She Looks So Perfect

Capítulo 1 - Are you kidding?!


Capítulo 1 – Are you kidding?!

— Você está brincando comigo?! – gritei, indignada.

— Não quer dizer não, Charlotte! – disse minha mãe mais uma vez à minha proposta de intercâmbio para ir morar com meu pai.

Acontece que ele não mora num país tão perto do Brasil como a Argentina ou o Chile. Ele mora na Holanda. A Holanda onde tem Amsterdã, uma das capitais mais lindas do mundo, que tem como moeda o euro, que foi um Reino durante quatro anos na Era Napoleônica e hoje vive sob uma monarquia constitucional. A Holanda que tem vários pontos turísticos que eu poderia visitar quando eu não estivesse estudando e meu pai não estivesse em casa. E a Holanda que ficava mais perto da Inglaterra do que o Brasil É, eu meio que já fiz meu dever de casa. Não que isso ajudasse na decisão da minha mãe. Não acho que deixaria minha filha morar com o cara que teve uma breve história de amor comigo durante uma turnê, me enganado e me abandonando antes mesmo dela nascer. Mas meu pai não teve escolha, eu sempre entendi isso.

— Mãe, eu tenho direito de querer ir morar com ele! – insisti, rezando a Deus que ela dissesse finalmente sim. Não sou muito religiosa, mas acho que na hora do aperto qualquer coisa está valendo.

— Charlotte, não posso fazer isso. – ela disse, diminuindo o tom de voz; sua dor expressa em seus olhos.

Suspirei, tentando ganhar tempo para analisar todos os argumentos ao meu favor.

— Eu sei que você sentiria a minha falta, mãe. – comecei, decidida a ir até o final. Eu queria, e precisava, sair do país. O Brasil nunca foi o meu lugar e esperava que pudesse estar a um passo de achar meu verdadeiro lar em Londres morando com meu pai. Era ao menos o primeiro passo para estar onde queria e bem longe de tudo o que havia passado até então – Mas você sabe como eu odeio o Rio. Eu odeio o Brasil. E preciso ir atrás dos meus sonhos. Você realizou seu sonho indo naquele show do AC/DC há dezoito anos atrás, mas o meu não está aqui e nunca estará. E eu preciso passar mais tempo com meu pai. Já faz quatro anos que ele não me visita e conversamos apenas por mensagens no celular.

Terminei meu discurso e analisei seu rosto à procura de um indício expressando que ela se convencera. À medida que os segundos se transformavam em minutos, o desespero já começava a me tomar. E todas as minhas expectativas lá fora? E meu intercâmbio com Allison, minha melhor amiga? E o tempo a mais que eu passaria com meu pai? E minha possível futura viagem a Londres? Como isso tudo ficaria?

E então minha mãe suspirou, transformando toda a confusão de emoções em duas únicas: esperança e ansiedade.

— Tudo bem. – ela disse, e meu coração quase saiu pela boca. Comecei a pular e gritar, abraçar e beijar seu rosto. – Calma, calma, Charlie. Eu deixo você ir, mas com algumas condições.

Eu fiz uma careta à menção da palavra condições, conhecendo minha mãe o suficiente para saber que isso não era boa coisa. Então eu a soltei e me afastei, esperando para ouvir o veredito.

— Manda a bomba. – eu disse.

— Primeiro, terei que conversar com seu pai. – ela começou, e percebi que isso podia não ser uma boa ideia. Mas nada que eu pudesse dizer em voz alta sem ficar sem meu computador ou meus livros. – Preciso saber toda a agenda dele para o período do seu intercâmbio. Quero cuidados especiais para uma escola perto de casa. Quero toda uma pesquisa sobre a Holanda e sobre a segurança de Aalten. Quero manter contato para saber se está tudo bem.

