Sentimento Incompleto

Silêncio obrigatório


Len POV

Daquele dia em diante, seria obrigado a viver a "vida" que os outros queriam que eu vivesse.

O uniforme social extremamente arrumado me incomodava de modo que nenhuma roupa desconfortável superasse. A gravata preta me sufocava. Se fosse um funeral, seria o meu.

Ao meu lado no carro, Rin mexia distraidamente no celular em completo silêncio. Ainda não tínhamos superado a saída da outra escola.

A vaga da Yamaha Project era disputada por amantes da música, dança e teatro principalmente, mesmo que houvessem outras opções, para quem fugia dos padrões. Não era um número alto ou baixo em um pedaço de papel que iria definir nossos futuros. Essa responsabilidade era nossa e de mais ninguém. Também era do primário até a faculdade, apenas em prédios e locais diferentes, mas todos aqui em Sapporo.

Bastante gente lá se destaca, praticamente todo mundo. Foi assim que recebemos o convite para fazer as audições para o Vocaloid, na Crypton Future Media. Asami, nossa professora de música e a de Miku, Saki, indicaram nós três e acrescentaram Luka, Meiko e Kaito, que eram alunos de lá até pouco tempo atrás e mais uma galera, sozinhos ou outros em grupos.

Apenas para a minha mãe aquilo era o fim do mundo, por isso mudamos de escola, para a Kunugigaoka Academy, onde seremos massacrados praticamente o dia todo.

E, assim como tinha previsto, lá se foram quase oito meses que seriam jogados fora enquanto continuássemos ali. Aos poucos, odiava o amanhã.

Rumores se espalham rápido. Sequer podíamos ser vistos juntos nos corredores, os outros riam baixinho, cochichavam. Pareciam fazer de proposito, afinal, era ela que praticamente mandava na escola. Será que nem um aluno nesta escola tem um cérebro? Gradualmente, comecei a odiar as pessoas dali também.

Pior, era apenas o que especulavam, porém, na realidade, era o que eu realmente sentia. Rin estava se afastando de mim, como se tivesse medo de que fosse verdade. Eu nunca neguei, nunca confirmei... Era o errado da história e apenas ignorava.

Tudo isso começou por que Akira, apelidada por nós de Akita, por que é a garota mais cansativa do mundo (e sequer sabíamos o primeiro nome), resolveu que eu era o "garoto perfeito" e que todas as que entrassem em meu caminho sofreriam, literalmente, mesmo que eu sofresse também.

E a infeliz não era uma aluna qualquer, era filha do diretor, da escola mais infernal, manipuladora, onde quase todos são iguais. Basicamente, Akita conseguia tudo o que queria, mimada ao extremo. Tinha também um irmão dois anos mais velho e medonho, Akihiro, o repetente, que se dizia apaixonado por Rin, provavelmente por influência da irmã. Ajudava a nos separar e ao mesmo tempo nos ganhar. Ainda piorando, nós dois não estávamos na mesma sala. E Rin, Akita e algumas de suas seguidoras estavam na mesma.

Todos os dias presenciava a expressão vazia e depressiva de minha irmã na saída, mal nos olhávamos, mal nos falávamos... Em quase cinco anos, nunca houve um clima tão tenso entre nós como nos últimos meses, quando saímos da Yamaha e viemos para esse inferno porque minha mãe achou que aqui era melhor, por ser mais rigoroso, cheio de regras e, não me canso de dizer, infernal. Estávamos "sonhando muito e produzindo menos" devido aos ensaios das audições para o Vocaloid, do qual estão nos obrigando a desistir.

Eu já havia desistido de tentar.

Apenas deixava os dias passarem, principalmente às 11 horas de tortura no inferno. Não via mais meus amigos, não conversava mais com Rin, não me divertia, não fazia outra coisa a não ser fingir que fazia minhas "obrigações" e ficar com notas baixas na esperança de ser expulso.

É, também não estava com as melhores ideias. Me livrar daquilo era apenas o que me restava.

Rin POV

Estava cansada, queria desaparecer, da escola, das pessoas, do mundo. Acreditava sim que podia fazer algo diferente, mas já não importava.

