— Então, temos um acordo?

Julie respirou fundo, sentindo o ar passar pelas narinas e chegar aos pulmões e depois soltá-lo novamente. A conversa com Lilith tinha sido extremamente longa e todas aquelas palavras ainda giravam em sua mente como um filme.

Ela lhe contara tudo. Toda a verdade e foi paciente o suficiente para responder todas as questões que Julieta havia feito a ela. Agora a garota entendia que Lilith foi ambiciosa o suficiente para se livrar do próprio rei do inferno somente por odiá-lo, o que fez com que seus poderes fossem reduzidos a quase nada e com que ela precisasse de alguém para continuar o seu reinado. A grade rainha estava morrendo e a cada dia que se passava, seus poderes diminuíam, mas, tais poderes não desapareciam simplesmente e sim, encontravam uma nova fonte ou receptáculo. Lilith se certificou há dezesseis anos atrás, de que sua magia das trevas não fosse para qualquer demônio ou feiticeiro quando possuiu uma mundana inocente e a fez engravidar de um caçador de sombras. Por isso, Julieta podia pegar as armas angelicais e tinha magia. Contudo, as marcas eram demais para ela.

— Você é meu receptáculo Julieta. A minha joia mais preciosa. - Ela havia dito.

Lilith também lhe dissera, que quando a garota nasceu, ela a levou pessoalmente para a casa dos humanos que cuidaram dela durante esses anos e que todo ano, em seu aniversário, ela lhe visitava, mas observava de longe.

— Eu sempre estive com você. Você só não sabia que eu existia.

Em um dado momento da conversa, Julieta havia lembrado de uma coisa que a mulher havia falado antes, a questão de seu verdadeiro nome. Julieta não era o nome que Lilith teria dado e ela, mesmo não sabendo o por quê, quis saber qual era.

— Amarantha. Esse seria seu nome. Significa imortal. - Ela a respondera.

Porém, a paciência de Lilith foi se acabando ao longo das perguntas. Então, a mulher foi ao ponto que ela queria chegar desde o início. Um acordo. Julieta literalmente estaria fazendo um acordo com o demônio se aceitasse a proposta dela. De qualquer jeito, Julie não tinha escolha. Ela teria que aceitar se quisesse salvar seus amigos.

— Vamos lá Julieta. - Lilith disse repousando ambas as mãos sobre os ombros da garota, ainda sentada em sua poltrona. Há alguns minutos, a mulher havia começado a rondá-la enquanto fazia a proposta. Ela se aproximou do ouvido da menina e sussurrou: - Seja a futura rainha e salve seus amigos. Afinal, eles não tem nada haver com isso, não é?

Julieta se levantou e encarou a mãe. Agora, a ideia de ser filha de quem é não a incomodava muito mais, pois, não seria possível mudar aquilo e era fato. O pior de tudo, era que Lilith tinha razão.

— Se eu aceitar, você vai deixar eles irem? - A garota perguntou. As mãos unidas em suas costas, escondendo o movimento da serpente em seu braço. O bracelete que Charlotte havia dado a ela, seria útil naquela hora.

— Eu nunca quebro um acordo querida.

~•••~

Julieta seguiu Lilith pela porta e caminharam pelo corredor das celas até que pararam em frente a que James e Jordan estavam. Ela pôde sentir a magia da barreira se desfazendo e as correntes evaporando, deixando-os livres. A garota adentrou a cela e se ajoelhou em frente ao melhor amigo. Era culpa dela ele estar ali, ela o havia trazido para esse mundo maluco e cheio de monstros.

— Julie, o que você fez? - Ele perguntou aceitando o abraço um tanto forte demais da garota. Ele estava fraco devido ao que Lilith fizera com ele.

— shhh. - Julieta murmurou segurando o rosto dele nas mãos. - Você vai ficar bem, eu prometo.

Depois, a menina foi até o caçador de sombras, já de pé com alguma dificuldade. Jam era rápido e costumava ignorar a dor das batalhas.

— Não era para você ter vindo. - James disse analisando o próprio corpo em busca de machucados, pois suas marcas não funcionavam no inferno.

— Eu não podia deixar vocês! E mesmo se eu não viesse, sabe que Gabriel viria.

Julie encontrou os olhos do rapaz e por alguns segundos, eles estavam no parque novamente. Ela no escorregador e ele atrás dela, quase se beijando. As bochechas da garota ruborizaram ao se lembrar da cena que tinha esquecido completamente depois que eles sumiram. Eles quase tinham se beijado e em condições normais, ela o evitaria para sempre e o assunto também, mas agora, ela não tinha tempo para isso.

