Sentimento Incompleto

Talvez não seja o fim do mundo


Rin POV

— Rin...? – Miku me chamou. Um tom baixo e triste, como se não quisesse incomodar, sem que tivesse outra escolha. Eu não respondi. Consegui ouvir o som de suas costas deslizando até que se sentasse. – Eu sei que você tá me ouvido, encostada do outro lado da porta. – Continuei sem fala. – Fizemos croquetes pra almoçar... Já esfriaram, mas ainda estão crocantes... se você demorar não vão mais... – Eu não queria comer. Nem sabia o que dizer. – O que você quer jantar? Pizza? Macarrão? Quer comer fora? Quer, sei lá... jantar só sobremesas?

Nada.

Miku saiu. Nem insistiu mais. Eu me encolhi até esconder a cabeça entre os braços e joelhos.

Eu odeio tanto isso... queria tanto conseguir fazer alguma coisa...

— Lillian! – Meiko se agitou do outro lado. Eu me assustei. Acho que foi a primeira vez na vida que ela me chamou assim. – Eu sinto muito, mas comigo não tem muita delicadeza. Nós sabemos que não é só pelo Len. Então é melhor você ajudar a gente a te ajudar!

Que horas eram? Não fiquei aqui por tanto tempo assim... fiquei?

— Tem alguma coisa... – era Luka dessa vez – qualquer coisa, que você queira?

Queria que chantagens bobas funcionassem. Queria mesmo.

A menor imagem de sair do chão, me endireitar e abrir a porta como se nada tivesse acontecido me desmotivava.

Me arrastei até pegar meu celular, largado na mesinha de cabeceira. Já eram quase quatro da tarde. Fiquei mais um tempo sentada no chão, só meio debruçada na cama. Não me movi além disso.

— Rin-chan, eu sei que tá frio, mas sorvete é um clássico que cura qualquer tristeza. – Até Kaito estava tentando. – É só tomar enrolada numa coberta!

Na verdade, eu queria ficar sozinha. Sem ninguém em casa e em silêncio. Queria ter tempo de processar tudo até ter coragem de abrir a porta e encarar o mundo de novo. Não importa quanto tempo demore, ou não. Só sentia que precisava de um tempo.

Convenhamos... Len só foi embora. Não foi o fim do mundo. Pelo menos todos estamos vivos. No fundo, nós sabíamos que isso podia acontecer desde o começo. Eu tinha motivo para tudo isso? Talvez não. Talvez Meiko estivesse certa e realmente não era só isso.

É claro que não era.

Mas nada mais podia ser feito pelo resto. E o que eu podia fazer, não queria mais e perdeu o sentido. Não vale mais a pena, me cansei de tentar em vão. Todas as respostas e até algumas perguntas se foram com Len, levando parte das minhas esperanças.

— Vamos adotar um cachorro! – Miku continuava "empolgada" do outro lado. – Ou um gato pra dormir com você, Rin... ou os dois!

— É uma ótima ideia! – Kaito animava.

— Poderíamos ter pensado nisso antes. – Luka não ficou tão animada, mas não discordou.

Queria ter tempo para cuidar de um bichinho. Não parávamos em casa, ele ficaria solitário a maior parte do tempo e a tendência era ficarmos ainda mais ausentes com o tempo... seria cruel. Acho que Luka entendeu isso.

— Ela não é alérgica a gatos...? – ouvi Meiko perguntando baixinho atrás, acabando com o clima de todo mundo.

— Não é tão grave... eu acho. – Miku foi murchando de novo. – Ela sempre tenta chegar perto quando vê um...

Só o Len é alérgico, na verdade. Comigo, apesar de incomodar um pouco, era suportável e valia o sacrifício.

Quanto mais cedo eu saísse do meu quarto, mais cedo a reunião acabaria. O tempo passaria mais rápido e logo eu teria mais tempo para pensar em paz. E eu estava com fome, comi só umas bolachinhas de manhã.

Levantei, os músculos formigando e doloridos.

Abri a porta, encarando sem expressão os reunidos em volta, chocados com um fundo de felicidade em suas caras.

Miku me abraçou de imediato, suspirou. Não me soltou enquanto eu não retribuí, mas foi breve e saiu antes que eu reclamasse.

