Senses

Capítulo 1


Não gostava muito de sair debaixo de chuva, mas precisava chegar ao trabalho. Já havia pisado em uma poça d’água, uma moto e uma bicicleta espirraram mais água em suas roupas e o guarda-chuva tinha sido virado do avesso devido ao vento.

Com certeza seu humor não estava dos melhores. Agora só faltava perder o ônibus e junto o emprego para seu dia ficar perfeito!

Ah, claro! Já estava irônico... e logo cedo... Costumava ter um humor melhor, mas o tempo não estava colaborando.

Bufou irritado, afastando alguns fios molhados de seu cabelo rosa que grudavam na face, olhando mais uma vez para o semáforo de pedestres.

Fechado.

Olhou para a outra direção, verificando se vinha algum carro, pensando se valia a pena arriscar e correr até o outro lado da rua, mas uma figura distinta chamou sua atenção, distraindo completamente seus pensamentos.

Num pequeno sobradinho à frente, olhando para as ruas com a cabeça apoiada no vidro da janela do segundo andar, estava um rapaz parcialmente oculto pelas cortinas.

Jun não entendia como ou por que, mas aquela figura solitária o deixou nostálgico.

Nunca tinha visto o rapaz. Mesmo que a cidade não fosse tão pequena, ele conhecia muita gente, via muitas pessoas passando pela frente da loja onde trabalhava e aquele rosto era novo. Ele certamente saberia se o tivesse visto antes.

Esses pensamentos ocuparam tanto sua mente que, quando se deu conta, já havia chegado à loja de CD's e a chuva cessava aos poucos.

* * *

O dia transcorreu normalmente, assim como os outros que completaram aquela semana, com muitas pessoas visitando a loja e fazendo suas compras, mas o rapaz de cabelo rosa estava mais interessado no seu percurso de ida e volta entre o trabalho e sua casa.

Todos os dias, Jun passava pelas mesmas ruas, mas agora parava um instante a mais naquela esquina, olhando de relance para a casa, esperando ver algum movimento que nunca vinha.

Talvez aquele rapaz só estivesse esperando a chuva passar, para enfim sair de casa. Ou talvez gostasse de observar a chuva caindo. Talvez ele mesmo nunca soubesse o motivo de todas as suas dúvidas. Mas aquela figura desolada... não sabia explicar o aperto no peito e aquela vontade de vê-lo novamente.

_ Jun, tem clientes! – foi tirado de seus pensamentos por um tapa na cabeça vindo de Kisaki, seu amigo e dono da loja.

_ Ah, desculpe! – reverenciou de leve, abrindo um sorriso sem graça. Não sabia quanto tempo ficara parado, olhando para o nada – Estou um pouco distraído hoje...

_ Está distraído desde a semana passada. – constatou o ruivo, erguendo uma sobrancelha, como que pedindo uma explicação.

Kisaki era sério e fechado demais para mostrar que estava preocupado ou oferecer companhia para ouvir os problemas dos outros. Não que realmente não se importasse, só não sabia como demonstrar isso. Por outro lado, Jun era muito extrovertido, e apesar de um pouco hiperativo, sabia ter paciência para esperar algum sinal de que poderia contar com Kisaki caso precisasse mesmo conversar.

E aquele parecia ser o sinal.

_ Bom... é que eu conheci uma pessoa... – deu de ombros, como se aquilo explicasse muita coisa.

E para Kisaki realmente foi explicação suficiente. Eles podiam ter personalidades diferentes, mas se conheciam há um bom tempo e a amizade trouxera a compreensão mútua, mesmo com poucas palavras.

_ Ah, só podia! – revirou os olhos, negando com um aceno – Quem é o cara?

_ Por que tem que ser um cara? – o rapaz de cabelo rosa cruzou os braços, mas sabia que o ruivo tinha razão naquela história.

_ Porque eu nunca vi você com uma garota. – constatou o óbvio – Além do mais, eu te conheço e não tente desconversar. Quem é o cara?

_ Esse é o problema...

_ Espera... está interessado em alguém que não conhece? – encarou-o incrédulo – Você está sozinho tempo demais e isso está afetando sua cabeça!

Kisaki deu-lhe as costas e saiu para trás do balcão, ainda resmungando contra essa loucura. Mas como Jun ia explicar a situação? E não estava interessado no rapaz, estava? Talvez só um pouco curioso para saber quem era...

* * *

Normalmente, os dias na loja eram bem tranquilos. Não era o tipo de trabalho onde você morria de tédio, mas sempre tinha um tempinho de sobra pra descansar. Os CD's estando guardados nas sessões certas, as prateleiras estando limpas e se não houvesse nenhum cliente, Jun podia aproveitar esse tempo livre e se dedicar a ouvir os novos lançamentos.

Porém, era justamente na época de lançamentos que a loja fervilhava de clientes. Pessoas para todo lado, perguntando se um CD ou outro já havia chegado, pedindo para reservar o novo single de uma banda... era uma loucura!

E o movimento na loja aquela semana estava intenso. As vendas aumentaram tanto que Kisaki se viu obrigado a contratar mais uma pessoa para ajudar.

