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Besteiras


Entendo porque algumas pessoas precisam se esconder atrás de alter-egos para se sentirem bem – afinal, eu sou assim também. Mostrar quem você é de verdade para alguém ou permitir que essa pessoa invada seu mundo, dar a ela acesso total a seus pensamentos mais ocultos e deixar que ela invada as rachaduras da sua armadura já são sinais de fraqueza.

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Quando se tem uma identidade secreta, qualquer fraqueza pode ser sua ruína.

É por isso que eu entendo, parcialmente, a raiva que o Cyber tem de mim.

Sei que se o Cyber tem algo contra mim é porque eu, em algum momento nos meus anos de Secret, o ataquei de alguma forma ou alguém diretamente ligado a ele e diferente da maioria das pessoas dessa cidade, ele é capaz de ser uma ameaça para mim.

Lucca me disse tudo o que descobriu e isso foi pouco. Larissa conheceu o Cyber ao acaso e viu nele a oportunidade de se auto promover, desmascarar a Secret é a chance dela conquistar mais status de acordo com Lucca.

Na aliança formada por eles, Cyber é o cérebro e Larissa... Bem, nem mesmo Lucca sabe a utilidade dela.

Suspiro parada em frente à porta da minha casa e ajeito o óculos de sol que peguei emprestado com a Jullie e abro a porta.

Minha mãe está sentada na poltrona de couto em frente à televisão desligada. A mesa de centro está coberta por papéis e pastas de processos que ela analisa com uma taça de vinho em mãos.

— Dormiu fora? – pergunta, como se realmente se importasse com a resposta.

— Sim – respondo engolindo em seco – Na casa do Lucca – completo, porque sinto que isso vai fazer com que ela pergunte menos.

— Está com as roupas amassadas.

Meu olhar vagueia pelas minhas roupas. Lucca disse que eu vomitei nelas ontem e por isso Jullie as lavou, mas sai sem dar tempo para que ela as passasse então as roupas estão cheias de marcas.

— Eu dormi com elas – minto.

Sinto-me suja e inferior, como se não devesse aparecer diante da minha de ressaca e com as roupas amassadas. Na realidade, me sinto assim sempre que estou diante dela.

Nicole balança os cabelos escuros e me encara com seus olhos castanhos.

— Não minta para mim, Nicole.

Esse não é meu nome!, é o que quero gritar. Essa é a porcaria do seu nome que você achou legal passar adiante!

— Não estou mentindo.

— A fofoqueira cibernética postou que todos os alunos da sua escola estavam ontem em uma festa, na casa do filho de algum casal irresponsável.

— Eu estava com Lucca.

— E Lucca estava na festa – ela me encara com o olhar semicerrado.

— Como pode ter certeza? – minha voz vacila e sinto vontade de me estapear por isso.

— Facebook.

Por que os pais só usam as redes sociais quando querem cuidar da vida dos filhos e eles fazem algo errado?

Minha mãe não espera uma resposta, não deixa que eu tente me defender e logo prossegue dando inicio ao seu monologo:

— Dorme fora de casa e mente para mim, acha que eu sou burra? Parece achar. Sua irmã teve uma fase complicada e foi nela que aprendi que reconhecer boas mentiras, mas as suas são péssimas – não, ela não aprendeu. Ela demorou muito tempo para saber o que a Cath aprontava e só descobriu quando uma esposa traída quis agredir minha irmã – Se quer fazer algo errado, faça direito. E espero que você tenha usado preservativo.

Sinto minhas bochechas esquentando.

— Mãe, eu sou virgem.

— Nem no signo! – ela deposita a taça de vinho na mesa – Quer que eu acredite que você foi à uma festa, voltou só na manhã seguinte com a roupa amassada e o cabelo úmido e é virgem? Pelo menos sei que aproveitou bem a noite.

Toco em uma mecha do meu cabelo que continua úmido. Tomei um banho pouco antes de sair da casa dos Way porque me sentia suja, agora me sinto pior.

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— Eu não sou como a Cath – murmuro.

— Infelizmente, não. Sua irmã era mais ajuizada.

Quero gritar como em um filme clichê, jogar na cara que a filha favorita era a amante de metade dos homens casados da cidade. Porém, sei que nada vai mudar.

Ergo a minha cabeça, as lágrimas quentes se acumulando em meus olhos.

— Acredite no que quiser, não vou lutar pela sua aceitação – digo e caminho até meu quarto.

Fecho a porta e me jogo na cama, meu lugar seguro. Meus joelhos encostam-se ao queixo e permito que algumas lágrimas rolem para fora, mesmo sabendo que minha mãe não merece que eu chore por ela.

Ouço o ruído do celular vibrando contra a madeira daminha escrivaninha e pego o aparelho nas mãos. O celular em questão é o da Secret que eu não levei para a festa.

