Sete dias de natal

Underneath the tree


Angie não era conhecida por ficar animada para o natal. Sim, era uma data festiva na qual ela podia beber muito e ganhar presentes de graça, entretanto também era o momento do ano em que ela se sentia mais solitária. Seu primeiro natal com Graham não havia sido o melhor, um bebê chorando enquanto ela tentava assistir a reprise de Grinch não uma lembrança feliz. Mas naquele ano, aquela lembrança parecia ser a única coisa que lhe mantinha sã. Sentada nos fundos da Vinhoteca de Poppy com uma taça de vinho mão esperando ansiosamente Graham se cansar para levá-lo para casa, Angie começou a classificar todos os seus natais do pior até o melhor, incluindo aquele em que seu porquinho da Índia havia ido parar no forno. Péssimo natal.

Angie nunca gostou que sentissem pena dela, nem mesmo quando Derek apareceu na sua porta tentando consertar seu maldito erro, mas naquela noite em que tudo parecia tão errado, ela só queria que alguém se sentasse ao seu lado e dissesse que tudo ficaria bem. Ela queria que ele lhe dissesse que tudo ficaria bem, mas ele era definitivamente a última pessoa que ela desejava ver.

—Sua energia está tão escura que me faz querer chorar. - Poppy disse um pouco alto se sentando ao lado dela, Angie arqueou as sobrancelhas observando sua amiga embriagada e barulhenta. - O que houve, querida? Você está tristinha o dia inteiro e nem riu quando Miggy caiu na pegadinha das gêmeas. Algo aconteceu? - Angie hesitou por um segundo pensando no que falar, mas por fim desistiu e assentiu em afirmação com a cabeça. - Foi tão ruim assim? - Angie assentiu novamente. - Você quer falar sobre isso?

—Não.

—Ok. Vou pegar um pouco mais de vi…

—Por que isso é droga? Não podia ser mais simples como comprar algo e se a gente não quisesse poderia devolver. Mas não, a sociedade nos impõem a esse troço esquisito, mas não diz como agir depois disso. - Angie disse entrando em seu próprio devaneio. - Eu odeio isso. Por que ainda não inventaram algo para bloquear isso? Tenho certeza que os russos têm, apenas estão esperando que estejamos desesperados o suficiente ao ponto de gastar milhares de dólares que não temos. Eles são espertos. Bundões capitalistas.

Angie tomou o resto do vinho sob o olhar questionador de Poppy. As duas mulheres apenas se encararam em uma troca silenciosa de perguntas. Poppy arqueou uma sobrancelha e Angie semicerrou os olhos. Era um cabo de guerra em que nenhum dos lados iria soltar.

Ela respirou fundo e se acomodou na cadeira, Poppy não piscou. Angie poderia continuar com aquilo a noite toda, porém quando uma risada familiar chegou até seus ouvidos, tudo o que ela conseguiu fazer foi abaixar a cabeça e gemer com sua desgraça.

—Eu fiz algo que não deveria ter feito. - ela murmurou sem erguer os olhos. Poppy soltou um suspiro solidário como se dissesse para ela continuar. - Eu odeio isso. Finais felizes não existem para Angie D'amato. Porque eu ainda insisto.

—Querida não pode ser tão ruim assim.

—Eu beijei o Will.

—Oh, isso é ruim.

Angie suspirou e fechou os olhos. Em sua vida ela só tinha tempo para duas coisas, Graham e músicas que na maior parte do tempo eram apenas pessoas gritando alto. Era simples e fácil. Mas Will chegou e decidiu dificultar tudo. Era como um jogo de videogame que ela não conseguia passar de fase, ela havia travado naquela maldita fase e há mais de um ano não conseguia se mover ou pensar direito. No início havia sido fácil de ignorar, era tudo tão novo e delicado, ela não precisava pensar sobre isso, mas então algo mudou depois do verão e de Derek. Ela não sabia dizer o que o quando isso realmente aconteceu, mas de repente aquele seu maldito jeito positivo e animado dele parecia irritá-la mais que o necessário, as suas comidas quentes e sorrisos carinhosos despertavam sensações que ela tentava evitar, e aquele maldito olhar despretensioso fazia seu coração bater mais rápido. Ela odiava ter aquele pensamentos, mas simplesmente não conseguia "despensar", não dava para apagar aquilo de sua mente e nem de seu…

—Merda. - ela sussurrou erguendo os olhos para Poppy. - Eu acho que estou enlouquecendo.

