Harry's POV

Para mim, o dia 31 de Dezembro só significa uma coisa: festa! E esta noite vai ser «a noite», porque finalmente vou sair com os meus amigos! Durante quinze anos da minha vida, entrei no novo ano com a minha família, mas agora que tenho dezasseis, não faz mal passar uma noite fora, certo?

"Harry, estás pronto? O Leo chegou!" Ouço a minha mãe gritar do andar de baixo.

Miro-me no espelho, despenteio um pouco o cabelo.

"Vou já!" Grito em resposta, descendo as escadas.

"Feliz Ano Novo, meu!" Exclama o Leo ao cumprimentar-me.

"Calma, amigo. Ainda são nove da noite!" Digo.

"Meros pormenores!" Protesta o meu melhor amigo, e eu não consigo evitar rir.

•••

O Leo é o anfitrião da festa e convidou quase metade do liceu. «Consequências de ser popular e ter uma casa grande e pais porreiros», é o que ele diz. Pois claro.

"Estás à vontade, já sabes. Mi casa es tu casa." Informa o Leo quando entramos na sua sala, já preenchida com um número razoável de pessoas. "Vemo-nos à meia-noite, depois de beijarmos alguém!"

"Tudo bem... Espera, o quê?" Pergunto quando me apercebo do que ele disse.

Ele vira-se novamente para mim. "Tu sabes, a tradição de beijar alguém especial à meia-noite."

"Oh, claro. Para ti é fácil falar, pois tens uma namorada. Então e eu?"

"Porque não tentas conhecer uma rapariga aqui? Tenho o pressentimento de que nesta casa está a pessoa certa."

Reviro os olhos. "Às vezes as tuas ideias assustam-me."

"Vá lá, Harry! Vive um pouco, é o último dia do ano!" O meu amigo gargalha e desaparece na multidão.

"Obrigadinho..." Resmungo entre dentes, enquanto tiro uma bebida do frigorífico e me sento num canto da divisão, para não perturbar os adolescentes que dançam ao som da aparelhagem no volume máximo.

Alguns minutos depois, sinto a minha mão ser agarrada com tanta força e rapidez que entorno o meu refrigerante no chão. Uma rapariga de cabelo castanho claro e leves madeixas ruivas faz-me levantar da cadeira e agora estou no meio da pista de dança improvisada.

"Ei, eu conheço-te?" Questiono. Já vi este cabelo em algum lado.

"Emily, da tua turma de Francês! Agora cala-te e dança comigo!" Ela eleva a voz devido ao barulho, pisca-me um olho e faz-me dançar com ela.

Agora sei que é a miúda que se senta à minha frente nas aulas, mas nunca vira o seu rosto, por isso não a reconheci. Decido entrar no jogo dela e faço-a rodopiar, e ela ri como uma doida, o que eu acho um som surpreendentemente agradável.

A Emily incentiva-me a dançar uma, duas e três músicas de seguida, e como ela me pediu para me calar, não proferimos uma só palavra, apenas movemo-nos e tentamos comunicar através de expressões faciais, o que não resulta lá muito bem.

Quando finalmente ela faz um gesto de «Já chega», pegamos em copos de água e sentamo-nos num sofá. Ficamos uns momentos ainda sem dizer nada, e depois desatamos a rir.

"Desculpa aquilo de há bocado, mas eu estava desejosa de dançar, e tu estavas mesmo ali..." Confessa a Emily, com um sorrisinho de culpa.

Retribuo o sorriso. "Não faz mal. Também estava a precisar de me divertir. Apesar de me teres mandado calar..."

"Oh..." Reparo que ela cora e começa a enrolar o cabelo com o indicador. "Perdoa-me também por isso. Simplesmente não gosto de falar enquanto me mexo. Principalmente quando se trata de dançar."

"Tudo bem. Não achas estranho termos aulas juntos e nunca conversámos um com o outro?"

"Sim, acho. Agora vejo que podíamos ser bons amigos."

"Ainda podemos." Estendo-lhe a mão e faço uma expressão educada. "Muito prazer, sou o Harry."

A rapariga à minha frente gargalha novamente e estende a mão para apertar a minha. "Sou a Emily, o prazer é meu."

Quando as nossas mãos se tocam, sinto uma espécie de choque elétrico percorrer todo o meu corpo, mas de uma maneira estranhamente agradável. Okay, alguém me explique o que significa isto?!

Permanecemos uns instantes paralisados, como estátuas, a olhar um para o outro. Será que a Emily também sentiu o choque? E porque raio estou a pensar se ela o sentiu ou deixou de sentir? Trocámos palavras pela primeira vez há cerca de meia hora! Apenas dançámos juntos... Mas tenho de admitir, foram dos momentos mais divertidos que passei nos últimos tempos, apesar do pedido «Cala-te e dança comigo!»...

São as unhas pintadas de laranja fluorescente da Emily a agitarem-se em frente à minha cara que me retiram dos meus devaneios.

"Ei, adormeceste acordado?" Ela brinca.

"Oh, perdoa-me, distraí-me um segundo..." Confesso, atrapalhado. "Estavas a dizer alguma coisa?"

"Perguntei-te se trouxeste a tua namorada para beijar à meia-noite!"

Não, outra vez isto?

"Pois acontece que não tenho uma. Além de que considero essa tradição uma estupidez." Respondo.

A Emily parece surpreendida. "Estás a brincar! Eu acho super romântico. Aposto que dizes isso apenas porque não tens... sabes, aquela pessoa especial."

Faço a minha expressão de «apanhado» e a Emily ri-se. "Elementar, meu caro Harry." Acrescenta.

"Muito engraçada." Reviro os olhos. "Então e o teu namorado?"

