Balthazar - repetiu Sam com um misto de surpresa e raiva, como se Dean não tivesse dito isso há dois minutos. As luzes piscavam freneticamente, talvez a total destruição do local tenha afetado o sistema de energia. Ficamos em silêncio, o único som era o de nossas respirações aceleradas. Meu coração dava pulos, querendo sair pela garganta.
Quem é você e pra onde você o mandou? - indaguei rapidamente, fazendo-o se virar para mim.
Ah, o amor é lindo - debochou o homem, estendendo a mão sobre o peito. E logo continuou - O namorado de vocês vai ficar bem, se Raphael não arrancar alguns pedaços, lógico...
Ora, seu... - fechei os punhos, tentando avançar na direção dele, mas Dean me interceptou no meio do caminho.
Ei! reclamou com uma careta - Eu acabei de salvar seus traseiros, quero pelo menos alguma consideração.
Ou eu posso chutar sua bunda daqui até a Sioux Falls. O Bobby ia adorar te fritar no óleo - devolveu o Winchester, cuspindo as palavras com ódio e sarcasmo. Quando Sam tentou impedir que a alma voltasse pro corpo, ele fez isso com um feitiço muito poderoso, e pelo que haviam mencionado, o mesmo foi dado por um anjo. A ficha caiu no momento em que o Winchester caçula avançou em direção a Balthazar.
Por sua culpa eu quase matei o Bobby! - o anjo desapareceu, fazendo o moreno acertar o ar, e em seguida reapareceu logo ao meu lado.
Não se faça de santo, foi você quem implorou. E não esqueça que ainda me deve um favor - balançou o dedo para Sam, que trincou os dentes e deu outra investida. Balthazar se esquivou e se teleportou para trás do balcão, tirando os cacos de vidro de dentro de um copo e o servindo de uísque - Por favor, controle o seu cachorro.
Sammy, calma - pediu Dean, dando alguns passos à frente - O que você quer? Suponho que não veio aqui só pra ter uma conversa amigável.
Na verdade, eu vim - rebateu o anjo. Entre os dois eu não sei quem ganhava mais no quesito sarcasmo e ironia, era difícil decidir. Ele deu um longo gole fazendo uma careta - Cruzes, isso parece até gasolina.
Fala logo - exigiu o loiro.
Eu vim por causa dela - revelou o anjo caminhando em minha direção, mas Sam se colocou na minha frente.
O cacete que veio! Não precisa chegar perto, pode falar daí mesmo - ameaçou.
Buu buu, olha pra mim, sou nervoso dramatizou, colocando as mãos pra cima. O moreno apertou os punhos.
A gente não tem o dia todo! O Raphael pode voltar a qualquer minuto! - esbravejou Dean, trincando os dentes.
Eu preciso de um favor.
Nem a pau! - respondi juntamente com o loiro, que deu uma risada de escárnio.
Acredite, é mais vantajoso pra vocês do que pra mim - afirmou ele e então continuou - Estou sendo caçado. Querem me acorrentar.
Como Lúcifer fez com Morte? - indagou o Winchester - Isso é possível com anjos?
Morte é o anjo da... Morte. - ele sibilou irônico.
Certo. Problema seu - interrompeu Sam.
Não acho que seja por aí - começou, alterando o tom de voz até começar a gritar - Pois quem quer me acorrentar é o seu irmão! - Balthazar apontou o dedo pra mim - Então calem a boca e me deixem falar, seus macacos depilados ignorantes!
Jimmy?! - perguntei atônita ao ouvir o nome do meu irmão, até então desaparecido. Dei um passo em direção ao anjo, mas Sam me puxou pra trás dele novamente.
Você tem outro? - ele riu irônico.
Por que você precisa da nossa ajuda pra se livrar de um garoto que está te caçando? - começou Dean, dramatizando - Você é um ser celestial, pode estalar os dedos e ele vira carvão - O repreendi com o olhar, ele fez uma careta e sibilou "Desculpe".
Por quê, meus caros compatriotas imbecis, ele é um nefilim!
E você um anjo - rebati, arqueando as sobrancelhas. Eu não podia entender muito bem sobre a cadeia alimentar celestial, mas a julgar pelo modo como Jimmy saiu assustado quando Castiel chegou naquele prédio, devo supor que anjos são infinitas vezes mais fortes que os nefilins.
Ele é o líder deles, está organizando uma guerra e a minha cabeça será a primeira a rolar.
O quê? perguntamos eu e Sam em uníssono. Balthazar deu um longo suspiro, como se falasse com crianças.
