Sete dias de natal

Jingle bell rock


—Não. - Hyde disse sem desviar o olhar do jogo que passava na televisão. Faltava menos de trinta minutos para a partida acabar e mesmo que ele não estivesse realmente interessado naquele jogo, era mais fácil ignorar Jackie quando fingir estar fazendo algo.

—Mas Stev. - Jackie insistiu fazendo beicinho e segurando as mãos à frente do corpo.

—Não.

—Mas você nem ouviu o que eu vou falar. Você prometeu que sempre me ouviria.

Hyde suspirou e finalmente olhou para Jackie. Quando eles haviam retomado o relacionamento Jackie havia lhe feito prometer que sempre a escutaria independente da situação e Hyde queria honrar aquela promessa, ele era um homem de palavras, mas sua mente só conseguia acompanhar Jackie por cinco segundos antes de desligar, então ela tinha que ser rápida.

—Cinco segundos, boneca.

Jackie sorriu animada enquanto pulava da poltrona e se colocava à frente dele. Hyde observou a roupa que sua namorada usava um vestido verde com vermelho e um gorro com pompom cobrindo seu cabelo escuro curto, ele gostava mais desse estilo despojado de Jackie.

—Brooke pediu que ficássemos com Betsy por algumas horas já que ela está ajudando sua mãe com a ceia e Michael está ocupado demais com a decoração ou tentativa de decoração, sabemos muito bem que ele só vai estragar tudo, como sempre. Então Steven, não faça isso por Michael ou por mim, faça por Betsy, você sabe o quanto ela te ama muito e adora passar um tempo com você. Por favor, Stev.

Ele continuou a encará-la, Jackie fez beicinho ao dizer as últimas palavras, ele odiava quando ela fazia aquilo, o quebrava tão ridiculamente.

—O que eu ganho com isso?

—A sensação de felicidade que se tem ao ver o sorriso de Betsy durante o natal. - ela sugeriu e ele revirou os olhos.

—Algo que dure mais que dois segundos.

Jackie cruzou os braços e jogou a cabeça para trás. Hyde sorriu minimamente observando o decote dela e como ele valorizava seus dotes naturais.

—Que tal isso, se você for comigo eu passo uma semana inteira sem reclamar. - Jackie sugeriu se aproximando dele e se sentando em seu colo. Hyde colocou a mão na coxa dela sentindo a meia-calça aveludada que ela usava, Jackie sorriu se inclinando para perto do ouvido dele, então sussurrou. - E também vou usar o meu antigo uniforme de líder de torcida todo o dia depois que você chegar.

—Seu pequeno diabinho. - ele sussurrou enterrando o rosto no pescoço de Jackie e distribuindo beijos pela sua pele de porcelana. Ela soltou uma leve risada misturada com um gemido.

—Então você vai? - ela indagou se afastando dele. Hyde soltou um suspiro de derrota.

—Você não vai mesmo me deixar em paz se eu não for, não é?

—Oh Steven, você não é novo nisso. - Jackie murmurou se levantando e o puxando pela mão.

(...)

A praça estava decorada com centenas de luzes coloridas, crianças corriam de um lado para outro enroladas em grossas camadas de tecido lembrando a Hyde como não havia sido sua infância, Edna nunca havia sido tão atenciosa como aquelas mães que observavam atentamente seus filhos sem desviar a atenção, ele tinha certeza que Jackie seria assim, sempre atenta e prestativa, ela obviamente mimaria qualquer criança que passasse por sua mão.

—Tio Hyde, vamos brincar! - Betsy saltitou à sua frente, seus cabelo escuro balançando de um lado para outro lembrando-o um pouco de Jackie.

—Eu acho que já havia dito que não. - ele disse com um tom calmo para não soar tão grosso como normalmente soava com seus amigos.

—É, mas eu quero brincar com você.

—Isso não vai acontecer tão cedo.

Betsy cruzou os braços e empurrou o lábio inferior para frente, piscou lentamente e sussurrou com uma voz angelical.

—Por favor, titio.

Hyde jogou a cabeça para trás sabendo exatamente quem havia ensinado-a a utilizar aquele truque sórdido.

—Sabe qual é o seu problema? Você é fofa demais, então ninguém nunca te disse não.

