Should I Tell?

IV- Um dia normal, aparentemente.


Capítulo IV

Apenas um dia normal, aparentemente

Acordei sentindo um latejar insistente no lado esquerdo da minha cabeça, passei a mão de leve e senti um galo. Me sentei e minhas costas protestaram, nossa que dor, pior do que cair em cima do próprio braço no chão é cair de costas.

Fiz uma careta e notei que a Ale estava sentada numa cadeira do lado da maca, muito concentrada em seu celular enquanto deixava um sorriso bobo escapar dos lábios. Bom, deve estar conversando com alguém.

Olhei ao redor, parece que alguém me levou a enfermaria, mas quem?

Uma enfermeira de cabelos escuros e pele cor chocolate fazia alguma coisa mexendo no computador.

Nossa, mas que dor de cabeça...

— Nossa, Annie. Acordou dez minutos antes do sinal tocar! — Comentou Ale olhando o horário no celular. — Isso só significa uma coisa. — Afirmou sorrindo.

— O que? — perguntei massageando as têmporas.

— O espírito de matar aula faz parte da sua alma!

— Só que não. Odeio matar aula. — retruquei séria.

— Uau, me lembro que já fiquei quase três meses inteiros sem ir para escola — Ela começou a divagar em suas lembranças. — Não me orgulho muito disso, quase repeti de ano.

— Já fiquei dois anos sem frequentar a escola. — Afirmei sem pensar.

Ele me olhou séria e fez uma careta tentando procurar possíveis explicações.

— Por que? — perguntou assim que passou pelo menos dois minutos.

— Problemas... — fui evasiva

— De boas, mas você disse que não é repetente nem nada...

— Ahãn, na verdade só estou fazendo o ensino médio aqui na escola porque a minha mãe quer. Se não eu já teria feito uma prova onde falaria que meu ensino médio está completo.

— Hum, você não é do tipo social né? — resmungou — Vamos sair daqui?

— Okay — Falei saindo da maca e a enfermeira veio falar comigo.

— Annie se sente melhor? Nenhuma tontura ou dor? — Perguntou e eu assenti. — Quando caiu não notou nada de estranho? — Seu olhar ficou desconfiado e eu assenti de novo.

Alehara ficou olhando desconfiada para nós duas e falou:

— Então tá tudo beleza com ela, né Lucy. Vamos Annie.

— Depois vá para o hospital, deve ser anemia o caso do desmaio. — Mandou, mas eu e ela sabíamos que não era isso. Mesmo assim concordei de novo com a cabeça.

Ale me puxou para fora da enfermaria, mas não antes de dar um tchauzinho para Lucy, descobri o nome dela só depois que a ruiva falou.

Andamos pela escola, Alehara pegou umas chaves com um funcionário da limpeza e fomos para a sala de EDF onde ela destrancou a porta, entrou e pegou a mochila dela e a minha.

Esperei ela sair, quando o fez, me entregou minha mochila e andamos até a direção. Ela devolveu a chaves para uma secretária que estava atendendo o telefone e não deu a mínima para ninguém.

Estranhei o fato de que Alehara parecia estar em casa, como se a escola fosse... Não sei, uma parte do lar dela? Mas não disse nada. Só queria ir embora.

— Graças a Deus, falta só um minuto para tocar! — Exclamou eufórica, bom, mesmo que ela se dê tão bem com a escola, não parece gostar de ficar um minuto a mais do que é obrigada, não a culpo me sinto da mesma forma.

— Que ótimo. — Concordei, nunca tinha visto uma pessoa tão animada, mas meu mundo é pequeno mesmo e minha mãe... Bom, ela não é muito feliz, não.

Gostei dessa animação da Ale e muito diferente do que passo em casa.

— Como você levou uma bolada, tadinha, vou ir com você até em casa, vai que você desmaia de novo no meio do caminho. — Fez seu pequeno monologo me abraçando de lado.

O sinal tocou e os portões foram abertos. Ale me soltou e foi para o lado de fora numa velocidade que não consegui acompanhar.

Passei pela saída e ela me esperava.

Nossa, que legal, é isso que chamam de amizade? Não sei... nem conversamos muito.

Andamos juntas, descobri que a casa da Ale era na mesma direção que a minha e por mais incrível que pareça ela morava uma rua atrás.

Por que nunca tinha visto ela na vizinhança? Ah, é... Aquilo.

Me despedi da menina de cabelos ruivos e entrei na minha casa. Toda a pequena felicidade que senti ao lado dela se foi, não sei por que, mas a felicidade dela é contagiante.

Minha casa é pequena, mas aconchegante. Minha mãe já devia ter chegado do trabalho, morta de cansada. Joguei minha mochila no sofá e fui para cozinha, que é no mesmo cômodo da sala só com uma bancada separando, fazer o almoço.

Sempre gostei de fazer algo pela minha mãe, algo que amenize seu cansaço, sua dor.

Mas para minha surpresa, tinha um bilhete na geladeira.

Querida, seu almoço está no micro-ondas, vou voltar para o trabalho, não se esqueça de tomar seu remédio. Beijos

Certo...

Abri o micro-ondas e peguei o prato, a comida ainda estava morna, era um pedaço de bife, com arroz, feijão e uma saladinha.

Coloquei em cima da mesa e comecei a comer, estava morrendo de fome, a comida da minha mãe é mil vezes melhor que a minha.

Terminei e lavei o prato. Enchi um copo de água.

Voltei para a sala com o copo na mão e peguei minha mochila que estava em cima do sofá marrom escuro com a outra. O sofá não era grande tinha um tamanho razoável para umas cinco pessoas se sentarem espremidas.

Entrei no quarto que divido com minha mãe, moramos de aluguel e esse foi a casa mais barata que minha mãe arranjou.

Meu pai está cuidando da nossa verdadeira casa lá no outro estado, como ele tem um trabalho fixo por lá, tinha que ficar. Todo mês ele manda o dinheiro do aluguel, mas no final e meio do ano a gente viaja para passar as férias na nossa casa, com a família toda unida novamente.

Ainda não me acostumo com a diferença lá é tudo tão aberto e espaçoso...

Joguei a mochila no canto da parede e me sentei na cama. Abri a primeira gaveta duma cômoda e tirei de lá um frasco todo branco. Abri e deixei dois comprimidos caírem na palma da minha mão, fechei o frasco. Coloquei os comprimidos na boca e tomei um gole de água para facilitar descer. Esvaziei o copo e o coloquei em cima da cômoda mesmo. Tirei o all star e a blusa do suja do colégio, a jogando em cima da mochila. Me sentei na cama, só esperando a sonolência vir.