Shiver

Hide My Head


Seu Spyder 1958 corria na baía de Jacksonville, com o som de Simon & Garfunkel, enquanto o grupo de amigos cantava alto e destemidamente. O sol longínquo começava a se esconder atrás do oceano, mas nada importava.

Miku estava sentada no banco do carona, braços jogados para cima, tateando o vendo forte e salgado que se jogava contra eles. Ao seu lado, Luka dirigia, parecendo a mais ativa do grupo de pessoas. Cantava alto, fechando os olhos no refrão.

Nos bancos de trás, Rin e Len pareciam fazer toda uma festa. Rin chutava o assento onde Miku se sentava, mas não incomodava. Nunca havia tido um aniversário tão bom em, bem, vinte anos.

Seus olhos alcançavam a vista deslumbrosa, ao longe. Sentia-se num filme dos anos sessenta, e aquela sensação era boa. Pela primeira vez em dias severos, sentia-se viva mais uma vez.

Estavam voltando de Jacksonville onde passaram o fim de semana para comemorar seu aniversário, mesmo que todos naquele carro quisessem que o tempo voltasse. Havia sido um fim de semana e tanto.

Moultrie não ficava muito distante do litoral, então chegariam logo.

– Porque não paramos para um café? – Rin gritou para que conseguisse ser ouvida sobre a música.

Luka assentiu, olhando brevemente para trás.

– É verdade. Um café pode fazer bem, afinal, a viagem pode atrasar.

Mrs. Robinson começou a tocar e a conversa foi interrompida durante alguns trechos.

– Então está certo. – Miku sorriu, enquanto alternava entre cantar e falar. – Aqui, no mapa tem uma cafeteria beira-estrada. Podemos comer alguma coisa lá e então seguiremos viagem.

Sem objeções, o Spyder começou a correr sem se preocupar com as placas de sinalização de velocidade e os outros carros na estrada.

A noite já havia chegado quando eles encontraram a cafeteria beira-estrada. O cheiro do mar já havia ficado para trás, e isso entristeceu a todos.

Masala Grill estampava na placa de madeira na entrada, e só havia três carros no minúsculo estacionamento.

Os quatro se sentaram numa mesa próxima a janela e Miku sentiu suas costas queimarem ao se encostarem-se ao banco acolchoado.

– Ainda está doendo? – Rin perguntou, sentando ao seu lado e pegando o cardápio sem cerimônia.

– Vai continuar doendo por alguns dias pelo o que o tatuador disse. – ela informou, se desencostando e se apoiando na mesa com os cotovelos.

– Foi um presente criativo. – Len riu, olhando em sua direção. – Uma tatuagem de aniversário.

– Papai ficou uma fera. – Luka balançou a cabeça negativamente, suspirando. – Tatuagens grandes assim custam caro, e ele nunca iria concordar em ter o corpo de sua filha tatuado assim.

– Ele não tem que concordar com nada, eu já sou maior de idade. – Miku deu de ombros, apanhando o cardápio das mãos da amiga.

Cada um recebeu seu pedido rapidamente, e voltaram para o carro assim que terminaram.

A viagem de volta para Moultrie foi pacífica, e Miku teve apagões de sono uma ou duas vezes. Quando deixaram Rin em casa, ela anunciou:

– Amanhã vamos fazer uma festa de verdade. Com todo mundo, ok? Eu falo com você sobre os detalhes.

Miku achou graça em como ela mandava como se fosse sua festa. Mas concordou no final das contas.

Também deixaram Len em casa, que já dormia no banco de trás.

Luka estacionou o carro na garagem, saindo junto com a irmã.

– Foi um presente e tanto o que a mamãe te deu. – comentou, trancando o veículo.

– Vamos logo. Estou cansada. – Miku a ignorou e pegou suas malas. Entrou em casa silenciosamente, tendo certeza de que o barulho que fizesse fosse restritamente baixo. Deu boa noite para Luka no corredor, e se trancou em seu quarto. Seu novo quarto.

Tirou os Vans sujos de poeira, mas se limitou a apenas isso. Conectou seu celular em seu aparelho de som e colocou o som de The Carpenters baixo e tranquilo. Não demorou muito até que conseguisse dormir.

Pela manhã, Miku se levantou cedo. Começou jogando suas roupas longe e entrando embaixo do chuveiro.

Desarrumou suas malas e antes de se vestir, jogou os cabelos para frente e analisou suas costas no espelho. Havia feito a tatuagem há alguns dias, e finalmente ela começava a adquirir aspecto saudável.

O grande dragão chinês esculpia suas costas graciosamente, com pelagem verde e desenho perfeitamente detalhado. Desde seus catorze anos queria fazê-la e finalmente tinha realizado a meta.

Teve cuidado ao pôr um vestido e jogar um cardigã por cima. Amarrou suas botas, desembaraçou os cabelos e saiu de casa sem fazer nenhum ruído.

Costumava tomar café fora, era a hora do dia que tinha para pensar. Estacionou seu Spyder na frente do Gracciano’s, restaurante italiano com o melhor desjejum de Moultrie.

Usava ambos os fones em um volume ensurdecedor enquanto aguardava na fila para pegar uma senha. Um homem atrás dela parecia estranhamente ansioso, e aquilo a incomodou.

Após pegar o cartão com sua senha, virou-se e deu uma boa olhada no sujeito. O homem usava jaqueta de couro e óculos escuros. Tinha cabelos anis escuros, rosto fino e corpo alto. Teve certeza que ele a olhou de volta.

Sentou-se em sua mesa, cruzou as pernas e desligou a música. Observava o dia começava a se formar cinzento lá fora, e uma garoa fina caía. Do outro lado da rua, a reserva florestal se mostrava densa, escura e assustadora. Não entendia a necessidade de construir uma cidade rodeada por florestas e todos que viviam nela, como pumas, lobos e ursos.

Sua atenção foi retomada quando o sujeito da fila se sentou à mesa a sua frente. Ele tirou os óculos escuros, os pendurando na gola da blusa. Seus olhos eram afiados como facas e a olhavam descaradamente. Seu instinto mandou desviar os olhos; talvez ele entendesse errado se ela o encarasse de volta.

Durante seu café, ela conseguiu sentir que ele não havia parado de olhá-la por um instante. Vez ou outra não era possível evitar e ela reparava nele também. E então sentia uma grande vergonha tomando conta de seu corpo, e ela procurava qualquer coisa para servir de desculpa para não olhar para ele.

Ao pagar sua conta, ela se sentiu desconfortável ao ter que passar por ele para sair. Reparou que seu perfume era Azzaro, e que ele escondia um cordão de couro embaixo da roupa.

Dirigindo para casa, sua mente ainda vagava no sujeito. A maneira como ele havia a olhado, a posição tensa em que havia tomado durante todo o tempo, e um certo ar indefinido ao seu redor.

Tentou ignorar pelo resto do dia, mas parecia impossível.

Então, resolveu mover o foco para algo diferente; sua festa.