O mundo não gira em torno do umbigo de vocês! - chiou sem perder o senso de humor - Vamos a uma rápida explicação: Existem nefilins, filhos de anjos com humanos. E existem anjos caídos, que foram expulsos do céu permanentemente e tiveram suas asas arrancadas, condenados a essa terra imunda como castigo por alguma desobediência. Essas duas turminhas se odeiam, porque os caídos possuem os nefilins uma vez por ano. Os bastardinhos não querem mais e então vão lutar por liberdade.
Certo... Isso é demais pra mim - interrompeu Dean com uma careta de confusão - E por que ele quer te acorrentar?
Motivos pessoais - respondeu o anjo, tomando mais um gole da bebida e fazendo a mesma cara de limão azedo. O Winchester cruzou os braços, esperando a resposta certa. Balthazar expirou pela boca - Eu matei a mãe dele, ok. Satisfeito?
Todos os olhares se voltaram para mim, que a esta altura estava confusa e discernindo as coisas devagar. Se ele havia matado a mãe de Jimmy, então...
Você matou a minha mãe?! - esbravejei me esquivando do braço de Sam que me mantinha atrás dele e marchei até Balthazar com raiva.
Não era sua mãe - corrigiu ele me apontando um dedo.
Que se dane! Era a coisa mais próxima que eu tinha! Seu pedaço de merda! - xinguei, partindo pra cima dele. Dean me segurou pelos braços - Me solta, Dean!
Por Deus, agora foi a cadela que ficou maluca - o anjo revirou os olhos, balançando o copo de uísque.
Mais respeito, pedaço de merda! - chiou o loiro, fuzilando-o com o olhar. O mesmo apertou os braços a minha volta, até que eu me acalmasse. Eu nunca realmente havia pensado que um dia ficaria cara a cara com o assassino da minha mãe, e eu não estava psicologicamente preparada pra isso. Minha vontade era socá-lo até seus miolos virarem patê, mas o fato era que esse anjo sabia algo sobre meu irmão, e Jimmy era a prioridade agora. Eu ainda sentia a raiva ferver dentro de mim, mas já estava controlável.
Por quê? indaguei, com os dentes trincados.
Foram ordens lá de cima. Eu não questionava naquela época - ele deu de ombros - Marina comprometeu a missão quando deu a luz ao seu irmão, então ordenaram que eu a matasse.
Você fala isso como se fosse a coisa mais normal do mundo! meu sangue esquentou novamente. Tentei me soltar, mas Dean mantinha o aperto forte.
Ordens, garota, ordens - resmungou o anjo.
Ok! - Sam se colocou entre eu e ele, abrindo os braços - Vamos focar as coisas. O que exatamente você quer da gente?
Primeiramente que deem um jeito nesse moleque arrogante que acha que pode me usar de boneco quebra nozes - respondeu com desdém - e segundo, que impeçam a guerra. Muitas pessoas vão morrer nela, podem apostar.
Desde quando você se importa com as pessoas? - perguntou o moreno com hostilidade.
Por que achou que te ajudaríamos? - indagou o loiro, desconfiado.
Por que vocês a-do-ram se sacrificar pra salvar o mundo, e - Balthazar me encarou - eu tenho uma moeda de troca.
Você não tem nada que nos interesse - afirmou Sam com frieza.
Eu tenho o manual de instruções da garota - disse ele em alto e bom tom, com superioridade. - Eu sei o que ela é.
Ou não - desafiou Dean. Abri a boca incrédula, principalmente com a parte do eu sei o que ela é.
Acredite - ele assentiu com a cabeça pra enfatizar - eu sei. E só existe um exemplar. Vocês me ajudam e eu ajudo vocês, uma troca justa.
Eu quero ver - exigiu o Winchester caçula depois de um tempo. O anjo riu por longos segundos.
Desculpe, adorei a piada. Acha mesmo que eu iria andar com isso pra lá e pra cá? Está muito bem guardado - ele puxou uma chave do bolso do blazer e sacudiu. Em seguida se voltou para Dean que parecia estar tramando alguma coisa - Nem pense nisso, mesmo se me matar e pegar a chave, nunca vai achar a sala que ela abre.
Como conseguiu o tal manual? indaguei ainda perplexa, as palavras saindo de modo estranho da minha boca.
Estava escondido junto às armas que eu roubei do céu. Sabe o que isso quer dizer, Esther? - ele se aproximou mais, me encarando com os olhos cinzentos. Senti meus pulmões se encherem de ar, mas estava difícil expirar - Você é uma arma também. Uma arma angelical apertei os lábios, engolindo em seco.

