Éramos jovens demais quando eu a conheci, ou melhor, apenas crianças. Imóvel ao lado da janela estava ela ali, todos os dias. Era como se olhar para o céu fosse vital à ela. Vinda de uma família bastante conhecida naquela pequena cidadezinha onde nascemos, Miko era a garota mais linda que já vi. Ele nunca saía de sua casa, o único contato dela com o que havia fora dali era a janela de seu quarto, era como um passarinho que canta mesmo podendo ver a luz do sol somente através da gaiola em que está preso.

Pele branca... traços tão delicados quanto os de uma boneca de porcelana, mesmo ao longe era possível notar o quão macia era, devia ser o mesmo que tocar um pedaço de algodão. Seus cabelos eram longos e lisos, apenas ondulavam levemente em seu comprimento. O tom castanho dos fios era ainda mais belo sob fracos raios de sol que conseguiam invadir o local onde ela sempre estivera. Seus olhos, ah, aqueles olhos... extremamente marcantes como duas estrelas, provavelmente de uma descendência estrangeira, eram da mesma cor de seus cabelos. Eu era completamente hipnotizado por eles.

- É a visão... mais linda que já tive...

Vim de uma família humilde, nada comparada à família dela. Eu estudava arduamente para que no futuro eu pudesse dar uma vida melhor à eles e era todos os dias antes de ir para a escola que eu a via, lá debaixo. Eu queria aproximar-me, soube que ela não tinha amigos. Passara a vida inteira naquele quarto por conta de uma doença incurável, privada de uma infância normal como a das demais crianças. Mas... por que ela olharia para mim? Sempre me perguntei toda vez em que sacudia a cabeça e retornava à realidade, parando de sonhar com aquela garota.

No entanto, um dia tudo mudou. Um dia eu finalmente senti que poderia alimentar os meus sonhos, deixá-los viver em meu coração. Ao passar em frente a casa dela para mais uma manhã de aula meu olhar foi retribuído. Sim, ela direcionou aquele olhar encantador à mim! Paralisei. Aquela bela garota havia estampado um delicado sorriso em seus lábios e acenou para mim. Como um ser tão gentil poderia ser privado do mundo daquela forma? Eu nunca havia corado tanto.

Desde então tomei a coragem de acenar à ela todas as vezes que por ali passava, até mesmo arriscava dar um “bom dia”. Depois de enfrentar a timidez pela primeira vez, tornou-se mais fácil.

Em um dia desses em que eu voltava do colégio, ela me chamou.

- Hey, você! Não sei qual é o seu nome. - Aquele tom doce que poucas vezes tive o privilégio de ouvir me parecia animado.

- Ah... ah... é... Taka-Takahashi Yu! - Sim, eu estava extremamente nervoso.

- Muito prazer. - Ela sorriu. Ela sorriu para mim novamente.

De fato, aquele havia sido o dia mais emocionante de toda a minha vida. Eu não podia crer que aquela garota falava com alguém como eu. Eu não podia crer no quanto ela era gentil.

Com o passar do tempo fui criando coragem de me pronunciar à ela. Após um ano eu já passava a tarde inteira sentado em um banco de madeira que havia na calçada, bem em frente a casa, conversando com ela. Eu me sentia feliz em saber que podia fazê-la rir. Eu me sentia o cara mais feliz do mundo em estar ali com ela.

E assim os anos foram se passando, ela na janela e eu naquele banco de madeira. Quando adolescente eu tive a coragem de uma vez aproximar-me mais dela. Blusa de mangas compridas branca sobreposta por um colete preto e calças justas também pretas, eu estava bem vestido, até. Naquele final de tarde colhi uma rosa vermelha e retirei desta todos os espinhos. No momento u ainda não sabia como o faria, mas eu entregaria a ela.

Meu coração mais parecia que iria saltar para fora de meu peito. Nervosismo, ansiedade... felicidade. Durante todo o trajeto até a casa dela eu fui sorrindo feito um bobo. As pessoas deveriam estar se perguntando que graça tinha aquela rosa que eu segurava para estar sorrindo daquele jeito.

Ao chegar, como era de se esperar, sorri mais bobo ainda. Aquela delicada bonequinha também sorriu, devia fazer muito tempo que ela não via uma rosa em sua frente. Sem delongas, observei aquela parede e corri neste direção, escalando-a com dificuldade até conseguir apoiar meus braços na janela de Miko. Fiquei ainda mais bobo, se isso ainda fosse possível. Quase escorreguei por estar distraído com aquela cena maravilhosa. Era a primeira vez que eu chegava tão perto dela. De um modo completamente desajeitado, estiquei meu braço e ofereci-lhe a rosa vermelha.

- É... é... pra você... Miko-san...

