Charlotte e Julieta entraram na sala de jantar e no mesmo instante, todos ali presentes - Gabriel, que sorriu de leve para Lotte; Jam, este sorriu para Julie, Jordan com cara de quem não dorme a dias e Melissa, como sempre emburrada - As encararam.

— Charlotte, que bom que veio! - Anne disse entrando segundos atrás delas.

Ambas trocaram um grande abraço de anos de amizade. Jordan não sabia o que mais poderia acontecer naquele lugar. Uma garota loira, linda e do tipo que deveria ser popular caso não pertencesse a esse mundo bizarro, conhecer uma mulher feito Anne.

— Anne! Não deixaria de vir nunca! - Charlotte respondeu sorrindo e sentou-se à mesa após um gesto da mulher.

— Caçadores de sombras - Anne chamou a atenção de todos e Jordan não se ofendeu por ter sido esquecido, de novo. - Essa é Charlotte Le Blanc. Uma velha amiga.

Anne sorriu para a garota e ambas trocaram um olhar de diversão. Somente elas conheciam a piada interna.

— Mas o que... - Lotte começou e pôs as mãos na cintura fina. - Eu só tenho trezentos e dezesseis anos!

Jordan cuspiu o suco de cereja que havia em seu copo. Francamente, Madeleine errara na medida daquela bebida naquela noite.

— Como é? - O garoto perguntou enquanto Jam e Gabriel riam da confusão.

— Será que vamos ter que desenhar? - Melissa falou pela primeira vez, depois da briga que tiveram. - Charlotte é uma vampira.

Julieta encarou a loira de imediato. Uma vampira? Como assim? Se demônios e seres do submundo não podem entrar no instituto, como Lotte está lá dentro?

— Mel. Poderia ser menos agressiva, está bem? - Anne perguntou e a garota bufou. - Deixe eu explicar melhor. Charlotte esta aqui a meu pedido. Ela é a representante do clã de Seattle em Idris e eu preciso saber o que anda acontecendo por lá.

— Não se preocupem, garotos. - Lotte disse e sorriu, mostrando seus caninos afiados. - Eu não vou morder vocês. A não ser que queiram.

Os olhos verdes da vampira brilharam e Gabriel riu consigo mesmo, trocando um olhar maroto com Jam.

— Sei... - Jordan murmurou e tomou mais um gole do suco de cereja.

A risada de Gabriel, Jam e até mesmo Melissa, o fez parar.

— Ah, e só para te avisar mundano - Gabriel falou com um sorriso sarcástico nos lábios. - Isso que está bebendo é sangue.

Jordan fez uma careta e cuspiu uma boca cheia do líquido quente e vermelho para fora. Não acreditava que havia bebido sangue. Bem que o gosto estava metálico e diferente do de uma cereja.

— Poderiam ter avisado antes! - Ele disse emburrado e limpando a boca com as mangas da blusa de frio preta que pegara emprestada de Jam.

— ah, pra que? Você estava adorando! - Lotte brincou e alguns riram.

— Quer saber... Para mim já deu! - Jordan disse e bateu o guardanapo branco na mesa.

Levantou-se com tudo e caminhou a passos largos até a porta do salão. O que sentia estava além de raiva e irritação.

— Jordan! - Julieta gritou e começou ir atrás do amigo.

Ambos quase se chocaram quando, ele virou-se para encará-lá, tão bruscamente, que Julieta precisou se segurar nos ombros do garoto.

— Já chega, Julie. Eu não me encaixo nesse mundo. Esse é o seu mundo, não o meu. - Jordan falou olhando-a nos olhos. - O meu mundo é simples e fácil. É chegar da escola e jogar video-game, comer alguma porcaria e se preocupar com a prova de amanhã. O seu é complicado. Vocês precisam matar, se machucam por causa disso e morrem quase sempre. Vocês tem vampiros, lobisomens, feiticeiros e demônios que não sei nem de onde eles surgem e nem o por que essas coisas não ficam no mundo deles... Enfim... Desculpe mas, não quero ser o próximo com uma lâmina semafim na garganta.

Lâmina Serafim. - Melissa corrigiu encarando o mundano de braços cruzados.

— Tanto faz! - Jordan respondeu e suspirou. - Está vendo? É por isso que eu tenho que ir embora.

— E também por que você não poderia estar aqui e nos atrapalha na maioria das vezes... - Mel continuou e recebeu olhares feios de alguns dali.

Naquele momento, Madeleine entrou pelo salão e entregou um envelope para Anne e depois saiu.

— Mel eu acho que já chega... - Jam interferiu, porém a garota se desvencilhou da mão dele.

— Jordan... Não pode ir. - Julieta murmurou segurando as lágrimas na garganta. - Você precisa ficar.

