Depois de um dia inteiro de ensaios, preparações e de mais um eufórico e lotado show para finalizar a tarde, antes que a gente percebesse, já estávamos nos arrumando para voltarmos para casa.

Gumi, Meiko e Lily imploraram para passarmos as últimas horas do hotel na piscina e usarmos o tempo que nos sobrava antes do jantar e das preparações para o dia seguinte. Tóquio é mais quente que Sapporo, nem à noite tem descanso.

Eu e Len não gostamos muito de piscina, só fomos de companhia para o resto do pessoal. Ar-condicionado por toda parte já me deixa mal, água agora iria me deixar gripada, com certeza.

Ficamos praticamente isolados do grupo até encontramos Asami nos chamando, sentada em umas das mesinhas em volta.

— Queria mesmo falar com vocês dois – disse, enquanto sentávamos também.

— Que foi? – perguntamos, uníssono.

— A Ágata me ligou, ela não conseguiu ligar para vocês dois.

Peguei meu celular, tudo certo, mas já faz um tempinho que ele só funciona quando quer. Len fez o mesmo.

— Sem bateria, o meu.

— O meu não tem funcionado direito.

— Justo agora... – Asami suspirou. – Enfim, ela está preocupada, já que não atenderam e estão falando de vocês por toda parte, de novo. Pediu pra perguntar se está tudo bem.

Não, realmente não tinha nada de errado, fora a confusão no aeroporto.

— Tudo bem – juntos, de novo.

— Nada que queiram contar? – impressão minha, ou o mundo resolveu ser mais curioso?

Como se fosse tudo perfeitamente ensaiado, e de certa forma era mesmo, já tínhamos nos preparado para não perder a calma nessas situações, mantivemos a indiferença.

— Ela que perguntou? – adicionei.

— Também – riu, um pouco constrangida. – Faço parte dos curiosos.

— Asami-chan, não está um pouco nova pra parecer a tia que pergunta dos namoradinhos? – Saki chegou e juntou-se a nós, brincando.

Ela se calou por um momento, arrependida da pergunta e frustrada porque não conseguiria uma resposta.

— Isso foi cruel, Saki – reclamou. Nós rimos, ela não. – Cruel.

Saki e Asami estudavam com nossos pais e tia na antiga escola que existia antes da Yamaha Project, no mesmo lugar. Asami era a mais nova e a mais próxima dos nossos três familiares. Tia Ágata, meu pai e Saki estavam no 1º ano e minha mãe no terceiro com Reiko, um irmão do meu pai. Asami reconheceu eu e Len quando entramos na Yamaha Project e desde então manteve contato... mas só com Ágata e nós dois. Poucas vezes pergunta dos meus pais e com certo receio.

— Vocês... não tem falado muito com seus pais, não é?

Houve uma mudança de assunto, para uma pergunta cuja resposta não era tão simples.

A parte de que tínhamos "brigado" quase todo mundo já sabia, porém, o assunto sempre morria porque eu e Len só conversamos sobre entre nós dois.

— Quem ligava era a tia Ágata, minha mãe não fez questão de falar diretamente com a gente nem uma vez desde que "saímos" – foi Len quem encontrou a resposta primeiro. – Meu pai ligou outras vezes, mas as perguntas eram as mesmas.

— Yuuto-kun nunca teve muito assunto mesmo, com ninguém – Saki riu outra vez. – Ele pode ter sido forçado a mudar, mas ainda deve ser o mes- AI! Asami!

Ela reclamou junto de um pulinho que chacoalhou a mesa, parando de falar para massagear a canela, por baixo da mesa. Asami tinha "discretamente" chutado a canela da outra.

Se pensaram que nos convenceriam, erraram.

— Pode terminar de falar, sem problemas – pedi, com um sorriso confiante e cruzando os braços. Len concordou.

— Ele ainda é o mesmo – Saki disfarçou o olhar maligno de Asami –, vocês ouviram.

— Ouvimos antes disso também – Len não deixou passar. – Por quê?