—Como isso aconteceu? - Poppy indagou tão séria que Angie se questionou se ela estava bêbada ou não.

—Ele estava me ajudando a embrulhar os presentes do Graham hoje pela manhã, estávamos bebendo gemada e conversando sobre as coisas que as crianças haviam pedido no natal. Estávamos bem até que ele foi embora, eu o levei até a porta e… Eu não sei, Poppy, simplesmente aconteceu. Eu estava lá e ele estava lá, ele sorriu para mim e a única coisa que eu consegui fazer foi beijá-lo. Era como se ele tivesse me enfeitiçado. Você sente isso, não sente, Poppy? Quando ele chega perto de você tudo parece dar certo, é como se o universo se alinha-se e você se sente bem. Eu o odeio por me fazer sentir assim. Você também não o odeia, Pop's?

—Oh querida, o Will não é um bruxo. Ele não tem o poder de enfeitiçar as pessoas, pelo menos não todas.

—Então você admite que ele jogou um feitiço em mim.

—Não Angie, Will não jogou nenhum feitiço sobre você. A verdade é que você se auto enfeitiçou por ele. Um feitiço tão forte que às vezes você nem nota até ser tarde demais.

—E como eu faço para quebrar isso?

—Você não pode quebrá-lo, essa é a beleza da coisa.

Poppy deu um sorriso gentil e Angie bufou irritada. Não havia de bonito em agir como uma idiota. Angie odiava aquela sensação que fazia seu estômago revirar e seu coração bater mais rápido. Era como se todos os órgãos de seu corpo tivessem sido trocados por algum tipo de substância instável, ela sentia como aquele monstro de Creepshow, um amontoado de gosma irritada.

Suspirando ela olhou para o salão, só estavam eles e as crianças, sua pequena família. As gêmeas riam de algo que Miggy fazia enquanto Rory, Sophie e Graham brincavam com o baú de figurinos de uma festa passada, Douglas conversava com Will, mas nenhum dos dois parecia realmente interessado na conversa. Will olhou para ela e por um mísero segundo Angie o encarou, não havia fogos ou borboletas em seu estômago, não era como havia sido com Derek, era como se aquele idiota sorridente fosse a única pessoa na sala.

—Ah querida, você é péssima nisso. - Poppy murmurou atraindo a atenção dela. Angie gemeu sem conseguir disfarçar sua frustração. - Olha Angie, sei que isso é frustrante, mas é natal. Hoje é um dia mágico e especial, principalmente para as crianças, qual tal colocar um sorriso no rosto e se preparar para o amigo secreto, em?

—Droga, esqueci disso.

—Não me diga que você esqueceu o presente.

—Não. É impossível esquecer quando Rory me manda "sem querer" um email por dia sobre alguma "promoção". - ela murmurou se levantando da mesa. - Tomara que Douglas tenha me tirado. Preciso de uma bebida forte para passar esse final de ano.

—Não exagere. - Poppy sussurrou passando o braço ao redor dos ombros dela. - E não, Douglas não te tirou, ele tirou Miggy.

Angie suspirou. Não tinha como seu dia ficar pior.

Poppy juntos todos ao redor da árvore de natal, que na verdade era apenas um monte de livros decorados com bolinhas coloridas. Os presentes estavam alinhados no chão do menor para o maior, Sophie havia feito aquele pequeno serviço por estar entediada. Angie nunca entenderia aquela criança, mas com certeza a amava independente de suas manias.

—Quem quer começar? - Poppy indagou deixando a taça vazia sobre o balcão. Talvez sua terceira ou quarto, Angie admirava a tolerância alcoólica de Poppy. Rory rapidamente ergueu a mão agitando-a no ar para chamar a atenção de sua mãe. - Você quer começar, querido?

—Na verdade acho que Angie deveria começar. - ele disse com um sorriso que para muitos poderia ser gentil, mas que Angie sabia muito bem que era apenas fingimento.

—Ok. - ela murmurou. Rory pareceu esperar que ela fosse até a pilha de presentes, mas ela apenas puxou um pequeno envelope do bolso e o sorriso do garoto se desfez. - Meu amigo secreto é uma pessoa única que pensa tão alto quanto o céu e é por isso que eu sei que ele será grande um dia. Não importa o que deseje ser, você sempre terá o apoio das pessoas que te amam. - Angie olhou para Rory e lhe deu um pequeno sorriso antes de estender o envelope. - Feliz Natal.