Ninguém falou mais nada, o que foi bom. Na cozinha, todos sentaram em volta de mim na mesa, me fitando enquanto eu comia em silêncio, sem ânimo nem para reclamar do desconforto da situação. Comia mais por medo de ficar doente de novo, ainda me recuperando da anemia do meu último descuido.

Não sabia o que falar e a situação ficava cada vez mais desconfortável, mas não queria ser chata e pedir que saíssem. Por mais que as intenções fossem boas, não é esse tipo de atenção preocupada e excessiva que funciona comigo.

— Acho que Kaito e eu ainda não sabemos dos detalhes sobre tudo o que aconteceu segunda-feira. – Meiko tentou diminuir o silêncio. – Vi seus tweets revoltados. Acho que seria legal saber o que aconteceu.

Nem para isso eu encontrei ânimo, e acabei contando tudo de um jeito meio morto.

— Não sei o que vai ser daqueles dois agora, nem quero saber – encerrei.

— Eles vão ser expulsos, com certeza – Miku opinou. – E se não forem, os alunos vão reclamar até que sejam mesmo.

— Vão ser, sim. Já devem ter sido, inclusive – Luka também. – A diretora com certeza prefere evitar essa confusão.

— Mas como eles conseguiram sair da Kunugigaoka Academy, pra começo de conversa? – Kaito quis saber. – Duvido que os pais os deixaram sair tão fácil. Aquilo lá é uma prisão.

— É uma boa pergunta. – Eu realmente não sabia, nem me importava. – A única coisa que Mayu nos disse foi que queria recomeçar em um lugar diferente depois de insistir muito. E que o Akihiro só foi pra "cuidar dela" como punição ou sei lá.

— Talvez a gente consiga arrancar alguma coisa da Yukari – Miku sugeriu, meio baixo. – Se ela não tiver sido suspensa por muito mais tempo do que uma semana.

— Talvez a gente possa só deixar essa história acabar, finalmente – eu também fiz minha sugestão. Miku demorou, mas concordou.

Quase ensaiado, nós respiramos fundo, juntos.

— E... quando você pretende voltar pra Crypton? – Meiko perguntou.

Len e eu sempre fomos uma dupla, mesmo entre o grupo todo. Apesar das nossas músicas sozinhos, ou mesmo nessas músicas tinha o apoio, ou a participação e às vezes até ajuda um do outro.

Eu estava sendo egoísta, provavelmente, mas não conseguia me imaginar feliz continuando nosso trabalho sem ele. Seria mais uma coisa incompleta, mais uma batalha perdida que esfregariam na minha cara, as consequências dos nossos "atos indecentes" que deveria aceitar sem reclamar. Esse provavelmente era o maior problema da nossa distância.

Ou, eu poderia lidar com isso, me acostumar... ainda é o que eu amo e quero fazer, apesar de tudo.

Nunca me esqueci do pequeno detalhe de que a Crypton tinha a intenção de contratar apenas três de nós, e sabíamos disso, durante todo o processo das audições. E mesmo assim, fomos até o final.

Todos os seis, juntos.

Ou ninguém.

E não quiseram nos perder. Aceitaram. Tínhamos o bônus de não precisar de produtores no início, já que fazíamos nossas próprias músicas. No começo, quando não podiam contratar nenhuma outra pessoa, foi isso o que nos salvou lá dentro.

— Semana que vem? No final dessa? – tentei responder sendo otimista. – Não sei. Depende da minha motivação. Talvez mais tempo. Talvez até alguém me ligar irritado.

— É melhor do que nunca – Luka foi a primeira a dizer o que eu sei que todos queriam dizer, ou pensaram.

— Com que cara eu apareço lá? Eu não tenho ideia do que fazer – desabafei. – Nem tivemos coragem de contar pessoalmente o que aconteceu.

Silêncio.

— Acho que não vai dar em nada. – Miku também foi "otimista". – Seu avô já cuidou de tudo, e tenho a sensação de que ninguém vai querer se meter com ele ou com a sua família.

— E também... eles são compreensivos. – Luka tentou sorrir, eu tentei retribuir. – Mesmo que você leve alguma bronca, vão preferir evitar confusões maiores.