Um grito irrompeu o corredor e todos ali puderam ver um dos guardas de Lilith caindo morto no chão. O sangue preto escorrendo do pescoço e sua cabeça rodando até os pés da rainha. Não havia ninguém detrás do corpo, mas o brilho forte da espada angelical que Jam conhecia muito bem o fez saber quem era. Além do mais, sua marca de parabatai formigou.

— Falando no diabo... - Comentou e olhou para Lilith. - Não você.

O caçador de sombras irrompeu o corredor segurando duas espadas que pingavam sangue negro. Gabriel encarou Lilith com um olhar divertido e com uma gota de raiva e apesar de não entender o que estava acontecendo ali e o por quê de seus amigos estarem solto de alguma forma, ele continuou a caminhar, mas ela o jogou longe com magia. O garoto bateu contra uma parede e caiu no chão, suas armas voando longe.

~•••~

Pandora ja havia parado de se assustar com cada grito dos diversos demônios do lado de fora depois de vigésima vez. Ela sabia bem que seu pai era um deles, apesar de nunca tê-lo visto pessoalmente - de certa forma, queria nunca encontrar. Aqueles monstros a enojavam e lhe davam arrepios.

A feiticeira olhou para a vampira loira e corajosa demais para acompanhar os caçadores de sombras - aos quais a lealdade de Lotte era imensa, Pandora não sabia exatamente o por quê - e se perguntou por instantes se Charlotte era corajosa mesmo ou somente estúpida para se arrastar para o mundo inferior.

— Você pode parar de andar? Por favor? - Pandora pediu com a voz baixa, temendo acordar Melissa. A vampira a encarou e parou de dar seus passos ágeis, preocupados e impacientes.

— Não precisa falar baixo. Ela não vai acordar. - Lotte respondeu de braços cruzados à frente do peito, olhando para a caçadora de sombras deitada sobre o chão duro da caverna. - Não é?

A troca de olhares que se seguiu foi no mínimo tensa. A feiticeira sabia o que Charlotte havia pensado, pois, era o mesmo que ela havia pensado. Mel não acordaria. Mesmo com o feitiço que Pandora havia feito - o mais forte e poderoso que já ouviu falar e praticou - as chances eram pequenas, para não dizer inexistentes. A magia na caçadora de sombras, era das trevas e quase desconhecida. Ela tinha feito o que pôde, mas não foi suficiente. Claro que Pandora conhecia feitiços e poções que talvez ajudassem, mas eram magia negra e ela nunca optou por esse lago de sua mágica. Nunca iria.

Charlotte caminhou até a garota sentada no chão, encolhida e com alguns arranhões e sentou-se ao seu lado apoiando os cotovelos nos joelhos.

— Por que os ajuda tanto? - A feiticeira perguntou olhando para Melissa, seu peito subia e descia cada vez mais lentamente.

— Eu era um deles. - Lotte respondeu num suspiro e encontrou os olhos penetrantes de Pandora na mesma hora. - Eu sei, difícil de acreditar. Três séculos atrás eu pertencia ao instituto de Seattle e durante uma batalha contra um clã de vampiros eu fui mordida e sequestrada. Meus amigos não chegaram a tempo e eu acabei virando uma criança da noite.

— Eu sinto muito. - Pandora disse num suspiro.

— Eu também. - A vampira concordou e sorriu levemente, apenas repuxando os cantos dos lábios com as lembranças dos tempos antigos. - É difícil não poder mais caçar e tocar nas armas e sair no sol... - Ela encontrou os olhos da feiticeira de novo - Eu amava Idris no verão. Era tão lindo ver o nascer do sol do telhado do salão dos acordos...

— Você subia em telhados?! - Pandora perguntou intrigada.

— Você não? - Charlotte retrucou a pergunta, desta um tanto curiosa.

— Orion sempre me manteve trancada. Nunca tinha saído daquela casa até ontem. - A feiticeira respondeu ajeitando o cabelo bagunçado atrás da orelha.

— Seu irmão era insuportável e um traidor, sem ofensa, mas...

— Tudo bem. Ele era. Eu sei. - Pandora se apressou em dizer. Porém, mesmo depois de tudo que Orion a fez passar, ela não conseguia odiá-lo. De qualquer forma, ele era seu irmão e sangue é sangue. Família é a coisa mais importante e era tudo o que ela tinha.

