sua dor.

Evan, hesitante, arregaçou sua manga até o ombro, estendendo seu braço, repleto de cicatrizes e marcas para seu pai.

– Fique calmo Evan, a dor traz a purificação... - ele disse aproximando o ferro do braço do rapaz - Isso é para o seu próprio bem.

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– Argh.... - Sebastian tentava ao máximo segurar-se mas suas mãos suadas dificultavam as coisas - Eu não... vou... soltar... não vou... solt... mas o quê?! - ele arregalou os olhos ao ver que as paredes distorcidas compostas de grade e metal da outra realidade eram revestidas de cinzas e entregues a sua aparência normal - Haha... - comemorou com um sorriso ao ver que as coisas estavam voltando ao normal e que finalmente estava saindo daquele inferno.

Porém sua alegria durou pouco, por fazer parte da outra realidade o pilar em que Sebastian segurava desmanchou-se em cinzas debaixo de suas mãos, atirando-o em queda no fosso.

Ele gritou até cair violentamente contra um fundo que antes não havia. Ele levantou-se assustado e surpreendeu-se ao ver que aquele fundo estava sendo formado pelas cinzas de transição entre as realidades. Logo, ele concluiu que aquele piso fazia parte da realidade normal e que o grande fosso pertencia ao outro mundo: estava salvo.

Após a passagem de uma realidade à outra, Sebastian encontrou-se em uma sala escura, aparentemente em um andar inferior ao térreo da prefeitura. Ele ligou a lanterna e passou pela sala, diversos materiais de escritório e jardinagem estavam espalhados por todo lugar. Ele localizou a porta e saiu. Aquele era uma espécie de porão: uma ampla sala subterrânea feita de concreto com diversas salinhas menores.

Após alguns minutos procurando a sala que o levaria até o andar de cima, Sebastian finalmente achou a escada para o térreo, ele a subiu, localizou-se no mapa da prefeitura que possuía e sem muito esforço voltou ao grande e redondo hall principal. Fora do outro mundo, embora estivesse gasto e destruído pelo tempo, o hall, por ser antigo e decorado ao estilo clássico, apresentava certo grau de beleza, o que fez Sebastian parar para observar o lugar por alguns instantes.

Dirigindo-se então para seu destino, Sebastian atravessou o corredor e chegou à sala da biblioteca. Aquilo que ele viu, sim, parecia uma biblioteca, suprindo todas as suas expectativas de como ela deveria parecer. Uma ampla sala redonda, cujo chão era revestido de madeira e as paredes, de um papel gasto colorido em verde e cinza. Diferentemente do outro mundo, estavam distribuídas pelas paredes e pelo meio da sala, formando uma espécie de labirinto redondo, estantes de madeira de mais ou menos três metros de altura recheadas de livros velhos, de todas as cores, espessuras e tamanhos.

Sebastian entrou em passos lentos e firmes, fazendo a madeira ranger, enquanto olhava como uma criança fascinada para a magnitude daquele cômodo. "Quem diria que uma cidade tão pequena teria tanto para dizer a respeito de si mesma...", ele pensou. Restava agora descobrir por onde começar a procurar seu mapa naquela infinidade de livros.

"S", foi a primeira letra que veio em sua mente.

– Silent Hill... Silent Hil... - ele dizia enquanto passava o dedo indicador nas orelhas dos livros que começavam com "S". - "Separação dos Colonos"... "Silenciados"... Aqui! "Sociedade Histórica de Silent Hill"! - Sebastian pegou o pequeno e grosso livro vermelho pelo seu nome sugestivo - Aqui deve ter alguma coisa...

O rapaz reclinou-se na estante e começou a folhear o livro: nada. O livro apenas falava de um prédio antigo ao nordeste da cidade, que fora construído a beira do Lago Toluca para preservação da cultura do lugar, sob o qual foi construída uma antiga prisão e atrás do qual fora construído um pequeno porto para atravessar o lago. O mais próximo de um mapa que havia ali era uma figura que mostrava uma foto do prédio, de onde se podia ver o tal lago.

Sebastian jogou o livro no chão e voltou a examinar a letra "S": não havia mais nada que pudesse ajudar naquela sessão. A outra letra que veio a sua mente foi a "H", devido à palavra história.

Ele então folheou todos os livros que continham a palavra história, sem obter nenhum resultado.