— O Len saiu do nada, isso deve ser quebra de contrato. – Kaito olhou pra mim, esperando que eu soubesse a resposta. – Ou alguma coisa assim, eu acho.

— Como a Miku disse, ninguém vai querer se meter – Meiko respondeu por mim, depois da minha demora. – A família quase toda envolvida na área de direito. Todos querem o Len longe daqui, e da Rin. Mas todos querem a Rin aqui. Não vale a pena brigar, já está tudo feito.

— É, é isso – foi tudo o que eu disse.

— Que merda... – Kaito murmurou. Depois, se dirigiu a mim de novo. – Mas por que não quiseram nada com você lá?

— Olha a indelicadeza... – Meiko tentou censurar.

— Porque eu só arrumo confusão e sou "rebelde e indecente" demais pra eles, porque eu sou mulher, e não posso ter filhos. Porque ninguém lá gosta de mim e eu irritei todo mundo quando tive a chance. E porque eu nunca ia parar de tentar fazer algo contra o que me obrigassem a fazer.

Na verdade, eu gostei de colocar isso para fora. Quase inspirador lembrar o que tinha de lutar contra, se não fosse trágico. Senti até uma pontinha da chama de inspiração voltando a acender.

— E... será que a Mayu vai continuar no Vocaloid...? – Kaito quase engoliu a frase. – A música com ela nem teve um final.

Silêncio, tenso dessa vez.

— Sinceramente, ela não merece. – Miku revirou os olhos, curta e grossa. – Tomara que tenha a decência de não voltar.

— Se eu fosse ela, não teria coragem de chegar perto de qualquer um na Yamaha – Meiko opinou. – Mas se ela prometer ficar na dela, e bem longe da gente e da Crypton, não me importo. Aposto que o que ela vai receber do público vai ser suficiente.

— Esse tipo de julgamento do público é sempre dos piores, não é o certo. – Kaito foi um pouco tranquilo. – E ela mexeu muito com o Len-kun e a Rin-chan... Sem ofensas, mas vocês dois tem uns fãs com bastante temperamento.

— Não tanto quanto os da Miku. – Não tinha nada a ver com o assunto, mas eu não quis deixar o comentário passar.

— Eu infelizmente concordo com a Rin – a própria me respondeu. – Mas ninguém mais tem as fangirls loucas do Len.

Foi um coro de concordâncias desconfortáveis. Mayu pode até ter feito parte desse grupo radical de fangirls, mas nenhuma chegou no nível dela... e as outras não vão perdoar. Eu mesma não ousei saber o que estão falando sobre mim, agora que todo mundo sabe do nosso relacionamento.

Não concordamos e muito menos gostados disso, porém, não temos como ter controle sobre essas coisas. É literalmente impossível. Felizmente, são a menor das minorias entre o fandom.

Enfim, Luka, a sensata, voltou ao assunto:

— Com a gente ou com a Crypton ela nunca mais consegue nada. Talvez a Yamaha mude ela de gravadora pra abafar o caso, uma menor e menos famosa. Mas se ela vai sair ou não, não deve mais ser problema nosso.

Fomos obrigados a concordar mais uma vez.

Terminei de comer, e a minha desculpa para continuar na cozinha pareceu ter terminado também. Queria voltar para o meu quarto e Miku veio com a ideia de fazer um bolo ou alguma coisa quentinha e cheia de chocolate antes que eu saísse. Só faltou me colar com Super Bonder na cozinha enquanto implorava, e eu cedi.

— Antes que você reclame, é só pra não te deixar sem fazer nada – Luka explicou, com calma. – Prometo que a gente deixa você voltar pro seu quarto mais tarde.

— É importante deixar a cabeça ocupada com coisas fáceis às vezes – Meiko ajudou.

— E desde quando fazer um bolo é fácil? – Eu encontrei um restinho de humor de algum lugar.

— É bolo de pacotinho, não tem erro. Eu também não acho fácil. – Miku entrou no clima, rindo. – E o calorzinho do forno vai ser bom também.

E passamos o resto da tarde assim, da massa até a cachoeira de cobertura, até a hora de comer, finalmente. Conversamos uns assuntos aleatórios, rimos de outros, até começar a escurecer.

Meiko e Kaito foram embora antes de esfriar e nevar mais.