Rory soltou um suspiro dramático enquanto se arrastava até ela. Poppy pigarreou fazendo o garoto voltar a postura normal e colocar um sorriso no rosto.

—Obrigado, Angie. - ele disse abrindo rapidamente o envelope, seu falso sorriso lentamente se tornou um sorriso verdadeiro enquanto ele lia o que estava escrito no pequeno papel. - Oh céus! Isso é Fedora!

Angie sorriu enquanto o garoto corria até Poppy e mostrava o vale-presente. Rory sorriu novamente para ela parecendo realmente feliz.

—Fedora? Isto deve ter custado caro. - Will sussurrou tão perto dela que Angie sentiu a mistura do perfume com o chocolate que ele tinha comido.

—É uma vale-presente de 50 dólares, dá para ele comprar um lenço. - ela disse tentando soar calma e normal. Will soltou uma risada baixa e Angie cruzou os braços forçando sua mente a imaginar qualquer coisa que não fosse ele.

Angie se imaginou um lugar calmo e tranquilo com cavalos correndo pelos campos verdes, árvores frondosas com frutas que tem gosto de seus pratos favoritos, o céu é azul como uma piscina durante o verão e o ar tem o aroma de sua pizza favorita. Ela se perdeu por alguns segundos imaginando como seria viver nesse mundo perfeito longe de toda a distração de sua vida.

—E esse é para o Will. - a voz doce e gentil de Graham a despertou. Angie observou Graham abraçar Will que tinha um enorme sorriso no rosto. Seu coração pulou no momento em que Will abriu o presente, uma gravata simples que Graham havia escolhido no shopping.

—É perfeita. - Will afirmou fazendo o sorriso de Graham aumentar. Angie prendeu a respiração quando ele a encarou, por um fração de segundos seu cérebro agiu notando que todos estavam com seus presentes, menos ela.

Angie pressionou os lábios, respirou fundo e fez a única coisa que conseguia fazer.

Papai Noel, não é que eu não acreditei em você, mas eu sempre tive um pé atrás com essa coisa de velhinho entrando pela minha chaminé e deixando presente sem pedir nada em troca. Mas eu prometo ser uma boa garota neste ano, apenas me tire dessa. Ela implorou deixando seus pensamentos gritarem mais alto em sua mente. Então seu celular tocou, como uma intervenção divina vinda de um velhinho barrigudo.

—Preciso atender! - ela exclamou pegando o celular e correndo para longe deles. - Alô?

—Angie.

—Derek? Por que está me ligando?

—Tive esperança que você me deixasse desejar feliz natal para Graham. - ele disse com a voz naquele tom que faria a Angie de nove anos atrás se contorcer em desejo, mas que agora fazia essa Angie suspirar um tanto cansada.

—Eu não sei, Derek.

—É natal, Angie.

Ela jogou a cabeça para trás reprimindo o gemido e o desconforto com aquela conversa. Contar a Graham sobre Derek havia sido mais fácil do que ela imaginava, seu filho era muito esperto e sabia que ela estava passando por algo, então havia sido compreensivo com ela. Mas Angie não sabia até onde sua compreensão iria.

—Vou ver se ele quer falar com você. - ela murmurou voltando para dentro, Angie olhou ao redor até achar Graham conversando com Rory, ela acenou para o filho, chamando-o.

—Algum problema, mamãe? - ele indagou.

—Derek quer desejar feliz natal, mas apenas se você quiser.

Graham torceu a boca parecendo pensar, mas então deu de ombros.

—Ok.

Angie hesitou em entregar o celular para ele. A aproximação de Graham com Derek era algo bom, mas ela não podia deixar de sentir aquela pontada de egoísmo bem no fundo do seu coração. Graham pegou o celular e rapidamente disse alô, Angie observou os dois conversarem e embora não soubesse do que se tratava o diálogo, pelo menos Graham estava sorrindo.

Angie se afastou do filho e saiu novamente da Vinhoteca, ela se sentou nos degraus da porta de entrada e observou o clima ameno da noite. Ela fechou os olhos e sentiu a brisa gelada.

—Feliz Natal. - Angie abriu os olhos e encarou Will sentado ao seu lado estendendo um saquinho de papel brilhante.

—Will, não precisava.

—Mas é o seu presente do amigo secreto.

Angie mordeu o lábio, mas então aceitou o presente. Ela retirou do saquinho uma pequena caixinha, então a abriu e sorriu minimamente ao observar o pequeno pingente em forma de gota preso a uma corrente fina.