Um som agudo irrompeu o breve silêncio deixado pelas últimas palavras de Pandora, ferindo seus ouvidos agressivamente. Ambas taparam suas orelhas, mas não foi o suficiente. Sombras começaram a rondar a caverna formadas pela pouca luz que havia no submundo.

Charlotte se levantou rapidamente depois que o grito se dissipou e planeja ir lá fora e ver que tipo de ameaça enfrentavam e se teriam a mínima chance de sobreviver sem armas contra demônios, porém, a feiticeira também já estava de pé e havia segurado seu pulso direito.

— Onde pensa que vai? Gabriel disse para não sairmos! - Ela argumentou.

— Se eles entrarem estamos perdidas! Eu posso ganhar tempo até eles voltarem! - A vampira respondeu tentando se soltar e falhando, a garota parecia ser um cristal de tão frágil, mas era forte. Charlotte não soube dizer se eram força ou algum tipo de magia.

— E se eles não voltarem?! Você vai morrer! - Pandora retrucou ainda tentando conversar a loira a ficar dentro da caverna.

Charlotte sabia que uma hora ou outra, aqueles monstros iriam entrar e acabariam estraçalhando as três ali. Talvez, Melissa nem percebesse ou nem ao menos sentisse quando acontecesse, a caçadora de sombras estava debilitado demais e Lotte também sabia que, infelizmente, ela não duraria muito mais. Seu coração já estava diminuindo o ritmo dos batimentos e seu sangue não corria normalmente pelas veias.

— Tem uma ideia melhor? - A vampira perguntou para a feiticeira.

Pandora pensou. Na verdade, ela tinha sim uma ideia melhor; mas, ser melhor não quer dizer que era uma ideia humanamente correta. Então, a garota olhou para Melissa e Lotte começou a negar com a cabeça muitas e muitas vezes, finalmente se soltando dos dedos.

— Não! Absolutamente não! Gabriel vai nos caçar e nos picar em pedacinhos e depois eu nem sei mais o que ele vai fazer com a gente! Disse que tinha uma ideia melhor... - Ela levou as mãos à cabeça e as deslisou pelos cabelos loiros.

— Essa é a ideia melhor! - Pandora argumentou novamente. - Nossa ideia melhor! Não temos escolha , Charlotte... Se quiser sair viva daqui precisamos fazer isso! - A feiticeira se aproximou da loira e procurou seus olhos. Ela sabia exatamente como conversar alguém.

Mais gritos, cada vez mais perto, foram o suficiente para convencer Lotte. O que elas iriam fazer tinha zilhões de formas de dar errado e de elas acabarem mortas ou pior. A clave não perdoaria. Elas seriam odiaras por todos os caçadores de sombras. Gabriel nunca as perdoaria e as caçaria até conseguir sua moeda de troca. Elas estavam prestes a fazer Mel de isca demoníaca e isso, não é algo perdoável, em nenhum mundo.

~•••~

Em algum momento da batalha, James havia conseguido pegar uma das lâminas Serafin de Gabriel e juntos eles desferiram diversos golpes contra Lilith. Ela era muito forte e sua magia poderosa. Estavam mais apanhando do que batendo, como eles constavam dizer quando eram apenas duas crianças treinando pra serem futuros guerreiros.

Julieta aproveitou a distração da mãe - a essa altura, ela já preferia aceitar a verdade e o que realmente era do que brigar e não chegar a lugar nenhum - e correu para Jordan, apoiando-o em seus ombros e o tirando da cela. Depois de varias investidas contra Lilith, tanto quando da parte dos caçadores de sombras, quanto dela, um dos seus golpes demoníacos acabou atingindo o mundano.

— O que está fazendo? Temos que ajudá-los! - Jordan murmurou entre um ataque de tosse com algumas gostas de sangue.

— Primeiro eu vou tirar você daqui... - Julieta começou, mas foi interrompida por uma risada que reconheceu na mesma hora.

Um arreio percorreu seu corpo todo e gelou seu espinha. Ela sabia. Ela conhecia aquele tom sarcástico e cruel. Sua voz aveludada e arrepiante ecoou nos corredores do inferno: " - Um, dois, três, agora e minha vez..."

— Julie, o que é isso? - Jordan pergunto assustado.

— Não escute! Só ande, está bem? - Ela ordenou o puxando pelos infinitos corredores. Aquele lugar era um labirinto.

A voz ecoou mais uma vez: " - Quatro, cinto, seis, eu vou pegar todos vocês..."