Uma arma? Isso era estúpido, mas fazia um incrível sentido. Os Winchester me fitaram por um momento, com olhares analíticos. Como quem observa algo que nunca viu ou uma aberração, e aquilo me fez desejar ser invisível naquele instante.
Onde o garoto está? - o loiro se voltou para Balthazar.
Da última vez que ele me encurralou e ameaçou a minha linda face com um bisturi infectado de tétano, nós estávamos em Chicago - respondeu rápido, sorridente e prontamente.
Se você estiver nos enganando eu juro que arranco a sua cabeça - prometeu Dean, com uma expressão ameaçadora.
Não estou - assegurou o anjo, colocando o copo em cima do balcão e limpando as mãos na calça. Em seguida deu um sorriso cínico e desapareceu no ar, deixando apenas o silêncio repentino.

Dean decidiu que era melhor voltarmos para Sioux Falls, mas Sam queria que parássemos em algum hotel para descansarmos antes de pegar a estrada, na disputa do par ou ímpar, o irmão mais velho ganhou. Catamos todas as coisas e saímos daquele lugar, antes que alguém estranhasse a carnificina e chamasse a polícia.

Eu ainda estava digerindo todas as informações que Balthazar havia nos passado há menos de vinte minutos. Segundo ele, meu irmão era um líder de algum tipo de seita, estava organizando uma guerra, e queria escravizá-lo, o anjo que matou nossa mãe. Já eu era uma arma angelical que vinha até com manual de instruções. Isso era bizarrice demais pra se absorver de uma vez só. Eu estava me sentindo estranha, como se uma grande bola de fiapos estivesse presa na minha garganta. Eu estava assustada com toda essa situação e com medo de mim mesma, mas mais que isso, eu estava magoada.

Nunca pensei que receberia um olhar tão frio e analítico assim na minha vida, como o que Dean e Sam me deram há minutos. Um olhar que dizia algo como Que tipo de monstro é você?. Era estúpido da minha parte, estar assim por uma coisa tão boba, e embora eu tentasse ignorar, aquilo me corroía por dentro como um veneno.

Estávamos a três horas na estrada, tomando alguns desvios e pegando vários atalhos. Sam e Dean se revezavam no volante. Eu disse umas dez vezes que podia dirigir, já que não conseguia dormir, mas tanto o irmão mais velho quanto o caçula diziam estar em perfeito estado.