— Ela tem razão. - Anne disse franzindo as sobrancelhas para o papel que estivera lendo nos últimos segundos. - Ninguém entra e ninguém saiu desse instituto.

— Como assim? Eu vou sair sim. Não sou bem vindo aqui e alguns deixaram bem claro isso! - Jordan disse e lançou um olhar rápido para Melissa. - Eu sinto muito, Julie. Sabe onde me encontrar se precisar do seu melhor amigo de novo.

Jordan saiu da sala de jantar a passos largos e rápidos. Logo depois, deixou o instituo e se dirigiu para sua casa que há alguns dias, não via. Já sabia até o que diria para sua mãe. Que ele havia acampado com os pais de Julieta - mesmo eles estando mortos, mas sua mãe não saberia disso - e que esquecerá de avisar. Uma desculpa idiota, mas a única que faria sentido.

Todos voltaram o olhar para Anne.

— Armand Grayfox me enviou uma carta. - A mulher disse e sentou-se na cadeira novamente.

— E? - Gabriel perguntou dando alguns passos aleatoriamente.

— O inquisidor disse que houve um ataque em Idris. - A expressão de todos se tornou ainda mais tensa. - Demônios atacaram e mataram mais de cem do nosso povo. E o pior ainda está por vir.

— O que quer dizer? - Jam perguntou trocando olhares com os amigos e por último, com a diretora do instituto.

— Quer dizer que eles estão vindo atrás de nós. De todos nós. Se conseguiram chegar a Idris, o que os impede de chegar a nós? - Anne explicou e se levantou, já que estavam todos de pé.

— O que vamos fazer? - Julieta perguntou.

Por mais que entendesse apenas uma pequena parte de tudo aquilo, estava preocupada. Por algum motivo, aquele era o seu mundo também. Tinha sangue de caçador de sombras e a ameaça servia para ela, assim como para todos os caçadores do mundo.

Charlotte deu alguns passos para frente de onde estava, suas botas estalando no chão. Enquanto todos a olhavam, ela disse:

— E é por isso que eu estou aqui.

****
Aquele jantar, foi o pior que James já tivera em toda a sua vida. Más notícias era pouco para descrever o que aconteceu durante aqueles poucos minutos de confusão. Ele duvidava muito que alguém tivesse comido alguma coisa depois de tudo aquilo.

Haviam perguntas que nem mesmo ele - que passara sua infância inteira dentro de uma biblioteca após os treinos - sabia responder.

Uma batida na porta o tirou de seus devaneios profundos. O vento entrou pela janela de seu quarto, tocando a pele nua dos braços definidos e ultrapassou os fios da camiseta e da calça que era um confortável pijama.

Seus olhos avistaram a silhueta de Julieta, parada no corredor, ainda com as roupas do dia. As mãos enfiadas nos bolsos de trás do jeans, a regata amassada e os cachos bagunçados.

— Eu não consigo dormir. - A garota disse com uma voz preguiçosa. - Eu tentei mas, não consegui. Então eu vi sua porta aberta e eu pensei...

— Quer conversar? - Jam perguntou com um pequeno sorriso no canto dos lábios.

Julieta confirmou com a cabeça e hesitou antes de dar os passos restantes para entrar no quarto dele.

Ela tinha tantas perguntas. Perguntas que não a deixavam dormir direito desde que sua vida mudou drasticamente.

Jam permaneceu parado, perto de sua cômoda de madeira abaixo da janela. A cima no móvel havia algumas adagas e sua estela que ganhara dos pais.

— Eu ganhei essa aqui quando fiz minha primeira marca. - Ele comentou enquanto Julieta se aproximava da cômoda e dele.

— Quantos anos tinha? - Ela perguntou e pensou melhor na pergunta. - Quero dizer, quantos anos tinha quando você começou com tudo isso?

— Doze. - Jam respondeu e olhou seu rosto surpreso. - A maioria de nós começa cedo. Quanto mais tempo se pratica, mais experiência se adquire.

Julieta olhou para o pulso. Uma das marcas que ele havia feito nela ainda estava lá. Haviam se tornado linhas claras, como cicatrizes, mas ainda eram visíveis. Porém, a marca em seu ombro, que lembrava a noite em que ela conhecera Gabriel Crossland, ainda continuava lá. Escura e forte.

— Por que algumas somem e outras não? - Julie perguntou sentando-se na cama do garoto.

Jam sentou-se ao lado dela, deixando uma distância que não constrangesse nenhum dos dois.

— Todas saem. Menos uma. A primeira sempre fica. É para sempre. - Ele respondeu e observou o Iratze no ombro nu da garota. - Por isso, nós escolhemos o lugar que queremos para a primeira.

— Bem, eu não tive muita escolha. - Julieta comentou e riu por alguns segundos, junto com Jam. - Que droga.

— O que? - O caçador de sombras perguntou franzindo a testa para ela.