—É lindo, Will. Obrigada.

—De nada. Posso colocar?

Angie assentiu devolvendo a caixinha e virando de costas para ele. Ela puxou todo o cabelo para cima, Will passou o cordão em volta do pescoço dela, Angie prendeu a respiração e espero até senti-lo se afastar. Ela abaixou o olhar para o pingente ainda sorrindo, mas então o encarou e disse.

—Will, eu…

Angie arregalou os olhos quando sentiu os lábios dele contra os delas. Delicados e gentis, seu coração rapidamente se acalmou e ela se deixou levar fechando os olhos e se inclinando para perto dele. Will embalou seu rosto com as mãos da maneira mais carinhosa possível, Angie segurou o casaco dele com as pontas dos dedos implorando que ele não a soltasse. Era como havia acontecido naquela manhã, a doçura do momento ofuscava qualquer sensação de desespero que a acompanhava desde o início do dia.

Will se afastou soltando um suspiro, Angie piscou lentamente tentando entender o que estava acontecendo. Então os olhos dele se ergueram apenas algo acima deles, ela seguiu sua linha de visão e observou o visco balançar com o vento frio de dezembro.

—Por que você fez isso? - ela indagou se afastando dele.

—Por que você fez isso hoje de manhã? - ele retrucou. Angie prensou os lábios pensando em uma saída.

—Eu estava drogada. Muita gemada batizada.

—Então eu estou muito bêbado. - Will deu a ela um sorriso gentil.

—Acho que deveríamos conversar sobre isso.

—Pensei em facilitar para você e apenas deixar para lá.

Angie revirou os olhos. Ela odiava o fato dele a conhecer tão bem. Mas naquele momento não era hora de agir como uma D'amato e fugir, era hora de encarar o problema de frente como Cooper.

—Eu beijei você.

—Sim. Você me beijou e eu correspondi.

—Então, o que fazemos agora? Você sabe que eu não sou muito boa nessa coisa de sentimentos e emoções. Eu fujo toda vez que tenho que entender duas reações diferentes. - Angie se levantou um tanto nervosa consigo mesma. - Eu sou a pessoa mais estúpida do mundo. Eu não deveria ter te beijado.

—Mas eu também te beijei.

—Mas você tem uma justificativa. - ela disse apontando para o visco. - Eu simplesmente fui uma ton…

Então ele a interrompeu novamente. Angie sentiu seu coração parar e todo o sangue que deveria ir até seu cérebro simplesmente desapareceu. Ela não tinha reação, a não ser corresponder ao beijo, o terceiro daquele dia. Havia uma ternura e uma paixão tão avassaladora que ela não conseguia expressar em palavras, apenas sentia que a qualquer momento iria se dissolver em uma poça ao pés dele.

Will se afastou deixando sua testa descansar sobre a dela e usando a ponta dos dedões para traçar semicírculos nas bochechas delas.

—Angie, você está cravada em mim tão profundamente que algumas vezes me faz perder completamente a razão. - ele sussurrou, ela podia sentir o sorriso dele através de sua voz. - Eu te amo.

—Eu também te amo. - ela afirmou soltando uma risadinha nervosa. - Mas não me faça repetir isso novamente, não por enquanto.

Will assentiu. Puxando-a novamente para um novo beijo, porém desta vez foram interrompidos por um som insistente de alguém limpando a garganta. Angie de afastou e notou Graham e Sophie parados na porta com olhares questionadores.

—Desculpem pela interrupção. Mas apenas queríamos dizer que aprovamos isso. - Graham disse fazendo o nó no estômago de Angie se desfazer.

—É claro que haverá um período de adaptação, mas em muitos aspectos eu e Graham já nos consideramos irmãos. - Sophie falou com seu tom de menina crescida. - Apenas mantenham esses atos longe da gente.

—Beijos ainda são nojentos. - Graham afirmou e Sophie concordou. Os dois então deram meia volta e entraram novamente, Angie olhou para Will segurando a risada que parecia presa em sua garganta.

—Isso foi estranhamente normal. - ele disse rindo. - Mas já que temos a bênção deles, deveríamos contar para os outros.

—Se eles já não tiverem feito isso.

Will riu de novo e então estendeu a mão para ela.

—Pronta para uma grande aventura? - ele indagou com aquele sorriso que ela tanto amava. Angie colocou a mão sobre a dele sentindo cada mísera parte de seu corpo vibrar em excitação.

—Mais do que nunca.