Chegamos à Sioux Falls ao amanhecer, Bobby estava na soleira da porta com uma xícara de café nas mãos. Os olhos apertados por causa da claridade dos poucos raios de sol que surgiam no céu.
Ora, café? Acabou o estoque de cerveja do país? - brincou Dean, enquanto saia do Impala se espreguiçando.
Vê se eu to na esquina - chiou o mais velho indo pra dentro de casa. Sam descarregou a mala de armas e seguiu pela porta.
Como está o Rufus? - perguntou o moreno, jogando a bagagem em cima da mesa. Enquanto eu me acomodava numa cadeira próxima a Bobby, e Dean se esparramava na poltrona dando um longo bocejo.
Não virou suquinho de sanguessuga - respondeu de má vontade - E da próxima vez que eu tiver de sair - ele se virou pra mim com uma expressão rabugenta - vou te prender numa gaiola à prova de anjos.
Levantei as mãos e balancei a cabeça, como se dissesse um Ok, entendi.
Descobriu alguma coisa sobre o paradeiro de Jimmy? - indagou o loiro.
Não respondeu Bobby rapidamente, com um suspiro - Mas eu fiz umas ligações, e parece que o que Balthazar disse é verdade.
Sobre a guerra de anjos caídos e nefilins? indagou Sam, se aproximando e sentando-se na cadeira em frente à mesa.
Exato assentiu o mais velho - Esteve debaixo do nosso nariz o tempo todo, me admiro não termos topado com nenhum deles durante esses anos disse com certa surpresa.
Vai ver que eles são mais civilizados que os monstros que costumamos caçar - sugeriu Dean.
Parece que sim.
Então, o que você descobriu? perguntei, me inclinando em sua direção. A curiosidade estava me matando, junto com a vontade de achar o meu irmão logo.
Os caídos possuem os nefilins uma vez por ano, num período especial.
E por quê?
Tanto anjos quando caídos, aparentemente, não conseguem sentir ele fez aspas com os dedos - as coisas que nós sentimos. Digo, fisicamente falando. Quando possuem os chamados vassalos, eles conseguem.
Tipo no filme "Avatar"? perguntou Sam, franzindo a testa.
Sim afirmou Bobby.
E eles vão travar uma guerra por isso? Dean se estendeu até a mesa e pegou um copo, enchendo de uísque e voltou a se acomodar na poltrona - Isso sim que é motivo passional.
Tem muitos humanos envolvidos, Dean falou o velho com preocupação - Pode virar um massacre. E eu também não acho que os anjos lá de cima vão gostar de serem expostos dessa forma concluiu.
Vai ser quase um apocalipse - constatou Sam, num fio de voz.
Então precisamos achar o garoto o mais rápido possível disse o loiro enquanto se levantava num pulo.
E fazer o quê? Prender ele no quarto do pânico? indagou Bobby, sarcástico.
Se isso evitar uma guerra. Exato afirmou Dean, retribuindo o sarcasmo - Além do mais, é a única condição para que Balthazar nos entregue o manual da Esther.
Manual? Ela virou uma geladeira brastemp agora? Por que tem tanta certeza que ele está falando a verdade?
Ele foi bem convincente sibilou Sam - Jimmy o está caçando e pretende acorrentá-lo, igual Lúcifer fez com Morte.
Mas ele é um anjo, pode se cuidar.
E Jimmy é o líder do exército nefilim constatou Dean, bufando em seguida - Aparentemente só nós podemos impedir essa guerra, antes que os anjos impeçam, e eles não vão ser bonzinhos. Estão doidos pra explodir metade do planeta mesmo!
Acho que devíamos pedir uma segunda opinião sugeriu Bobby.
Ah é? De quem? Obama? perguntou o loiro com um sorriso forçado.
Uma segunda opinião angelical reformulou o mais velho. Dean comprimiu os lábios, passando os olhos por mim e por Sam.
O Cass foi mandado pra far far away disse.
Mas ele já devia ter voltado. falou o moreno com ar de preocupação.

Realmente, Castiel foi mandado junto com Raphael e os guarda-costas dele de volta para o céu. Pelo menos pra mim, isso era perigoso. Meu estômago formigava só de pensar no que o arcanjo faria se pusesse as mãos em Castiel.
Isso sem dúvida é preocupante constatou Bobby - Então, o que fazemos agora?
Você e Sam coloquem o talento das pesquisas pra funcionar e você - Dean se virou pra mim nós temos que fazer uma coisa.
Que tipo de coisa? franzi a testa e então o Winchester mais velho sorriu de lado, arqueando as sobrancelhas.