- Yu-kun, é linda! Muito obrigada!

Ela sorriu abertamente. Sorriso este que fez meu peito preencher-se de uma alegria inexplicável. Assim que ouvi sua voz agradecer-me eu caí. Meu corpo ficou doendo pelo resto da semana, minha sorte é que não era tão alto assim. Ela olhou-me preocupado, mas tratei de levantar-me no mesmo instante para deixar claro que estava tudo bem. Ela então riu. De alguma forma, eu conseguia diverti-la.

Amor... não havia outra explicação. Como alguém poderia me deixar tão bobo? Ok... sei que eu já tinha um jeito bobo de nascença mas era um bobo diferente! Me tornei um bobo apaixonado. Aquele sentimento dominava todo o meu interior, fazia com que meu coração acelerasse sem motivo aparente. Aquilo me fazia muito bem.

Anos mais tarde com ela me casei. Era perfeito... era tudo perfeito. Eu tinha ao meu lado a mulher dos meus sonhos. Aquela por qual eu era apaixonado desde a infância. Eu podia tocá-la, sentir seu corpo em meus braços, eu podia sentir o doce sabor de seus lábios. Queria aquela felicidade para sempre. “Sempre” é muito tempo. As pessoas frequentemente utilizam essa palavra, sem ao menos se dar conta de que “sempre” não existe. Infelizmente, não existe.

Três meses após o casamento o estado de saúde de Miko havia piorado, o que quase me fez entrar em desespero. Por que aquilo tinha que acontecer justo quando eu estava tão feliz? Justo quando eu tinha tudo?

Somente a notícia de um médico para me acalmar. Em seu ventre, uma pequena vida começava a se gerar. Minha amada estava grávida. No entanto, a felicidade não veio completa. Realmente o estado dela não se devia somente à gestação, mas também aos efeitos da doença. Ela estava tão feliz com a notícia de que teríamos um bebê que eu me senti incapaz de comentar à respeito.

Como esconder de uma pessoa que sabe que está doente que ela está doente? Talvez fosse bobagem minha não falar nada à respeito, Miko sabia que sua doença estava se agravando dia após dia. Eu permaneci ao seu lado durante todos estes, queria cuidar dela, fazê-la sentir-se bem. Ainda era possível notar um sorriso em seus lábios pálidos. Durante os dois últimos meses de gestação ela esteve de cama, impossibilitada de continuar a andar pela casa como fazia antigamente.

O dia estava frio, nublado. Não demorou para que os primeiros pingos de chuva logo revelassem uma tempestade. Já era de se esperar pois já havia dias em que o céu parecia sem cor, sem vida. Sob meus olhar extremamente preocupado Miko gemia pelas dores do parto, nosso bebê finalmente nasceria. Seria um milagre conseguir um médico em meio aquela tempestade toda então eu mesmo fiquei encarregado do parto.

Era para estar feliz mas vê-la daquela forma tão debilitada rasgava meu coração. Apesar de tudo ela não deixou de sorrir. Com muito esforço, ela deu à luz ao nosso bebê, o fruto daquele amor que cultivamos desde tão jovens.

- É um menino... um lindo menininho... - Eu disse sorrindo à medida em que aproximava o bebê dos braços dela, onde coloquei-o cuidadosamente.

- Meu bebê... - Miko estava visivelmente emocionada, seus marcantes olhos estavam encharcado de lágrimas. - Você vai se chamar Ayame. - Ela disse quase sem voz.

- Ayame é um nome lindo, amor... tão lindo quanto... - Ela me interrompeu pousando os dedos médio e indicador sobre meus lábios.

- Cuida dele, Yu... cuida dele por mim... - Em sua expressão a tristeza era evidente apesar do sorriso. As lágrimas corriam desesperadas por sua face.

Imediatamente selei seus lábios. Eu sabia que este momento chegaria mas não estava preparado para tal. O desespero tomou conta de mim, revelando-se em um mar de lágrimas sem fim. Ajoelhei-me então ao lado da cama onde ele estava e deitei minha cabeça ao lado da sua, pousando minha mão sobre o corpo dela de modo a envolver também o bebê, que chorava incansavelmente.

- Eu te amo, Miko...

Minha voz embargada era quase incompreensível mas eu tinha que dizer isso à ela, que por sua vez, nada respondeu. Silenciosamente sua vida foi indo embora, deixando apenas permanecer aquele sorriso em seus lábios. O brilho dos olhos de minha amada não mais iluminariam meus dias. Aquela doce voz calou-se para sempre.

Ao cair da noite o céu estava limpo, mas triste... Com o bebê nos braços aproximei-me da janela. Dali meus olhos banhados em lágrimas podiam avistar uma pequena estrela reluzente no céu.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.