O subsolo do grande castelo era erguido por grandes pilares de endurecimento titânico, muito similar a um tipo de cristal que compõe também as paredes, o chão, o teto e basicamente tudo que há naquele lugar.

Na testa do velho rei Karl Fritz, um tipo de tinta vermelha escorria por todo seu corpo, prestes a dar início ao "ritual" que daria à Ingrid o poder do Titã Fundador. O rei estava sem camisa, prendendo seus pulsos naquelas correntes presas no cristal.

— Eles estão prontos? — indagou para um dos sacerdotes que estavam ali.

— Não, meu senhor. — ele respondeu.

E de fato não estavam. Um pouco distante dali, mas ainda no subsolo tomado por cristais, Ingrid preparava-se para devorar seu pai. Ao mesmo tempo que animada e ansiosa, também tinha um peso na consciência e obviamente um certo medo, já que a ideia de devorar quem te criou não é lá muito atraente.

— Vai dar tudo certo. — disse a mãe da garota, mexendo em seu vestido. Tudo tinha que estar perfeito para aquela ocasião. — Wilhem, pode ir ver onde está Karl? Precisamos de toda família principal aqui.

— É claro. — O elegante e mais velho Ackerman que normalmente está acompanhado do príncipe Karl estava com seus fios de cabelo negros como a noite jogados para o lado, realçando seus olhos azuis. Além das características comuns, tinha um novo diferencial: um corte em processo de cicatrização que ia de sua bochecha esquerda até o olho esquerdo. — Irei procurar pelo príncipe Karl.

Falando no diabo, Karl Fritz II estava assentado na cama daquele quarto de hóspede, de frente para Ysabel, assentada numa cadeira enquanto o sangue gotejava de sua palma para o carpete. Os Ackerman's que outrora faziam parte da guarda real do príncipe estavam todos de pé na parede, atentos e sem abaixar a guarda.

— Mesmo que alegue inocência, eu não consigo crer. Estava indo contra a entrada do subsolo, onde deve estar o rei neste exato momento. Ia encontrar Garric Tybur, estou certa? — indagou Ysabel Gestova, sempre firme nas suas palavras. O olhar intimidador e a sua capacidade de pô-lo contra parede fez Karl cerrar os punhos e deixar algumas gotas de suor escaparem pelo rosto. — Eu sinto muito, mas agora ele deve estar morto.

— Não, eu tenho certeza que não. — afirmou Karl, deixando finalmente a máscara cair. Apoiou os cotovelos sobre os próprios joelhos e semicerrou os olhos. — Isso é muito maior que você e eu, Gestova. Estamos falando do destino de Eldia e do mundo. Estou fazendo o necessário para a estabilidade do planeta; as nações devem proliferar, e tiramos esse direito delas. Nossos pecados são lendários, e mesmo se devolvermos os territórios às nações violadas, o mundo nunca vai ser o mesmo de antes. Temos uma dívida histórica.

— Estou farta de pessoas bancando o justiceiro, Karl. — Ysabel o interrompeu — Justiça é algo que nunca vai existir neste mundo, e francamente? Um Fritz naturalmente é o último que pode falar disso. Como rei, o dever do portador do Titã Fundador é manter a estabilidade de Eldia e desenvolvê-la ainda mais. O dever de um rei é para com seu povo, deve atropelar e continuar avançando, independente do que esteja no caminho do império. Não é a toa que não foi escolhido, meu eterno príncipe.

— Eu não espero que você entenda. Na verdade, a última pessoa que pode me entender é você, Gestova. Não é como se se importasse.

— Você tem razão, eu não me importo. Ainda sim, posso compreender diferentes pontos de vista e, de longe, o seu é o mais inacreditável. Por que armaria contra seu pai? O homem com o poder de manipular cada célula de seu corpo? Isso é suicídio.

— Talvez fosse há alguns anos atrás, mas não mais. — Ysabel ficou em silêncio, prestando atenção nas palavras de seu povo. — Meu pai completou os treze anos da maldição de Ymir, e certamente teria mais uma ou duas semanas de vida caso não fosse devorado hoje. Seu poder está desgastado, e eu percebi isso quando ele mal conseguiu caminhar por uma semana após a operação anti-Marley, onde ele usou seu poder apenas para mover alguns irracionais. A verdade é que graças ao desgaste físico e psicológico de meu pai, ele está perdendo contato com "ela".

— Ela?

— Ymir Fritz.

— Ymir Fritz está morta.

— Deuses não morrem, Gestova. — afirmou Karl, arrancando um suspiro de Ysabel. — Meu pai me contava histórias quando eu era criança. Ymir Fritz atende ao chamado daqueles com sangue real, mas somente o Titã Fundador pode canalizar todo seu poder divino. Está mais que claro que meu pai está aos poucos perdendo contato com Ymir, caso contrário, talvez sentisse os dois titãs que estão lutando lá fora. — Ysabel demonstrou uma micro-expressão de surpresa, o suficiente para Karl abrir um sorriso de canto. — Eu acertei?

— Sua ganância me assusta, Karl Fritz.

— Minha ganância é por um mundo melhor, Gestova. Você nunca vai entender? — indagou Karl. E mais uma vez os dois voltaram a se fitar.

Num dos inúmeros corredores do castelo, Akira Ackerman finalmente vestia seu uniforme, carregando a espada em sua bainha ao lado da cintura, balançando seu manto verde para lá e para cá. Ellie estava logo ao lado, com os cabelos presos e um olhar firme e determinado.

De repente, no final do corredor, ninguém mais ninguém menos que Wilhem Ackerman, o segurança real da família Fritz caminhava vagarosamente em busca do príncipe Karl.

Akira, com um raciocínio rápido, cutucou o ombro de Ellie para mantê-la alerta. Na sua cabeça, as palavras de Eivor soavam de uma memória recente:

"Apesar de que ele estava mascarado quando o encontrei, certamente ele não vai conseguir esconder a cicatriz..."

Ambos suavam frio, precisavam evitar um confronto direto – especialmente com um inimigo daquele porte. Seguraram a respiração e o coração começou a bater mais rápido na medida que Wilhem se aproximava.

Mas felizmente ele passou reto, sem dizer absolutamente nada. Akira e Ellie pareciam mais aliviados, quando...

— Ei. — A voz do mais velho ecoou, e imediatamente a dupla ficou paralisada. A mão de Eivor foi sutilmente para o cabo de sua espada, pronto para corresponder uma ofensiva. — Para onde estão indo?

Mais um silêncio se fez no corredor.