A Emily não consegue dar-me uma resposta, porque o Leo surge não sei de onde e leva-nos de novo para o meio da sala.

"Últimas músicas antes da contagem decrescente!" Ele esclarece.

O som é animado e dá vontade de saltar, que é exatamente o que a Emily faz assim que nos juntamos à multidão, para meu espanto.

"Anda daí!" Ela berra para se fazer ouvir. Sem ter por onde escapar, encolho os ombros e começo a saltar com os braços no ar, agitando a cabeça e divertindo-me como se não existisse amanhã. A minha nova amiga junta-se a mim nesta coreografia maluca, e rimo-nos como uns parvos. A dada altura, ela quer dizer algo, mas eu tapo-lhe a boca.

"Cala-te e dança!" Impeço-a, e pisco-lhe o olho. A Emily ergue uma sobrancelha, esboça um meio sorriso e acena com a cabeça.

A faltarem cerca de dez minutos para a meia-noite, o volume continua no máximo e as emoções ao rubro, mas eu e a Emily já não aguentamos mais e, aproveitando uma distração do Leo, escapulimo-nos para o jardim das traseiras, para recuperar o fôlego e sentir o ar fresco da noite nos rostos corados.

"Bem, esta festa está a ser brutal!" Comenta a Emily.

"Tens de agradecer ao Leo." Digo. "É pena estar quase a terminar."

A ruiva mira o céu estrelado, como se estivesse a recordar algo.

"Alguma vez desejaste poder parar o tempo, Harry? Manter as coisas paradas, tal como estão?" Pergunta de repente.

Desta não estava à espera. Penso sobre o assunto. Os olhos da Emily são uma mistura de castanho e azul e brilham ao luar, como dois pirilampos, e, quando dou por mim, desejo poder para este momento para sempre.

"Claro." Sussurro. "Antes que a vida real se meta outra vez no caminho."

A Emily desce o olhar do céu para mim e sorri abertamente, revelando covinhas nas bochechas.

"Conheces o Jogo de Andar à Roda?" Questiona-me. Ergo uma sobrancelha e ela explica. "Basta esticares os braços e rodares e rodares até cair."

Ah, sim, conheço. Costumava brincar a isso com o Leo, quando éramos pequenos, vezes sem conta.

"Já sei o que é. Mas porque te lembras disso agora?" A minha confusão nota-se.

A pequena rapariga fita-me. "Porque este jogo pode parar o tempo por uns instantes."

Ela começa a rodar sobre si própria, com os braços abertos, e eu imito-a, sem me ralar com quem esteja a ver. Movemo-nos lentamente, de início, depois cada vez mais rápido, sem controlo, gritando e rindo. O mundo gira e os nossos pés perdem o apoio na terra, fazendo-nos desequilibrar, vacilar, tropeçar.

O chão move-se e ergue-se de encontro às minhas costas, à minha cabeça. Fico deitado na relva macia e húmida enquanto me lembro porque é que adorava este jogo. Ele faz com que tudo desapareça, até só restarmos nós com a cabeça a andar à roda e o coração a bater disparado. A vida real esbate-se, o mundo inclina-se, e o céu mergulha sobre nós.

Sinto os dedos da Emily a roçarem nos meus, entrelaço-os e ela não se afasta. Permanecemos deitados, imóveis, à espera que tudo volte ao normal.

"Não cheguei a responder à tua pergunta." Diz a Emily.

"Que pergunta?" Murmuro, ainda ofegante.

"Sobre o meu namorado. E a verdade é que também não tenho um."

Ergo-me e sento-me na relva, mirando a rapariga deitada ao meu lado. "Estás a gozar?!"

Ela limita-se a gargalhar. Ajudo-a a levantar-se, agarrando-lhe o pulso e puxando-a para cima.

"Posso fazer-te uma pergunta um pouco estranha?" Ela pede.

"Experimenta." Sorrio.

"Qual é o teu truque para engatar miúdas?"

Na minha mente, o meu queixo cai. "Okay, essa é uma pergunta mesmo estranha!"

"Bem, já que para ti a tradição do beijo é uma estupidez, diz-me qual é teu truque!"

"Tu não ias aguentar o meu truque."

"Experimenta!"

"Bem, estás a ver aquele passo de Dirty Dancing?" Ergo os braços no ar, como se estivesse a segurar um corpo, e ela acena. "Resulta sempre!"

"Isso é a coisa mais ridícula que já ouvi!"

"Oh, queres apostar? Posso fazê-lo contigo!"

Ela afasta-se uns metros de mim. "Okay, mostra-me!"

Sorrio e coloco-me em posição. "Preparada? Um, dois, três!"

A Emily respira fundo, fecha os olhos e corre até mim. Eu agarro-a pela cintura e ergo-a. Ela estica os braços e as pernas, como se estivesse a voar. Sustenho-a no ar uns segundos, sentindo-a a rir-se, e depois baixo-a lentamente, mas ela pousa mal o pé e tropeça contra mim, colocando os nossos rostos a centímetros um do outro. Sinto arrepios por todo o lado e perco-me nos seus olhos por uns momentos.

Dentro de casa, ouve-se a contagem decrescente. "Dez, nove, oito, sete..."

"Acho que esta noite encontrei alguém especial." Digo sem pensar.

A Emily esboça o sorriso mais belo que alguma vez vi e encosta a testa à minha.

"Três, dois, um..."

"Feliz Ano Novo, Harry." Ela sussurra, e beija-me. Os seus lábios são macios e sabem a chocolate e a felicidade. O choque elétrico que senti quando nos conhecemos volta em força.

O mundo continua a girar, com ou sem Jogo de Andar à Roda.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.