1994

Onde estou?

Lembro-me de ter concluído um trabalho e deixado o local logo em seguida. Não tomei nenhuma condução, e decidi deixar meus pés me guiarem por essas ruas desconhecidas.

Há várias pessoas por perto, os rostos ao são familiares. Elas andam de um lado para o outro sem se cumprimentarem, trombando umas com as outras. Não pedem desculpas.

“Perdão”

“Piedade”

Valores que eu descobri, com muito sofrimento, que não fazem parte do cotidiano dessa selva de pedras. Há apenas a indiferença, a traição, o orgulho e ódio nessa Babilônia.

Você mesmo me disse isso, Seishiro-san. Não se lembra? Enquanto eu estava lá, chorando, não conseguindo acreditar que a pessoa que eu mais amava se revelava um monstro, você me disse com a voz mais fria que eu já ouvira:

“Por que estes olhos tão tristes? Você está se sentindo traído? Coisas como essas acontecem em Tokyo todos os dias. As pessoas sempre trairão umas as outras. Isto sempre acontecerá em Tokyo”.

E o seu sorriso cínico.

O seu maldito sorriso, que me prende, que me corta, que me penetra.

Olho em volta.

Afinal, onde estou?

Continuo a caminhar sem rumo, as mãos dentro do bolso, a dor escondida na alma.

Oh, céus, eu quero um cigarro. Mas não tenho nenhum comigo agora, pois creio que fumei o último maço antes de realizar o jorei.

Hokuto-chan me mataria se soubesse que estou fumando agora... Se ela estivesse viva. Me sacudiria, gritaria, creio que me levaria ao médico... Ah, como sinto sua falta, minha querida irmã.

Devolva a luz da minha vida, Seishiro-san.

Devolva a Hokuto-chan.

Vou matá-lo assim que o ver na minha frente. Você me tirou tudo – tudo mesmo. Eu sei que não terei nada de volta, porém esse peso sairá da minha alma.

Eu acho.

Por fim, me vejo parado diante de uma praça vazia, exceto por uma ou duas crianças brincando no balanço.

No centro, uma grande cerejeira.

Você nunca me deixará em paz?

Dou alguns passos em direção à árvore, as pétalas rosadas – devido ao sangue do cadáver embaixo da terra – caindo sobre mim. Toco seu tronco, respiro fundo, e deslizo lentamente pelo chão.

As pétalas continuam a cair sobre mim.

Encosto a cabeça no tronco envelhecido e fecho os olhos, sentindo o cansaço me atingir.

- Seishiro-san... – me ouço murmurar num tom inaudível antes de adormecer.