Cansado, Sebastian foi até um balcão no canto da sala, como uma espécie de mini recepção e sentou-se sobre ele, pensativo. Enquanto, sentado, olhava a biblioteca, um livro em especial, localizado no canto de uma estante ao fundo da sala o chamou a atenção, não pelo seu tamanho ou pela sua espessura, mas porque aquele era o livro, o único livro, que estava sobre o pilar suspenso da biblioteca do ouro mundo.

Ele levantou-se curioso e retirou o livro da estante: era muito pesado. Tinha o tamanho um pouco maior que o de um antebraço e cerca de quatro dedos de espessura. Suas páginas estavam amareladas, como se muito antigas e ele estava todo encapado em um couro marrom, já desgastado, onde, limpando um pouco a poeira, Sebastian pôde ler, escrito em letras douradas: "Nossa Cidade".

Ele retornou ao balcão e estendeu o livro sobre ele, abrindo-o. O livro possuía quase um capítulo inteiro apenas de sumário, abordando toda e qualquer coisa sobre a história de Silent Hill. Nas últimas páginas se encontrava uma coleção de mapas e desenhos detalhados da cidade e seus arredores, de diferentes anos e lugares. Sebastian sorriu. Folheando a coleção, encontrou um mapa que localizava a prefeitura como centro da cidade, e em seus arredores, além de encontrar o hospital Alchemilla, onde já estivera, encontrou também o Jacks.Inn, onde Emma deveria estar. Ele arrancou a folha do livro e levantou sua capa, para fecha-lo. As folhas escorreram uma a uma até o livro se fechar, porém uma figura em uma delas fez Sebastian parar: era a figura a três homens. Sebastian não reconheceu nenhum deles mas reconheceu suas roupas: eram as mesmas usadas pelas pessoas que quase o pegaram nos esgostos. Assustado, ele voltou algumas páginas e viu em que sessão do livro estava: "Cultura: Religiões e Crenças - A Ordem de Valtiel"

– Esse deve ser o culto...

Embora tivesse muito o que ser lido, Sebastian voltou direto para a figura das roupas e tentou associar cada uma com a respectiva pessoa que estava as usando nos esgotos: o garoto estava usando a roupa da direita, com uma estranha figura em seu peito, abaixo da roupa estava escrito: "O Guardião dos Ritos".

Sebastian leu uma pequena descrição:

"O Guardião dos Ritos deve ser eleito pelo Mestre da Ordem e apresentado em cerimônia a Valtiel, mensageiro e braço direito de deus, para ser aceito. Deve ser educado desde pequeno para tal ofício, encarregando-se de ser o elo entre o mundo humano e o poder de deus através dos ritos. Deve possuir todo o conhecimento dos artefatos, símbolos, rituais e tradições da Ordem, sendo sábio e estando apto a realiza-los sempre que necessário a favor de deus e do seu povo."

Sebastian olhou para a figura da roupa a esquerda, a qual a menina usava, que possuia uma figura semelhante a um olho em seu peito, e leu a descrição:

"O Guardião da Doutrina deve ser eleito pelo Mestre da Ordem e apresentado em cerimônia a Valtiel, mensageiro e braço-direito de deus, para ser aceito. Deve ser educado desde pequeno para tal ofício, encarregando-se de ser o olho surpervisor da conduta e do agir dos fieis. Deve possuir todo o conhecimentos das leis, regras e doutrinas da Ordem, sendo sábio e estando apto a observa-las e garantir que os fieis que sejam sempre obedientes e direitos perante deus."

A roupa do meio era a que o homem do cetro de ponta piramidal usava, e carregava um símbolo em seu peito, citado como o símbolo da Ordem. Embaixo, a descrição:

"O Mestre da Ordem, autoridade máxima do culto, eleito diretamente pelo lorde Valtiel, mensageiro e braço-direito de Deus. Deve ser fiel, digno e devoto, servindo de exemplo para os fieis e de testemunho para deus, capaz de dar a sua própria vida e sacrificar seu bem-estar ou o daqueles de quem ama pelo bem de deus e de seu povo. Deve ter conhecimento geral de todos os aspectos da Ordem, e estar apto a liderar e guiar o povo até o paraíso, sendo um mediador entre Valtiel e o povo de deus, não permitindo que nada nem ninguém fique entre deus e sua santa vontade, tomando a medida que for necessária."

Sebastian suspirou, fechando o livro, sem vontade e coragem de ler mais nada.

– Emma, Emma... estamos ferrados...