—Achei que fosse óbvio. - Hyde ergueu os olhos de Betsy e encarou Jackie que se aproximava com três copos de isopor fumegantes. - Oh Steven, quando você irá aprender que não se pode dizer não para uma garota.

—Tia Jackie, o tio Hyde não quer brincar comigo. - Betsy disse olhando irritada para ele, os olhos afiados o lembrou de Brooke.

—Ele é um bobo, Betsy. Um bobo que não sabe aproveitar o natal. - Jackie disse estendendo os copos para ele, Hyde colocou dois copos no banco e levando o seu a boca. - Venha, Betsy, vamos brincar um pouco.

Hyde observou suas duas garotas caminharem até o balanço, Jackie segurava a mão Betsy enquanto conversava alegremente com a criança. Hyde sempre se surpreendia sobre como podia ser atenciosa e carinhosa sem querer algo em troca.

—Você tem uma bela família. - Hyde se virou para um homem segurando uma criança que vestia uma touca de natal. Hyde abriu a boca para dizer que elas não eram sua família e que Jackie não era sua esposa, entretanto se surpreendeu quando disse.

—Obrigado.

—Você deveria levar sua filha para ver a casa do Papai Noel perto do coreto.

—Nós vamos lá daqui a pouco.

O homem assentiu e então se afastou com a criança.

Hyde franziu a testa pensando nas palavras do homem. Ele nunca havia pensando em casamento. Para ele, aquela instituição servia apenas para que o governo controlasse a taxa de natalidade e fazendo os americanos criassem uma nova orla de soldados. Mas embora esse argumento só fosse utilizado apenas para irritar Jackie, a verdade era que por muito tempo Hyde achava que seu destino seria acabar como Bud e Edna, sozinho com um vazio que só seria preenchido por bebidas e cigarros. Então ele conheceu os Forman e essa sensação apenas aumentou, nem quando WB apareceu mostrando a ele sua verdadeira identidade Hyde deixou isso de lado. Ele não via um futuro brilhante como todos diziam, ele se via sozinho cercado de bebidas e algum tipo de droga experimental. Mas então Jackie lhe deu uma segunda chance mesmo depois de toda a merda que ele havia feito e foi como se uma cortina caísse e ele finalmente percebesse que havia sim um futuro brilhante à sua frente, e soando da maneira mais clichê possível, Jackie era essa luz.

—Stevie! - Jackie gritou chamando sua atenção, ele acenou para elas e deu um mínimo sorriso para Betsy que gargalhava animada à medida que Jackie a empurra cada vez mais alto.

Ele ergueu a cabeça observando o céu cinza cheio de nuvens que despejavam flocos de neve, o natal não era sua época favorita do ano, nunca havia tido muitos motivos para celebrar, sua vida era uma porcaria, ainda continuava sendo, mas era pelo menos uma porcaria refinada.

Hyde nunca gostou de imaginar como seria o natal seguinte, o futuro em sua vida sempre havia sido tão incerto, tão furtivo, que algumas vezes ele nem sabia se estaria vivo para ver o amanhã. Mas se houvesse um amanhã, esse com certeza seria com Jackie. Sua Jackie.

—Tio Hyde, vem brincar. - Betsy chamou mais uma vez, Hyde abaixou a cabeça encarando a garotinha de cabelo escuro, mas antes que pudesse dizer algo seu rosto foi atingido por uma bola de neve. Hyde olhou perplexo para Jackie que exibia um dos seus sorrisos sádicos.

Hyde deixou seu café de lado e se apressou em pegar a neve à sua frente e enrolá-la em suas mãos até formar uma bola quase perfeita.

—Nem ouse, Steven! - Jackie exclamou andando de costas para se afastar dele. - Essa roupa custou caro.

Hyde ergueu as mãos e deixou a bola de neve cair no chão se desfazendo. Jackie o encarou com desconfiança, Hyde pensou em dar um passo para trás demonstrar que não faria nada, porém antes que pudesse agir Betsy jogou uma bola de neve contra Jackie que gritou indignada. Ele riu, mas parou quando foi atingido por outra bola gelada contra seu rosto. Jackie ria histericamente enquanto Betsy pegava mais neve entre suas mãos, Hyde aproveitou o momento para revisar acertando Jackie que grunhiu irritada antes de aceitá-lo de volta. Ele gargalhou alto quando a bola lhe acertou, Jackie estava fingindo estar irritada enquanto Betsy ria animada com a situação.