A princípio, Jun não gostou do novo rapaz. Não que julgasse pela aparência, mas ele dava medo, com aquela quantidade de piercings pelos lábios, os cabelos descoloridos e as lentes distintas uma da outra, às vezes lhe rendendo um olhar psicopata.

Porém, após os primeiros dias de trabalho, Riku se mostrara uma ótima pessoa, sendo muito atencioso com os clientes, era um bom vendedor e também muito animado. O único ‘defeito’ do loiro, na opinião de Jun, era sua diminuta altura. Sempre que precisava de algo que estava nas prateleiras mais altas, tinha que pedir para alguém pegar. E com o movimento crescente e Kisaki não podendo sair do caixa para ajudar, era possível ver Jun correndo de um lado para o outro o expediente inteiro, tentando atender seus clientes e ajudar Riku com os dele.

Chegou um momento em que foi necessário providenciar uma escada, pois o rapaz de cabelo rosa não estava conseguindo lidar com a correria.

Contudo, mesmo sendo um objeto para facilitar o trabalho de Riku, quem o estava usando naquele dia era Jun, pois Kisaki queria aquela faixa presa bem alto, praticamente no teto da loja, para chamar a atenção de todos, e o loirinho não ia conseguir esse feito, nem se estivesse usando saltos.

_ Mais pra cima, Jun! – já era a terceira vez que Kisaki pedia a mesma coisa, revirando os olhos ao ver o cuidado que o amigo fazia ao tentar subir mais um degrau – Você não vai cair, então amarra isso direito!

_ Fácil falar, não é você que está aqui em cima. – respondeu contrariado, subindo mais um degrau e tentando se equilibrar.

_ Se eu tiver que subir aí, você está demitido. – o ruivo resmungou em tom de alerta, afastando-se ao ouvir o telefone da loja tocar.

E Jun sabia que apesar de serem amigos, o mais velho não hesitaria em mandá-lo embora se não fizesse o trabalho direito. Kisaki sabia muito bem como diferenciar sua relação de amizade com a profissional.

Amarrou rapidamente a ponta da corda que segurava a faixa, verificando se estava bem presa, pois não queria ter que subir ali novamente ou levar uma bronca por não ter feito o serviço direito. Bem que Riku poderia lhe ajudar, dizendo se estava torta ou não, mas o baixinho estava ocupado demais com alguns clientes para notá-lo. Teria que descer e conferir se estava tudo certo, e realmente torcia para estar, ou teria que subir mais uma vez e arrumar a faixa.

Faltavam uns cinco degraus para alcançar o chão quando sentiu a escada escorregar levemente e, num ato impensado, soltou as mãos e pulou para o lado, acabando por cair em cima de um cliente que ocupava o aparelho de som.

O rapaz estava com os fones nos ouvidos e de olhos fechados, de modo que levou um susto enorme ao ser derrubado no chão e o estardalhaço se tornou tão grande que logo uma multidão se reuniu ao redor dos dois.

_ Me desculpe! – pediu Jun em tom desesperado, sentando-se e ajudando o rapaz a fazer o mesmo, sentindo o pulso arder pelo esforço, mas esquecendo completamente da dor ao notar em cima de quem caíra – Vo-você está bem?

Era coincidência demais ou o destino pregando uma peça das grandes! Com tantas pessoas para derrubar e machucar, tinha que cair em cima do rapaz que ocupava seus pensamentos nas últimas duas ou três semanas? E não era engano causado pelo susto! Realmente era o rapaz que vira na janela no dia da chuva!

Ia pedir desculpas novamente e perguntar se o rapaz estava bem, quando Kisaki o puxou pelo ombro, afastando-o da multidão, enquanto outro rapaz desconhecido ajudava o loiro a levantar-se também.

_ O que você pensa que estava fazendo, Jun? – o ruivo parecia fora de si, empurrando-o até o balcão – Por que pulou da escada?

_ Ela estava escorregando. Achei que fosse cair!

_ Antes cair do que sair derrubando os clientes! – rosnou entre dentes, de modo que só o rapaz a sua frente pudesse ouvir – Olha a bagunça que fez!

_ Não foi minha intenção... – resmungou contrariado, sentindo o pulso latejar novamente – Vou lá pedir desculpas.

_ Você fica aqui. – Kisaki apontou para o balcão, sem dar margem para contestações – Vou ver como o rapaz está e antes de ir embora nós dois vamos conversar melhor.

Jun apenas acenou em concordância, vendo o amigo e chefe se afastar em direção ao grupo.

Se tivesse ficado lá só mais um minutinho, podia ter perguntado seu nome e até conversado um pouco. Queria saber se ele estava bem ou se tinha machucado...

Sem contar que o rapaz era bem mais bonito do que imaginava. Não tivera essa noção ao vê-lo de longe.

Com certeza ia ficar mais perdido em pensamentos do que já andava. Relembrando o susto e a proximidade em que estiveram...

E pra piorar, não sabia se o veria novamente. Mesmo em caso afirmativo, as chances do loiro não querer conversar depois desse desastre eram grandes e Jun teria que entender.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.