Estávamos do lado de fora da Oficina Singer. O sol da manhã começava a emitir raios mais fortes conforme ia subindo ao céu. O vento era frio, e se você ficasse na sombra por algum tempo, com certeza optaria por vestir mais uns dois casacos.

Dean estava atrás de mim, mantendo meu corpo em postura reta; meus braços rígidos e inclinados em direção a uma carcaça do que um dia foi um Chevrolet azul marinho, e em cima dele havia várias latas de cerveja vazias. O loiro mantinha as mãos quentes sob as minhas, que seguravam a Calibre 22.
Você precisa manter os braços firmes, se não o impulso pode te fazer errar o tiro e até se machucar - dizia contra o meu cabelo Eu aconselho segurar a arma com as duas mãos. Um erro muito comum dos atiradores novatos é querer segurar com uma só.
Percebi isso sem querer quando eu dei um tiro no pé do cara que roubou seu carro falei, sorrindo involuntariamente ao me lembrar daquela cena vergonhosa.
Pena que não acertou na cabeça do infeliz - bufou ele com um tom perverso. E então voltou às explicações - A mira é um pouco mais difícil. Você pega o jeito com prática e tempo. Um segredo é sempre desviar um pouco da sua visão, pois nem sempre você está numa postura reta e isso influencia na linha de tiro.
Colocar um pouco pro lado disse, exemplificando.
Exato concordou o loiro, soltando minhas mãos - Certo, agora tente.

A arma fria e pesada começava a esquentar sob a minha pele, foquei bem as latas brancas com rótulos vermelhos, deixando a mira um pouco pro lado. Igual você faz no jogo de bilhar quando quer que a bola tome curva. Apertei o gatilho com determinação, mantendo os braços firmes pra segurar o impacto. A 22 deu um impulso pra trás e no segundo seguinte a bala atingiu a lata pela parte debaixo, derrubando-a desajeitada pela carcaça do Chevrolet.
Não foi perfeito, mas foi jeitoso - elogiou Dean, franzindo os lábios e balançando a cabeça em aprovação.
Aulas de tiro? - indagou Sam, enquanto se recostava na lateral do Impala com o notebook em mãos.
Não, Sammy o irmão se virou para ele, o tom sarcástico Nós estamos matando as latas por que não vou com a cara delas zombou. Soltei uma risada, me virando para encarar o moreno que revirava os olhos.
Quando o pai te ensinou a atirar, você começou com a Calibre 22, não é? - questionou, fitando a mesma em minhas mãos. Dean deu de ombros.
Muito observador disse por fim e virou na minha direção, apontando para a arma prateada - Agora, me mostra.
Recarregar, engatilhar, destravar, travar - falei enquanto fazia todos os procedimentos padrão. Ele balançou a cabeça e sorriu em aprovação. Rolei os olhos para o porta malas do Impala que estava aberto, expondo todo o arsenal. Mordi a boca. Acho que eu estava adquirindo um estranho gosto por armas de fogo. Sam percebeu meu olhar e fez uma expressão curiosa, curvando os lábios para cima - Podemos usar as outras armas?
Qual você quer? perguntou Dean, indo em direção ao porta malas.
A grande - falei rapidamente, enquanto apontava para a mesma. Ele parou e se virou para me fitar, sorrindo de lado.
A Browning? questionaram ele e Sam em uníssono. Assenti com a cabeça. Não sei direito o porquê de eu querer usar aquela arma, ela simplesmente me parecia... A melhor.
Na minha primeira aula de tiro com o pai eu também quis usar a Browning - revelou o loiro.
Jura? Eu não sabia disso - comentou Sam, apertando os olhos - Dean sempre adorou armas grandes. Aliás, quando ele tinha onze anos eu lembro que pediu uma de aniversário pro pai.
Já você com onze pediu um computador - retrucou o irmão mais velho, sibilando para o objeto nas mãos do caçula Nerd.
Cala a boca devolveu o moreno Bem, eu não sou fascinado por armas, mas eu vejo que a Esther está sendo influenciada por você nesse ponto - Sam piscou pra mim.
Ótimo, podemos usar a Browning então? perguntei juntando as mãos.
Primeiro você aprende a usar a Calibre 22, depois eu penso no seu caso falou o irmão mais velho. Revirei os olhos e ele parou atrás de mim novamente, segurando minhas mãos em linha reta, e então continuamos com a aula de tiro.

