Ele se arrastou para o seu lugar, sendo o barulho dos seus pés deslizando pelo chão o único ruído na sala. Todos acompanharam com olhares receosos até ele sentar na sua cadeira, enquanto eu permaneci na minha, sentindo os cabelos da minha nuca se eriçarem com a sua proximidade.

—Então... – recomeçou o professor sem jeito – Vamos começar logo a aula, pois as avaliações já começarão daqui a duas semanas.

Uma onda de reclamações e muxoxos tomaram a sala aos poucos, obviamente todos estavam tristes com mais essa notícia.

—Vocês já sabiam que a dificuldade iria aumentar esse ano... – o professor deu um sorriso reconfortante.

—Mas sensei... – Miku fez biquinho.

Miku, ou Nakahara Mikuro, tinha uma considerável “fama” no colégio. Ela era conhecida por ter causado uma espécie de escândalo na escola.

Ano passado, houve uma grande agitação em volta de um boato sobre ela que para mim se comprovou real. Em toda escola se ouvia cochichos que Miku era apaixonada pelo sensei e que tinha tentado seduzi-lo. Havia tantas versões de como ela tentou fazer isso que cansei de tentar encontrar a verdade que foi vista. Mas o porquê de eu acreditar nessa história foi o que eu mesma presenciei no último dia antes das férias.

“O sensei havia me chamado antes da troca de professores. Provavelmente era algo sobre o meu irmão, já que eles eram amigos desde o tempo de escola.

Parei em frente à porta da sala dele quando ouvi uma voz de garota. Comecei a prestar atenção no que estava acontecendo, mesmo sabendo que era errado:

—Você sabe que eu não ligo para o que os outros pensam! Quantas vezes vou ter que falar isso?! – se exaltava a garota, que eu reconheci ser Miku.

—Não confunda as coisas. Provavelmente é só admiração – retrucava o sensei com uma voz séria.

—Tanto você como eu sabemos que não é! Por que tenta fugir?!

—Não estou fugindo. E nunca aconteceu nada entre nós. Você é somente mais uma aluna minha –então escutei um barulho de cadeira sendo arrastada e passos na direção da porta, fiquei estática – Aliás, essa conversa não vai levar a lugar nenhum. Estou esperando uma pessoa. É melhor você se retirar antes que...

Como esperado, ele abriu a porta e parou de falar no exato momento em que me viu.

Ficamos parados, um olhando o outro, sem reação. Até que Mikuro saiu às pressas da sala, sem olhar para trás e, talvez, com lágrimas nos olhos.

Eu não sabia o que fazer, já estava pensando seriamente em sair correndo como a Mikuro fez, quando ele suspirou e pediu para eu entrar na sala dele.

Automaticamente concordei e entrei, fechando a porta em seguida. Sem pedir licença sentei na cadeira em frente a sua mesa, praticamente desabando nela.

—Parece-me que você entende em que situação eu me encontro – ele disse por fim

—Você gosta dela? – perguntei sem pensar, surpreendendo-me por fazer uma pergunta tão direta.

Ele também se surpreendeu, mas me respondeu, sorrindo amarelo:

—Ela não é nada mais que uma aluna.

—O que realmente te impede de gostar dela? – ousei, esquecendo de manter a cordialidade de sempre.

—Ela não faz o meu tipo – ele respondeu simplesmente, sem parecer incomodado com a pergunta.

Eu ri de uma maneira um tanto debochada:

—Ela é sua aluna e a diferença de idade entre vocês é considerável, e o que te impede é que ela não faz o seu tipo?

—Exatamente – ele sorriu.

—Você definitivamente não existe – correspondi ao sorriso, voltando a ficar séria logo em seguida – Mas, o que você vai fazer em relação aos boatos da escola?

—Não sei – ele também ficou sério – Só o tempo vai dizer. Mas espero que ela não tente novamente essas manobras arriscadas para chamar a minha atenção, afinal, já me compliquei o suficiente.

—Percebi. Mas o que você quer que eu transmita ao meu irmão dessa vez?

Ele levantou uma sobrancelha:

—Quem disse que eu queria falar sobre o seu irmão?

—Não?! – me surpreendi.

—Não – ele afirmou, sorrindo que nem um idiota, parecendo até um adolescente.

—Então o que você gostaria de falar dessa vez? – perguntei curiosa.

—Bem...”

Algo cortou esse pequeno fragmento de memória, um pensamento – sem motivo nenhum, mas reflexivo - me puxou para a realidade, ou a coisa mais próxima em que eu me encontrava no momento.

Aquele garoto, o meu colega que parece a Sadako, estava sofrendo uma possível grande injustiça. Ele estava sendo julgado sem ao menos as pessoas o conhecerem. Como fui ignorante!

Eu não queria mais ser utilizada como uma mera ferramenta ou objeto de diversão, não mais ser a nerd que todos tiravam conclusões precipitadas, mas não fazia nada para arrumar essa situação. Pior,eu estava fazendo com o garoto a mesma coisa que faziam comigo.

Pensando bem, em vez de mudar quem eu era ou o meu comportamento, eu deveria continuar sendo quem eu sou e que as outras pessoas pensassem o que quiserem! O que eu gostaria, o que eu realmente queria, era ter alguém que me estendesse à mão. Entretanto, essa pessoa não iria aparecer do nada, eu teria que fazer algo para merecer tal confiança.

E esse garoto, ele parecia estar em uma situação parecida com a minha. Era a minha chance de recomeçar, certo dessa vez.

Sim, eu iria tentar me aproximar dele. Quem sabe eu talvez me surpreendesse e encontrasse no fundo um garoto tão ou mais sozinho que eu, uma pessoa que me entendesse?

Sim, eu estava decidida, tentaria de novo, ou quantas vezes fossem necessárias. E Ryugami parecia ser um bom ponto de partida!