— Tudo isso. Tudo o que está acontecendo não era para estar acontecendo. - Julie respondeu e suspirou pesadamente. - Eu tinha uma vida ótima, que eu costumava achar uma droga. Mas agora, tudo está...

— Desmoronando? - Jam concluiu e abaixou os olhos para as próprias mãos.

— Isso. O mundo está caindo lá fora. Os demônios enlouqueceram, não foi?

— Não. - O garoto soltou uma risada curta. - Demônios não são assim. Não conseguem entrar em Idris. Há barreiras mágicas, guardiões.

— Quer dizer que alguém os deixou entrar? - Julieta perguntou completando seu nível máximo de confusão.

— Talvez. Mas, pouco provável. Infelizmente ninguém sabe o que está acontecendo. Espero que descubram logo! - Jam finalizou com um suspiro e percebeu os olhos da garota em si.

— Jam, eu posso perguntar uma coisa?

— Claro. - Ele respondeu franzindo a testa, curioso.

Julieta respirou algumas vezes. Fazia tempo que não falava assim com alguém. Jordan esqueceu de que, sob tudo isso, ainda há a sua melhor amiga. Porém, agora, ela tinha Jam para conversar nas noites.

— A Melissa... Ela... Me odeia, não é? - Julie soltou e prendeu a respiração para falar novamente. - Eu não sei por que mas, sinto que ela me odeia.

— Ela não te odeia. Ela só... - James começou, mas foi logo interrompido.

— O que? Vai me dizer que ela só está chateada por eu ter quase matado ela naquela noite na Boate do Inferno? - Julieta desabafou e sentiu que havia falado demais.

Ela não sabia se poderia falar sobre aquilo. A garota não teve certeza se era para ela se lembrar daquilo. Pela expressão de Jam, a resposta é não.

— Até eu me odiaria. E acredite, eu estou. - Ela completou com um suspiro de cabeça baixa.

— Não... Não se odeie. - Jam disse gentilmente se aproximando alguns centímetros. - Ei... - Julieta ergueu o rosto e deu de encontro com os olhos azuis oceano do garoto. - Eu não sei como fez aquilo, ou como fez aquela adaga flutuar antes de cair no chão, mas, foi incrível!

— Foi bizarro! - Julie corrigiu piscando várias vezes para não deixar as lágrimas caírem.

— Foi incrível! - Jam ressaltou e sorriu para ela. - É como magia. Como se você pudesse fazer coisas além do que nós podemos.

A luz da lua iluminou o quarto e a refletiu o brilho da estela de Jam. Julieta ficou imaginando como teria sido sua vida se seus pais a tivessem criado como uma criança caçadora de sombras desde pequena.

— Quando eu vou ter uma dessas?

Jam sorriu. E alternou o olhar de sua estela para a garota.

— Quando quiser, caçadora de sombras.

Julieta sorriu de leve e o rubor tomou conta de suas bochechas.

— Posso te contar uma história? - James perguntou e a garota concordou com a cabeça.

Ambos se deitaram na cama macia e desarrumada. As luzes apagadas e apenas o abajur de luz fraca iluminava o ambiente.

— Preto para caçar pela noite. Para a morte e o luto, a cor é o branco. Ouro para a noiva com seu vestido. E vermelho para chamar o encanto...

— Espera. - Julie murmurou e encarou os olhos dele. - Os caçadores de sombras não começam com era uma vez?

Jam riu mais uma vez, achando fofo o modo como ela era ingênua e alienada do mundo das sombras.

— As vezes precisamos mudar o começo para termos um novo final.

Enquanto contava uma das fábulas dos caçadores de sombras para a garota, via a luz da lua iluminar o rosto dela.

— Seda branca quando nossos corpos queimarem. Bandeiras azuis quando os perdidos voltarem...

Tão delicado e tão claro. O nariz pequeno e levemente arrebitado. Os cachos pretos, compridos e bagunçados espalhavam-se sobre o travesseiro branco.

— Chama para o nascimento de um Nephilim e para lavar nossos pecados. Cinza para conhecimentos que devem ser secretos. Marfim para os que não chegam a envelhecer...

E os olhos dela fecharam-se em um determinado momento, fazendo com que Jam, ficasse imaginando, os sonhos que ela estava sonhando da forma que seus olhos se mexiam de leve sob os cílios longos e finos.

— O açafrão ilumina a marcha da vitória. Verde repara nossos corações partidos...

Os lábios pintados naturalmente de rosa claro, desenhavam um formato de uma boca perfeita. Havia também, um beijo escondido no canto direito.

— Prata para as torres demoníacas. E bronze para invocar poderes incríveis.

O último verso do conto infantil foi dito e assim, Jam a cobriu até os ombros e acariciou sua bochecha macia.

Não sabia direito o que sentia, mas sabia, que era alguma coisa.