— N-não é que ele tenha sido forçado, me expressei mal – justificou. – Asami-chan, explica, vai.

Reparei que Asami estava desconfortável. Houve um momento de silêncio, até que sua expressão mudou discretamente, como se tivesse uma ideia. Uma desculpa, no caso.

— Não sei se sabem, mas Yuuto tinha um irmão mais velho, Reiko, da idade da mãe de vocês, na época.

— Já ouvimos alguma coisa, vez ou outra escapava – respondi, suspirei. Asami tinha a voz meio trêmula. – Ele tinha uma banda na escola, do antigo clube de música, e queria seguir carreira com a música, né?

— Tinha – ela sorriu, como se remoesse uma boa memória. – O pai de vocês queria o mesmo caminho do mais velho.

— Foi com ele que eu e Rin nos interessamos – Len contou, disfarçando um sorriso que já era discreto.

— Allana e Ágata também – completou.

Sabia que a conversa estava normal demais. Me ajeitei na cadeira, pareceria só uma revelação irônica do destino... se a feição dela não fosse bem mais preocupada.

— Ele arrumou um show em um tipo de clube, nada muito grande – fez uma pausa. – Era um lugar até que popular, então seria importante.

— Ele bebeu e bateu o carro – terminei.

Foi a vez dela de suspirar.

— Sua mãe ficou meio paranoica com a ideia depois, com medo. Desistiu e convenceu a irmã e o Yuuto – essa parte era inédita. – Tente entendê-la primeiro, depois, quem sabe ela entende vocês?

Mais uma vez, um curto silêncio se instalou. Len passou a mão no cabelo, nervoso. Então, minha mãe sempre teve esse poder de persuadir os outros? Ou será que alguém convenceu todo mundo e Asami pulou essa parte? Não acredito que uma certa pessoa, presente no nosso passado, seja inocente nessa história.

— Isso foi antes de nascermos, certo? – Len quebrou o silêncio, finalmente.

— Sim... – as duas responderam, sem prestar muita atenção.

— Não! – Asami "corrigiu", logo em seguida. – Acho... acho que vocês já tinham...

— Nós não nascemos aqui – interrompi, a mesma acabou confirmando. Precisava de bem mais para nos convencer. – Isso tudo aconteceu aqui, e nós nascemos em São Francisco. Voltamos pra cá só quando tínhamos oito anos.

— É... é meio óbvio, mesmo – ela desistiu. – Foi no ano em que sua mãe engravidou. Chega disso por hoje.

Concordamos. Por fora.

Cutuquei Len de leve com o cotovelo, sem deixar que notassem. Olhei para os lados, Miku e Luka conversavam nos olhando, Gumi nos chamou, impaciente. As três na piscina.

— Vão lá – Asami incentivou, voltando com o sorriso de antes. Saki evitou contato visual, mexendo o indicador de forma nervosa sobre o braço cruzado.

Len e eu nos olhamos. Em silêncio, levantamos juntos e fomos até o resto do pessoal.

— Isso não tá certo — Saki sussurrou.

Foi a última coisa que ouvi antes de nos afastarmos mais da mesa.

— Será que a tia conta se a gente perguntar?

— Acho que não – Len respondeu, revirando os olhos. – Acho que nenhum dos envolvidos vai. "Foi no ano em que sua mãe engravidou" – repetiu.

— Será que a mãe ficou paranoica por causa do acidente, o que não faz muito sentido...

— Ou pela gente? – me completou, com um ar triste.

— Saiam dessa bad! – Gumi gritou quando reparou no clima melancólico entre nós. – Ou eu jogo os dois na água!

Ela não precisou.

Ouvi um grito de susto.

Quando dei conta, Len já estava reclamando na água ainda vestido, enquanto Kaito ria sem um pingo de arrependimento. Ele tinha o puxado para dentro da piscina. Gakupo ria também e ainda jogava água nos dois. Idade mental, desconhecida.

— Tava demorando pra aprontarem – Meiko tentou acalmar, mesmo rindo como todo mundo. E não éramos os únicos ali.

