Setting Fires

I'm set on fire to keep you warm


Kanda sentou-se ao lado de Allen na mesa do refeitório barulhento, largando sua bandeja de comida com descaso. Ninguém o olhou, em partes por já estarem acostumados com o jeito do garoto, mas também por estarem envolvidos na gincana estúpida da escola. Ou em qualquer coisa que não fosse Kanda.

Os olhos de Allen estavam vidrados em Lavi, pois os dois discutiam fervorosamente as estratégias que usariam para os desafios. Não era surpresa eles estarem tão envolvidos. Geralmente Lavi não ligava tanto pra essas coisas, mas como precisava de nota, não tinha muita opção.

Tyki apenas olhava-os tentando entender alguma coisa, enquanto Lenalee e Road folhavam revistas e ouviam música, provavelmente agradecendo por não entenderem nada.

Kanda olhou para Allen. Para sua pele pálida, para os cabelos brancos. Para o nariz fino e torto e a cicatriz que não deveria atrair Kanda da forma que atraía.

Desviou o olhar. Engraçado como encarar seu amigo estúpido e fracote tinha se tornado tão difícil.

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A coisa era, todo mundo sabia do que Kanda sentia por Allen. Ninguém tentava dar nome para o sentimento, até porque os dois tinham aquela relação estranha onde eram amigos demais ao mesmo tempo em que viviam brigando. Ninguém queria se envolver, mesmo que isso significasse que Kanda ficaria eternamente orbitando Allen, lenta e dolorosamente sendo queimado.

Ninguém queria se envolver, mas todos sabiam que era alguma coisa.

Aquilo parecia muito com uma dança, afinal. As brigas que os dois tinham por motivos idiotas demais para serem levados a sério, as tardes que passavam no parque de diversão onde o albino sempre acabava vomitando pela quantidade anormal de comida que insistia em comer, os olhares indecifráveis que às vezes Allen lançava a Kanda.

Para Kanda, aquela dança bastou por um tempo. O problema era, ele não sabia dançar realmente.

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Não foi Kanda que beijou Allen na primeira vez.

Foi Allen, com seus cabelos brancos bagunçados e o olhar de raiva. Eles estavam tendo uma de suas típicas discussões sobre razões para Allen ser o cara mais idiota que pisou na Terra e geralmente nenhum deles se importava com o que estava sendo dito, mas aquele dia Allen estava rebatendo tudo que Kanda dizia de uma maneira tão irritadiça que o moreno não tinha certeza se compreendia realmente o que estava acontecendo.

Por isso, quando Allen o beijou, sua reação foi ficar estático. Ele não retribuiu. Ele não tocou no seu rosto ou enterrou sua mão nos cabelos claros ou até mesmo pegou na sua mão.

Isso o deixou com raiva de si mesmo, pois pelo olhar perdido que Allen lançou logo após de finalizar o beijo — se é que podia ser chamado assim —, Kanda teve a certeza que aquilo não aconteceria de novo.

Ele só pode olhar o garoto se afastar, sem reação, sempre com sua típica máscara de indiferença.

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Allen começou a agir estranho.

Kanda não sabia por que aquilo o afetou tanto, pois o que seria estranho de verdade seria se eles continuassem normal.

Mas no fim, esse era o maior problema de se apaixonar por algum amigo, até mesmo por aquele que você compartilha uma amizade que é, no mínimo, estranha. Kanda sentia falta dos filmes e de quando Allen roubava sua comida ou reclamava do seu sobá e de andar pela cidade sem rumo algum.

Kanda sentia falta da sua companhia, por mais esquisito que fosse.

Allen também não sentava mais do seu lado, ficando agora entre Tyki e Lavi. Kanda sentia os olhares preocupados de Lenalee, mas preferia ignorar.

O moreno passou a tentar ignorar o garoto, mas nunca dava certo realmente. Sempre acabava olhando-o de soslaio, e Allen nunca retribuía seu olhar.

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Eles não conversaram sobre isso.

Eles não conversaram porque quando Allen passou por Kanda no corredor vazio na metade do terceiro período, o moreno apenas agarrou seu braço.

Allen olhou-o confuso. Mas ele não precisava entender. Kanda tinha variáveis demais para ser compreendido com apenas um olhar.

O moreno ignorou a expressão de sonso do garoto. Usou o peso do seu corpo e prendeu Allen contra si no armário. E o beijou.

E beijou.

E Allen correspondeu.

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Os dois estavam no quarto de Kanda. Era um domingo entediante, e nenhum deles estava animado com a ideia de ter aula no dia seguinte.

Allen, sentado no chão, usava apenas uma camiseta velha de Kanda e calças largas enquanto olhava distraidamente os álbuns de bandas que não conhecia.

Kanda estava na cama, olhando o garoto. Olhando a forma que a luz batia nele, no seu pescoço cheio de marcas, na parte da clavícula que ficava exposta porque a camisa era larga demais.

Allen olhou-o de volta e sorriu. Deixou os CDs no chão e deitou-se ao seu lado.

"Eu nunca acreditei em Deus, mas acho que encontrei um pedaço do paraíso em você," Allen soltou, passando a ponta dos seus dedos pela bochecha do garoto. Foi tão baixo que o moreno quase não ouviu. Kanda não soube se tinha entendido realmente, pois aquilo não era algo que Allen falava e muito menos algo que o próprio Kanda gostaria de ouvir. Entretanto as coisas nem sempre funcionavam como deveriam ser.

Kanda revirou os olhos, mas sorriu.

"Uau, isso foi incrivelmente brega," respondeu.

Allen apertou a bochecha do moreno, fazendo-o sorrir mais um pouco. Vê-lo sorrir assim era tão raro que nem parecia o mesmo Kanda que estava sempre rabugento e pronto para soltar um comentário ácido.

"Namora comigo," Allen sussurrou por fim.

O beijo de Kanda foi a melhor resposta que poderia ter dado.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.