Queria conversar com Len, dizer que estava tudo bem e que era apenas um rumor. Mas eu estaria mentindo, Akita e as criaturas espalhavam uma coisa que só era mentira para elas, fazendo as pessoas acreditarem. E estava funcionando, nem nos encontrávamos direito pela escola, sequer fora dela.

O silêncio de Len doía. Ele se distanciava de mim cada vez mais, se tornando um estranho na mesma casa... outra vez. Ao menos dessa vez não brigamos o tempo todo.

A escola era cara e considerada "a melhor", apenas por quem estava lá dentro, ou pelos pais cegos dos alunos, pois os rumores diziam que isso era mentira. Parecia parada no tempo, em uma ditadura ou sei lá. Na verdade, quem influenciou minha mãe até virmos parar aqui foi meu avô. Achava que o assunto com ele tinha sido resolvido. Mesmo assim, aqui estamos, com as mãos e os pés amarrados, com medo de abrir a boca. Matando nossos sonhos.

Eu olhava o nada com a maior cara de tédio e sono possível, nem notava o professor-general assustadoramente parado ao meu lado prestes fazer um escândalo pela minha ignorância em uma escola como aquela e fazer com que a peste, filha do diretor (que por sinal era "amada" e mimada pelos professores, sem fazer nada), risse por dentro. Felizmente, o sinal da saída tocou, apenas juntei todo meu material e fui guardando pelo caminho, correndo para fora na frente de todos enquanto o professor resmungava.

Costumava ser uma boa aluna sem esforço nenhum, apenas me recusava a gastar minha inteligência aqui, não estava com ânimo pra isso.

Miku havia me deixado algumas mensagens, dizendo se tinha alguma possibilidade de irmos ensaiar ainda naquele dia.

"Sem vocês dois, não vamos!"

Disse em uma delas. Ficava feliz de saber que se importavam com a gente, mas por nossa causa me sentiria culpada pelo resto da minha vida. Não queria nenhum dos dois lados.

"Vamos tentar"

Respondi, minha sorte era que meus pais estavam viajando, tinha duas semanas para viver minha vida e ensaiar. Me sentir livre, ao menos um pouco, ao menos tentaria. Apenas o suficiente, sem compromissos, é assim que tenho vivido.

Ignorava os milhares de cartazes de regras proibindo celulares pelo corredor e também meu caminho, sem notar o "onii-sama" da Akita parado no final do corredor. Ah, e ele é presidente do conselho estudantil, os dois conseguem tudo aqui.

— Você adora dar uma de fora da lei, não é? – intrometeu-se, puxando meu celular de minhas mãos e me assustando. – Tudo bem, você sabe que eu não faria nada para te magoar, prince...

— Devolve e vai cuidar da sua vida – cortei, mais seca e sem vida do que um deserto. Me arrependi em seguida, não gostava de responder, era pior.

— Ah, ela se faz de difícil. – O nojento levantou o celular quando tentei tomar de volta.

Aproveitei a situação e puxei sua gravata, apertando-a no pescoço do mesmo, e forcei para baixo até que soltasse meu celular. Chegou a ficar vermelho, infelizmente, ainda restava uma Rin controlada dentro de mim.

Peguei meu celular no chão enquanto Akita aparecia no mesmo corredor, fixando o olhar em Len, saindo da sala.

— Onii-sama – começou, com aquela voz melosa –, não sei o que viu nela. Achei até que gostasse de garotas mais altas e desenvolvidas.

— Ela é perfeita assim. – Ele levantou, olhando para Len e depois para a irmã.

Se ficasse, seria idiota por aguentar tudo. Se saísse dali começariam a implicar mais, até piorar a situação.

Uns dos seguidores do cachorrinho da Akita cercaram Len, um começou a bagunçar o cabelo dele, como se fossem amigos há tempos. Len, que conseguiu ser mais frio que eu, deixou-os num vácuo total e ao passar por mim sussurrou um "vamos".

Aconteciam coisas assim todos os dias, mas naquele Akira apenas sorriu de forma psicótica e segurou todo mundo.

— Eu cansei de brincar, vamos resolver isso logo.

Ouvia-a dizer por último. Fingi não ligar, só fingi. Sabia não ia ser bom.