Eu voltei para o meu quarto, com uma pontadinha de expectativa para conseguir conversar com Len. Lembrei que ainda estava no avião e as chances dele conseguir falar comigo não existiam com Leon por perto. Apenas continuei comendo o pedaço que levei do bolo e sentei na escrivaninha, dessa vez.

"Isso é cansativo, eu quero parar

Como o bolo, em uma respiração profunda"

Não, essa música não... voltando para me assombrar...

Meu celular tocou, do nada. Meu pulinho de susto me distraiu de seja lá qual fosse a morbidez da vez.

Tia Ágata.

Mesmo assim, esperei um pouco antes de resolver atender. Ligações são notícias ruins, em sua maioria.

— Rin! Oi! Que bom que atendeu! – A voz animada, talvez com esforço, nem pareceu fazer parte do dia. – Tudo bem? Como se sente?

— Eu... – Eu tinha mesmo que responder...? – Já tive dias melhores.

— Ah... desculpe, sei que não deve estar muito bem...

— Mas como você se sente? – Mudar o foco do assunto nunca falha com ela. – Tudo bem?

Para minha surpresa, a resposta demorou. No fundo, eu odeio esse tipo de conversa. Serve apenas para enrolar até o assunto de verdade ou a bomba ser solta.

— Nós vamos ficar bem. Isso vai passar – foi o que me disse. – Eu realmente queria saber a sua opinião sobre o que aconteceu, mas é óbvio que você não deve concordar ou ainda não está confortável pra falar sobre.

— Na verdade, nós nem tentamos fazer alguma coisa contra. Eu nem tenho o que falar – expliquei. – Nós perdemos essa. Levantamos a bandeira branca.

Minha tia respirou fundo lamentosamente. Esperei alguma lição de moral nível Disney sobre a importância de não desistir, mas felizmente me poupou disso.

— Quer passar uns dias aqui comigo? – finalmente começou o assunto de verdade. – É... na verdade sou eu quem queria você aqui... mas se você quiser vir também... eu sinto a sua falta. – Ouvi algum barulho que acho ter sido uma porta abrindo. Um som de susto e um atraso para terminar a frase. – Ah! Não! Não! Melhor não... não agora. Depois. Daqui umas semanas, quando se sentir melhor. Sei que você prefere assim. O que acha?

Eu... queria. Queria mesmo, podia ser essa semana já que não tinha planos melhores. Podia ser amanhã.

Por que todas as ligações e encontros com a Ágata são sempre tão estranhos ou suspeitos?

— Pode ser. É melhor mesmo – concordei, de qualquer jeito. – Quem está aí?

Ouvi um engasgo? Se assustou por eu ter perguntado? Nossa, nem mesmo se esforçou para esconder seja lá o que for.

— Eu adotei um gato, está tudo uma bagunça! – Aham, tá bom. Vou fingir que caí nessa. – Melhor esperar ele se adaptar um pouco antes de vir.

— Sério?! Qual o nome?

Outra pausa assustada. Faltou muito pouco para eu pedir uma foto, mas resolvi ter piedade e até tentei parecer animada.

Podia ser um namorado, ou caso ou sei lá. Entendo o susto, pode não ser da minha conta... mas precisa de tudo isso?

— Cinnamon, o nome. – Deve ter sido a primeira coisa que veio na cabeça dela. Se esse gato não existir ainda, tenho a sensação de que futuramente ele irá só para concretizar essa desculpa.

— É um bom nome – continuei o clima.

— Vou indo, tudo bem? Tenho que cuidar de umas coisas aqui. Não fiquem sem se falar, você e o Len. E eu já falei com ele também, hoje.

— Tá... A gente tenta manter contato.

— E não descuide de você! Tchau...

— Tchau...?

Acabou assim. Como sempre, fiquei com aquela sensação já bem conhecida de que isso não era tudo o que queria ter me contado. É assim com ela desde que me conheço por gente.

Por algum motivo, senti uma pequena motivação para aparecer na Yamaha Project o mais rápido possível. Especialmente na sala do clube.

Especialmente em uma certa despensa.

Com certeza vou apenas pelo proposito de investigar e vou acabar ignorando as aulas, os ensaios e as pessoas... Não vou deixar essa curiosidade morrer. Não de novo.