Algumas horas e latas depois, eu já estava conseguindo atirar de um jeito mais decente. Segui todas as instruções de Dean, e mais alguma ajuda de Sam, e então decidimos acabar o dia com pesquisas.

Já era de madrugada quando eu fui dormir. Me ajeitei na cama, sentindo o edredom aquecer aos poucos. A casa estava silenciosa, apenas o barulho da minha respiração e o vento da noite eram eram possíveis de ouvir.

Com as luzes apagadas, não demorou muito para que eu me encontrasse em estado de sonolência. Naquele momento em que você está relaxada e quase dormindo, mas ainda percebe o que acontece a sua volta. Algumas imagens do meu dia agitado passavam aleatórias pela minha mente, alguns rostos borrados de pessoas, a sensação da chuva na pele, a risada alta de Dean, tudo era um borrão distante. Ao longe eu conseguia ouvir um bater de asas, não sabia se estava imaginando ou se realmente estava acontecendo. Não consegui me importar, eu já estava num estado impossível de acordar sozinha, então deixei pra lá.

Em algum lugar no fundo da minha inconsciência, eu ouvia uma melodia. No começo era triste, mas logo ficava eufórica e vibrante. Meu corpo estava em algum lugar escuro, e de repente meus ouvidos captaram outros sons, e logo eu ouvi o barulho da água se movimentando contra a brisa.

Eu estava deitada sob uma superfície rígida, alguns fios de cabelo batiam contra meu rosto e o vento era úmido e suave como o toque de veludo. Abri os olhos, me deparando com um céu cheio de estrelas, algumas nuvens passeavam em torno dele, deixando rastros esfumaçados. Os pontos de luz pareciam pequenos diamantes incrustados numa capa negra que era à noite.

Sem dúvida alguma era uma cena perfeita e digna de filmes de romance, não haveria nada que pudesse torná-la melhor. Apertei as pálpebras, piscando demoradamente enquanto uma imagem me vinha à mente. [Play Você sempre será]

Senti um toque quente sob a minha mão, me fazendo arrepiar involuntariamente. Virei a cabeça em direção a minha possível companhia que se fazia presente, e Castiel estava sentado ao meu lado, me olhando de cima.
Certo - sorri constrangida comigo mesma e revirei os olhos - eu devo estar totalmente louca pra me imaginar numa cena dessas com você.
Ele franziu a testa por um instante e depois se voltou para observar o céu.
Eu sou real - falou calmamente. Puxei o ar devagar, analisando a situação. Eu estava vestida com o moletom cinza que Sam me emprestara, descalça, em um lugar muito alto e desconhecido. Se isso não era um sonho...
Você me raptou enquanto eu dormia? - perguntei incrédula enquanto me sentava, deixando as pernas balançarem pra fora da superfície de pedra. O anjo girou na minha direção, me encarando sob o ombro.


Um instante, um olhar
Vi o sol acordar
Por detrás do seu sorriso
Me fazendo lembrar

Isso é um sonho, mas eu sou real. Posso entrar em contato enquanto você dorme - revelou.
Que conveniente - disse arqueando as sobrancelhas. Então notei que ele ainda estava com a mão sob a minha. Fiquei em dúvida se puxava lentamente ou não - Onde diabos você está? Estamos todos preocupados com você.
Preso no céu - falou, descendo o tom de voz. Fitei-o por longos segundos, entendendo o quanto aquela situação era grave - Raphael pretende fazer uma coisa bem radical.
Quando você diz radical... - engoli em seco, não conseguindo terminar a frase.
Uma coisa bem ruim - completou o anjo abaixando os olhos.
Isso não é nenhuma espécie de turnê do adeus não é? Me diga que você tem um plano indaguei nervosa, me inclinando em sua direção.