Eles podiam sentir a voz os alcançando mais rápido a cada corredor que percorriam sem nem ao menos saber para onde estavam indo.

Novamente:" Sete, oito, nove e dez, não sinta medo nenhuma vez."

Eles pararam de supetão ao virar uma esquina entre as milhares. Agramon estava em frente deles, agora dentro de outro corpo humano, um homem de meia idade com um terno vinho e os cabelos penteados para trás.

— Boo! Saudades, garotinha? - Perguntou sorrindo cheio de sarcasmo e crueldade.

Ódio. Uma palavra um tanto pesada para certas ocasiões, mas Julieta não achou palavra melhor do que essa para o que sentia. Era tudo culpa dele. Aquele demônio tinha sequestrado seus amigos e os trouxera ali. Ele era culpado de Jordan quase estar morto e de todos eles estarem dando tudo de si para matar Lilith, o que não era mesmo fácil ou seguro. Ou, ideal para uma sexta à noite.

— Eu estava. - Agramon continuava sorrindo. - Não sabe o quanto esperei por isso... - Prosseguiu sorrindo de orelha a orelha, fria e cruelmente.

— Cale a boca! - A garota gritou enraivecida.

— Oh! Ela está bravinha! - O demônio soltou um riso amargo e perversamente divertido. - Quer brincar Julie? O que acha de pega-pega? Você corre feito uma garotinha com medo enquanto eu persigo você...

— Falei para calar a boca!

Agramon fechou o sorriso e a perfurou com os olhos.

— Eu vou pegar você docinho.

O coração acelerou e o sangue correu mais rápido e quente. Arrepios e o desejo de pular em cima dele e arrancar sua cabeça, mesmo sabendo que ela estaria arrancando a cabeça de um humano qualquer e inocente. Apesar disso, Julie não conseguiu se conter. Ela o odiava e queria que ele morresse. Precisava.

— Isso é por ter roubado o corpo do meu amigo, sequestrado um caçador de sombras e por mim! - Ela falou segurando o olhar dele.

— Julie, não! - Jordan gritou com todas as suas forças e tentou agarrar a amiga, mas não consegui.

O mundano conseguiu somente observar o que ocorreu em fração de segundos: Sua melhor amigo se jogando para cima do demônio sem arma alguma e totalmente vulnerável.

Jordan foi arremessado para trás de novo, já tinha perdido a conta de quantas vezes o tinha feito. Um explosão cheia de luz branca e o segou por segundos o suficientes para que não visse o que acabara de acontecer. Ele também ignorou a dor, pois, continha tantos machucados em seu corpo que mais alguns deles não fariam diferença.

Quando recuperou a visão, pode ver as paredes destruídas, faltando alguns tijolos, Julieta e Agramon no chão, desacordados e feridos. Julie tinha alguns cortes aqui e ali e alguns e marinas também, mas o demônio, bem, ele não existia mais. Os olhos do corpo humano que ele ocupava estavam queimados e não passavam de buracos ocos e pretos.

Seus ouvidos zuniam e sua cabeça latejava de tanta dor e atordoamento. Isso durou tempo o bastante para ele associar duas figuras correndo até eles. Gabriel e James chegaram ganhados em sangue preto e suor. Jam correu para Julieta e Gabriel estendeu a mão ao mundano.

— Serio isso? Você me ajudando? - Jordan perguntou tentando se sentar sozinho.

— Vai aceitar ou vai ficar aí no chão igual um cãozinho atropelado?

O mundano agarrou a mão do caçador de sombras e com muito esforço, se pôs de pé. O corpo inteiro doía e Gabriel não parecia diferente. Ambos observavam James carregar Julieta nos braços cuidadosamente e tudo ao redor deles parecia estar em câmera lenta.

Processar tudo pelo o que todos eles tinham passado não seria fácil. Sequestro, demônios, descer ao inferno, descobrir a filha de Lilith... Tudo aquilo parecia surreal. Nenhum deles tinham palavras para descrever. Estavam esgotados, cansados, atormentados e machucados.

— Lilith? - Jordan questionou preocupado, caso tivesse que correr ou lutar novamente. Nenhum deles aguentaria mais nada.

Então, o caçador de sombras respondeu num suspiro de vitória e cansaço enquanto acompanhava com os olhos o Parabatai caminhar a frente deles com a garota mundana, caçadora de sombras e feiticeira, nos braços para fora daquele lugar horrível.

— Ela está morta.

Eles tinha vencido. Por hora estava tudo bem.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.