Tenho mais de cento e oitenta novas mensagens enviadas por informantes e alunos do Saintine na noite de ontem. Algumas mensagens trazem fotos e me assusto ao encontrar meu próprio rosto e uma delas com o texto “Quem é essa gatinha?” acompanhando. Não posso evitar sorrir, parece que fui menos invisível ontem.

Hora de superar minha mãe e fazer o que faço de melhor.

Troco a roupa amassada de ontem por um confortável pijama estampados com cachorrinhos e pantufas que imitam patas de dinossauro.

Abro meu Skype no notebook e chamo o Gustavo.

Anna: Hey.

Gugs: Lucca disse que você está de ressaca.

Anna: Está suportável.

Anna: Alguma novidade sobre o Cyber?

Gugs: Sim, ele tentou invadir o site ontem, mas uns amigos me ajudaram e não foi muito longe.

Anna: Droga. Encontrou algo nas floriculturas daí sobre o Bill?

Gugs: Talvez, uma senhora me disse que um garoto andou encomendando sementes de rosas com ela.

Anna: Sementes?

Gugs: É, talvez ele plante as rosas. É uma possibilidade que nunca levamos em consideração.

Existe uma razão para que eu nunca tenha pensado nessa possibilidade, pelo menos não a sério. Rosas devem ser cultivadas em um local ideal e não em qualquer canto no banheiro de alguém. Aqui em Sparks não existem muitas casas com espaço para o cultivo dessas plantas e menos ainda com alunos do Saintine como moradores.

Gustavo me passa algumas atualizações sobre o novo sistema de segurança do site. Assim que terminamos a conversa ouço o barulho do portão da garagem sendo aberto e vejo minha mãe sair com o carro.

Não contenho meu suspiro de alívio.

Não sei dizer quanto tempo se passou, perco a noção quando escrevo postagens, mas sei que a campainha tocou e quando levantei da cadeira senti uma câimbra horrível na perna.

Meio mancando e meio andando, consigo chegar até a porta e abri-la.

— Oi – Ícaro sorri – Trouxe comida.

— Entra – abro mais a porta e permito que ele passe por ela.

Ícaro fica parado encarando minhas pernas e só então me dou conta de que ainda visto meu pijama fofinho.

— Não esperava visita – murmuro e pego a sacola para a viagem das mãos dele levando para a cozinha.

— Eu só vim ver se você estava bem, já que ontem nós exageramos na bebida – ele dá uma risada forçada.

— Lucca me falou.

Encontro uma admirável quantidade de enxilhadas de diversos sabores na sacola e as acomodo em um prato grande.

— O Lucca ficou maluco quando te viu bêbada, até me assustei – Ícaro pega alguns talheres no escorredor de pratos enquanto eu entrego dois pratos para ele – Pensei que ele ia me bater.

— Tenho certeza que ele pensou em fazer isso.

— Ele acha que eu te embebedei de proposito?

— O Lucca é super protetor – e me quer bem longe de você— Mas é muito bacana, quase um irmão pra mim.

— E você é quase uma irmã para ele?

Reviro os olhos.

— Então, me conte mais sobre a peça de teatro que você foi o Peter Pan.

Ícaro entende a deixa e comenta sobre outras histórias engraçadas enquanto comemos.

Não entendo porque ele é tão cismado com relação do Lucca e eu e talvez nunca entenda.

Assim que terminamos de comer, Ícaro fica em silêncio encarando o mármore da mesa.

— O que foi? – pergunto.

— Você se lembra de ontem? – a voz dele é baixa.

— Sim, infelizmente – sorrio sem graça e recolho os pratos deixando na pia.

As lembranças sobre dizer que amo pudim e gostaria de ser a pequena sereia são bem vergonhosas.

— Eu me diverti muito, Anna. Como há muito tempo não me divertia – ele ergue o olhar e encontro um amável sorriso em seu rosto corado.

— Eu também.

Olhar para os meus pés nunca foi tão tentador, porque encarar o sorriso e as bochechas rosadas dele faz despertar algo na minha barriga que não é fome.

— Parece certo, eu e você juntos – não consigo impedir a expressão assustada que toma conta do meu rosto – Como amigos. Amigos! – ele atropela as palavras, desesperado para corrigir a impressão que passou – Não que você não seja atraente, você é – sinto um incêndio nas minhas bochechas, porque dizer que esquentaram é pouco – Eu te acho muito atraente, mas isso também não significa que eu quero seu corpo nu com Nutella... Não que seu corpo não seja bonito, mas você... Falei besteira né?

— Muita – respondo e logo começo a rir. Ícaro supera a vergonha e gargalha junto comigo.

— Não sei o que estamos começando aqui, Anna – ele diz entre risos – Porém, quero que dure.

Gostaria de corrigi-lo e dizer que não estamos começando nada, entretanto as palavras se perdem entre minhas risadas e os sons que saem de mim lembram os de uma foca engasgada.