Hyde não imaginava como seria sua vida dali a um ano. Mas não importava, pois naquele momento tudo parecia perfeito.

.

.

.

.

.

.

Um ano depois…

—Como está? - ele indagou assim que ela se sentou ao lado no sofá. Jackie gemeu deitando a cabeça contra as almofadas, Hyde observou o olhar cansado no rosto dela percebendo que havia feito uma boa escolha em dispensar o jantar de natal na casa dos Forman. Kitty havia ficado irritada com eles, mas havia compreendido que como a situação ainda era muito recente eles ainda estavam se acostumando com toda a rotina. Naquela noite a ceia de natal havia sido sobras do almoço com algum suco não estragado que estivesse na geladeira.

—Por que não avisaram que isso iria ser tão complicado? - Jackie murmurou se arrastando pelo sofá até se sentar no colo dele. Hyde a segurou contra si da maneira que sempre fazia quando ela chegava cansada do trabalho.

—Red disse. E repetiu isso diariamente durante todos os últimos meses.

—Eu sei. Mas eu pensava que ele estava dizendo isso apenas para nos irritar. Você sabe como Red gosta de nós torturar.

—Mas eu acho que ele estava certo desta vez. - ele disse beijando o ombro dela, Jackie soltou um suspiro exageradamente dramático.

—Eu odeio quando ele está certo.

—Você não é a única.

Jackie se encolheu ainda mais contra ele. Hyde decidiu aproveitar o silêncio que habitava a casa e apenas observou a lenha na lareira queimar lentamente. Era natal e diferente dos anos anteriores aquele dia não lhe causava arrepios, havia uma felicidade instalada em seu peito que talvez nunca desaparecesse porque ela era ótima.

—Um minuto de paz é o meu desejo de natal. - Jackie sussurrou, Hyde a encarou observando seus olhos brilhantes e seu sorriso cansado. - Isso é pedir muito?

Hyde pensou em responder, porém o choro vindo do segundo andar da casa o impediu. Jackie gemeu de frustração enterrando o rosto contra o ombro dele, Hyde esperou alguns segundos antes de afastá-la e puxá-la em direção ao choro. Eles subiram os degraus e abriram a primeira porta à direita.

—Shiiii… calma, calma, calma. Mamãe e papai estão aqui. - Jackie sussurrou em uma voz doce enquanto caminhava até o berço da esquerda, Hyde seguiu para o da direita pegando o bebê que chorava desesperadamente.

—Qual o problema, amigão? Sua irmã começou a chorar e você decidiu apoiá-la? - ele indagou ajeitando o garotinho de cabelo escuro em seu colo, então começou a sussurrar palavras reconfortantes até que o bebê se calou.

Hyde olhou para Jackie que também havia conseguido acalmar sua garotinha de cabelo ondulado. Ele sorriu minimamente observando Nancy apertar o dedo de Jackie esperando mais atenção.

—Você acha que eles estão com fome? - Jackie indagou olhando de Nancy para Jimmy.

—Acho que eles apenas querem passar um tempo com a gente. - Hyde disse caminhando com Jimmu até a parede paralela a porta e se sentando sobre o carpete claro, Jackie seguiu seu exemplo e se sentou com Nancy que ainda desejava atenção.

—Troca. - Jackie sussurrou já estendendo Nancy para ele, eles foram rápidos em trocar os bebês, tão rápidos que Jimmy teve que virar a cabeça algumas até notar que agora estava no colo de sua mãe. Hyde observou sua pequena filha notando vividos traços de Jackie em seu rosto de porcelana. - Feliz natal, pudim pop, e não esqueça o quanto eu te amo.

Hyde olhou para ela, seus olhos brilhantes e seu sorriso cansado, e observou que em nenhum natal havia desejado aquilo, e nem ousava sonhar com aquilo. Se Papai Noel existia ou não ele não poderia responder, mas sabia que alguém havia feito um bom trabalho com aquele órfão triste.

Ele se inclinou para perto dela tomando cuidado com a pequena criatura frágil em seu colo, então beijou Jackie e sussurrou.

—Eu sei, baby.