— Puxa ela! – Gumi deu a brilhante ideia.

E Miku foi quem a seguiu.

Eu tinha rido de Len, disfarçadamente, mas ele também riu quando eu fui puxada, então estávamos quites.

— Tudo bem? O que aconteceu? – Luka perguntou, depois que tudo se acalmou.

— Tudo, minha tia só não conseguiu ligar pra gente mais cedo e Asami quem deu o recado.

— Sério? Vocês dois pareciam bem mais preocupados – Miku participou.

— Depois eu conto.

Acabamos ficando na água bem mais do que o planejado, quase perdemos o jantar. Saímos só quando começou uma brisa mais fresca durante a noite.

Depois Luka apareceu no nosso quarto, esperando pela explicação. Contei e depois tentei perguntar se ela sabia de mais alguma coisa, negou. Disse que se soubesse, não conseguiria esconder da gente por tanto tempo.

— Lembro de ter visto algumas fotos esquecidas na sala do clube, de quando eles tinham a sua idade, caso sirva de ajuda pra investigar alguma coisa – ela comentou.

Realmente precisava procurar, e torcer para que não tenham ido para o lixo depois de tanto tempo passando pela sala do clube de música. A Yamaha Project nem sempre foi o que é hoje. Meus pais e todos os envolvidos nos assuntos recentes estudaram lá durante esses anos.

— Devem ter guardado, com certeza – Miku apoiou. – Eles fundaram um dos únicos clubes que se adaptou até hoje, não tem motivo pra se livrar das memórias. São praticamente nossa história.

Confirmei, era até lógico. Aproveitei a ideia e já mandei uma mensagem para Len, contando a ideia.

E então, na tarde do dia seguinte, nós estávamos de volta. Tínhamos uns dois dias pra aproveitar, sem nada para fazer. Só eu teria mais tempo, ganhei uma gripe por causa de ontem. Nem por isso pude descansar, Hito não parava de mandar mensagens, querendo explicações e brigando por eu ter arrumado uma gripe.

Até que na quarta-feira fui com Miku em uma loja de conveniência que nem era longe, ela decidiu fazer o jantar e quis comprar os ingredientes. Tinha anoitecido, não estava muito quente, eu estava enjoada de ficar na cama ou no sofá a maior parte do tempo, já tinha melhorado e a caminhada curta, sem ninguém no caminho, sem chance de dar errado. Esqueci somente que a a menor situação pode ser desastrosa quando quer.

Estávamos mais perto da loja do que de casa quando eu comecei a ficar tonta. Agarrei o braço de Miku, nada de muito anormal, até que ela disse que eu estava quente. Não tínhamos andado nem três minutos e eu consegui piorar. Só nós duas, paradas na calçada, eu não soltaria o braço dela de jeito nenhum ou o chão ficaria mais próximo.

— Seu celular – pediu. – Eu nem trouxe o meu.

Tirei-o do bolso, tive de desenhar a senha umas 3 vezes por causa da tremedeira e da visão embaçada, mal conseguia segurar o celular.

— Só chama! – Miku começou a ficar histérica. – Nem deixa completar a ligação!

— Tem esse problema de vez em quando — justifiquei, ela me olhou incrédula, desesperada por nós duas. Eu já estava acostumada com essas situações. – Não estamos perto da farmácia?

Ela nem respondeu, só saiu me arrastando até o outro lado da rua e virou na primeira esquina. Geralmente só preciso ficar quieta até passar, só sugeri a farmácia por ser o local mais próximo.

Depois de uma pequena eternidade sentada nas cadeiras ao fundo, naquela situação chata onde todos perguntavam se estava tudo bem, comentavam que eu estava pálida e traziam água, vendo que eu não estava e não melhorava, achei mais fácil culpar o ar-condicionado pela minha falta de ar, ainda que dentro do controle. Mesmo assim fiquei aliviada por estar sentada ali e não sugerido voltar para casa, ainda estaria no caminho quando a sensação de corpo pesado começasse e desmaiaria lá mesmo.