Sinto a calma em volta de mim
O teu vento vem me perturbar
Me envolve e me leva daqui
Me afoga de novo no mar

Eu vou fugir - revelou Castiel - com um feitiço bem especial...
Mas? incentivei, sentindo que havia algo a mais quando seu olhar vacilou.
Eu preciso da sua ajuda pra completá-lo disse fitando a sua frente, sem realmente ver.
E o que eu preciso fazer?
Balthazar vai lhe dizer quando chegar a hora.
Eu não confio nele mordi a boca, balançando a cabeça.
Por favor, eu preciso da sua ajuda Castiel se virou para me encarar, segurando meu olhar por alguns segundos. Sua expressão era calma, mas eu podia jurar que seus lábios tremeram por um momento.
Ok, eu topo assenti. Embora não tivesse a mínima ideia sobre o que eu estava me comprometendo a fazer, ou se conseguiria de fato - Quando você vai fazer?
Em breve balbuciou o anjo - Mas é terrivelmente arriscado, e tem grandes chances de dar errado e... - ele parou rispidamente.
E? - incentivei novamente, fazendo-o me fitar com os olhos apertados e eu soube que não gostaria de ouvir a resposta. Respirei fundo, enchendo os pulmões de ar o máximo que podia e então disparei apenas duas pequenas palavras que tinham um significado enorme - Não morra.
Eu prometo - falou Castiel depois de alguns segundos em silêncio.

Percebi que ele ainda mantinha a mão sobre a minha e que nós estávamos fazendo aquilo novamente: Nos encarar por vários minutos sem parar. Só que dessa vez ele estava terrivelmente perto, e eu estava com uma vontade louca de... Esther, para!

Troquei o foco dos meus pensamentos e passei a observar o lugar. Era uma espécie de terraço com algumas superfícies de pedra que obviamente não foram feitas pra sentar ou deitar, já que eram próximas demais da beirada do prédio. Mais a frente dava para ver um extenso rio, cercado pelas luzes da cidade. Era lindo e eu definitivamente não sabia onde estava.

Me envolve e me leva pra longe daqui.

Como eu posso sonhar com um lugar que eu nunca estive? indaguei, franzindo a testa.
Eu tive uma pequena parcela de culpa nisso - revelou Castiel, sorrindo de lado.
Onde estamos?
Porto Alegre, Brasil disse com a voz grave.
Hum, Brasil é? É um lugar interessante, e bonito.
Mais especificamente na antiga usina do Gasômetro, de frente para o rio Guaíba explicou o anjo.
Olá, Google maps, você por aqui? brinquei e ele fez uma careta confusa. Dei uma risada e voltei a encarar o rio, vendo pequenos raios de luz surgirem no horizonte. O vento havia ficado mais forte, e jogava o meu cabelo em diversas direções, mas o frescor causava uma sensação de frio boa na pele.
O nascer do sol aqui é algo que vale a pena se ver. É belo. constatou Castiel ao mesmo tempo em que a luz iluminou seu rosto. Os olhos azuis adquirindo um belíssimo tom de dourado.

Me perco nos teus olhos e mergulho sem pensar
Se voltarei...

É lindo murmurei sem saber ao certo sobre o que eu estava me referindo. Observei-o por vários minutos, sem ao menos desviar a atenção por um segundo para fitar a aurora. Eu sabia que não havia comparação. Balancei a cabeça, fechando os olhos com força. Esther sendo idiota de novo, pra variar. - Eu não devia acordar agora?
Aproveite o nascer do sol - O anjo olhou para o lado e encarou nossas mãos por um momento - São os pequenos momentos que acabam se tornando lembranças pra uma vida toda murmurou com os olhos fixos nos meus - Ou uma existência.