Abri um sorriso de orelha a orelha. Finalmente conseguirei realizar meu sonho e da Holanda estarei a um passo de Londres, a cidade dos meus sonhos. Espero poder um dia ir até lá – fugindo, provavelmente – e conhecer meus maiores ídolos, como The Rolling Stones, Tears For Fears, Black Sabbath, Coldplay, The Cure, Ed Sheeran, McFLY, Iron Maiden, Muse, mas, principalmente, os garotos do One Direction. Devo admitir que, apesar de ser uma roqueira nata, aqueles garotos são o sonho de consumo de qualquer garota que tenha a plena consciência do que é beleza masculina e hormônios femininos. Claro, não posso esquecer dos australianos lindos que eu e Allie somos apaixonadas, 5 Seconds Of Summer.

— Muito obrigada, mãe! – gritei, agradecendo e dando-lhe um forte abraço antes de correr escada acima para contar as novidades para Allie.

Sentei em minha cama e peguei meu celular. Disquei o número da minha melhor amiga enquanto pegava o passaporte embaixo do travesseiro e olhava-o maravilhada, como a louca que eu sou.

Alô, Charlie?— ela atendeu no segundo toque.

Tenho novidades, gata!

~*~

— Você está falando sério?! – gritei, indignada, exatas vinte e quatro horas depois.

E eu achando que tudo estava certo para irmos para a Holanda.

Como a vida pode ser cruel.

Parecia até uma recriação da cena no dia anterior. A diferença era que hoje era uma segunda-feira, com aula, e que Allison viera comigo para minha casa e estava sentada na poltrona revezando seu olhar divertido entre mim e minha mãe.

— Mas, mãe...! – teimei, prestes a fazer birra, apesar de não ser do meu feitio.

— Nada de mas, Charlotte, você terá que decidir. – disse mamãe, suspirando e se sentando no sofá atrás de si. – Seu pai está numa viagem pela Europa, ou algo assim, durante alguns meses. E, apesar de você adorar a sua madrasta, e Ellen ser muito mais responsável que seu pai, não confio nela para cuidar da minha filha. Então conversei com ele e combinamos que, como ele voltaria para a Austrália depois disso, decidimos que você poderia fazer seu intercâmbio para lá, ficando na casa que ele deixou antes de ir pra Holanda. Vocês duas conseguiriam sobreviver durante alguns meses com ajuda de seu tio Malcolm. Seus primos Cara e Ross decidiram ir pra Sydney e ele foi junto.

— M-mas... – eu gaguejei, ainda em choque e desesperada. – E Aalten? E Londres?

— Londres? – minha mãe franziu o cenho.

Allie pigarreou, chamando minha atenção para a besteira que eu estava deixando escapar. Minha mãe não precisava saber que eu arrumaria um dia para fugir para Londres. Bem, ao menos não até eu estar longe dos olhos dela e evitar que ela me amarre na cadeira. E ela é capaz de fazer isso, principalmente quando eu quero ir ao cinema no meio da semana e a resposta dela é não.

— Eu tenho opção? – perguntei por fim.

— Se quer sair do país, não. – respondeu minha mãe, suspirando.

— Ótimo, vamos para Sydney. – disse, me jogando na poltrona atrás de mim, pensando que assim que eu poderia afundar minha decepção tanto quanto minha bunda no almofadado.

Allie pulou de sua poltrona, gritando, pulando e batendo palmas como uma foca. Incrível como ela conseguia fazer coisas estranhas.

— Vamos para Sydney! – ela comemorou, e minha mãe saiu da sala, rindo, e dizendo que ia preparar as coisas para a viagem.

— Você está feliz com isso?! – perguntei, impressionada e assustada, e ela assentiu, com os olhos brilhando e um sorriso de orelha a orelha. Talvez o mesmo sorriso que eu tinha no dia anterior, quando minha mãe disse que veria com meu pai sobre meu intercâmbio a Holanda. Pena que o plano saiu pela culatra. – Mas e Londres?!

— Londres pode esperar até nos formarmos. – ela disse. – Sydney é uma das maiores cidades do Oriente e do mundo! Tem o Opera House, aquelas praias lindas!

E fica a mais de dezesseis mil quilômetros de Londres, acrescentei mentalmente.

Era hora de fazer uma nova pesquisa de dever de casa.

Repito: como a vida pode ser cruel.