Estranhando o silêncio absoluto na residência, Shouyou levantou-se, abandonando o livro no qual antes estava absorto sobre o tapete em que se sentava, no corredor externo de seu quarto. Adentrando a casa, caminhou pelos corredores internos, a procura de três cabeças conhecidas, mas não encontrou sequer uma delas. Estranhando o sumiço de seus discípulos, buscou-os em cada cômodo, mas não teve sucesso.

Eles não tinham o costume de simplesmente sumir sem avisarem, com exceção de Gintoki, que constantemente fugia para matar aula ou não cumprir suas tarefas; aquele era um domingo, contudo, e eles estavam livres para fazer o que quisessem. Takasugi e Katsura, por outro lado, sempre avisavam se fossem sair, e não foi o que fizeram daquela vez.

Constatando por fim que eles não estavam na propriedade, perguntou-se se deveria sair para procurá-los, e no fim acabou-se por decidir que era o melhor a se fazer, antes que arranjassem alguma de suas encrencas no povoado. Além disso, já estava escurecendo.

Após procurá-los por todo o lugar e não encontrá-los, porém, começou a ficar verdadeiramente preocupado. Eles não podiam ter simplesmente desaparecido. Nenhum dos moradores locais haviam os visto naquele dia e não tinha sinal de qualquer um deles por lá. Pensando em todas as hipóteses possíveis, sentiu o peito se apertar aos poucos, buscando em sua mente todos os lugares em que poderiam estar. Resolveu por fim voltar para casa, na esperança de que talvez tivessem voltado enquanto estava fora. Caso não tivessem, teria que pegar uma lanterna e procurar por eles no bosque adiante.

Assim que alcançou a brecha entre as cercas vivas que separava o terreno da residência da estrada de chão, porém, sentiu um alívio sem tamanho invadir seu interior. Tinha a certeza de ver uma cabeleira roxeada correndo nos corredores da casa, confirmando assim que pelo menos um deles estava de volta.

Com a intenção de repreendê-los por terem sumido sem avisar, Shouyou adentrou a propriedade, logo alcançando a porta da frente, que dava para a sala. Caminhou mais um pouco e seguiu em direção à cozinha, de onde ouvia louças e talheres se batendo. Ficou curioso, e parou pra pensar melhor sobre o dia corrido.

Desde a manhã eles estavam se comportando de maneira estranha. Encontrara-os diversas vezes com as cabeças reunidas enquanto cochichavam, aparentemente planejando algo que ele desconhecia, mas duvidava ser boa coisa. Não ouvira xingamentos hediondos lançados um ao outro em nenhum momento e não os vira sair para os jardins também. Aquilo estava cheirando a traquinagem, e seja lá o que eles estivessem aprontando, iriam receber uma punição a altura, sem dúvidas.

Ou ao menos era o que ele obrigava-se a dizer toda vez que aquilo acontecia. No final das contas ele nunca passava do rotineiro cascudo. Sabia que aquilo causava dor o suficiente para se comportarem nas próximas horas, mas não ia a nada além disso.

Sorriu consigo mesmo. Ele realmente mimava demais aqueles três.

Quando finalmente chegou à porta da cozinha, abriu-a de supetão, fazendo os três garotos se assustarem. O susto deles, entretanto, não chegava perto da surpresa que ele sentia.

Havia farinha de trigo para todo lado, inclusive espalhada pela cabeça dos três; Takasugi estava estacalado com as mãos à altura da cintura, mostrando que provavelmente segurava algo nelas antes; Katsura se encontrava caído no chão, com uma tigela não muito longe dele, emborcada na madeira suja por gemas e claras; Gintoki estava de pé em frente ao balcão no meio do cômodo, tinha um batedor de ovos nas mãos e a expressão de quem havia acabado de ser pego no flagra.

Não levou mais que alguns segundos para ele entender a cena, com uma vontade de rir crescendo em seu interior. Aparentemente, com o susto, Shinsuke deixou cair os ovos no chão, nos quais Kotarou escorregou e caiu, fazendo com que a tigela cheia de trigo espalhasse o cereal por toda parte.

— O que estão fazendo? — finalmente perguntou, tentando não rir, mas não conseguindo disfarçar a vontade.

— Eu disse que não daria mais tempo! — Gintoki, no entanto, ralhou com os outros dois, ignorando a pergunta do professor.

— Não custava tentar — respondeu Katsura dando de ombros ao levantar-se, aparentemente desanimado.

— Você é que é lerdo demais! — reclamou por fim, Takasugi, direcionado ao albino.

Uma veia saltou na testa desse.

— Você acha que um bolo é feito num passe de mágica, seu desgraçado?! — gritou com exagero, irritado.

— Eu teria terminado se estivesse no seu lugar!

— Você teria posto fogo na casa se tentasse cozinhar qualquer coisa! — irritou-se mais ainda. — E foi tudo culpa sua, seu emo de merda!!

Takasugi estava prestes a retrucar e xingar de volta o companheiro, mas parou a meio caminho assim que ouviu a risada alta de Shouyou.

— Vocês estão uma graça! — não se conteve após observá-los fofamente sujos e irritados.

Os três olharam em direção ao mais velho, Gintoki sentindo mais algumas veias saltarem.

— Não fique aí rindo, seu maldito! Não era pra ter sido assim. — Jogou-se no chão, sentando-se e cruzando os braços ao inflar as bochechas.

Shouyou riu mais um pouco, encantando com a fofura de seu discípulo mais velho e aproximou-se.

— Então pretendiam realmente fazer um bolo? — questionou curioso, pegando a tigela no chão.

— Sim... — Kotarou fora quem respondera. — Na verdade, a gente já tinha feito um, mas...

— Mas esse paspalho nos fez o favor de derrubá-lo e estragar minha obra-prima! — completou Gintoki, apontando para Takasugi.

— A culpa foi sua em deixar ele na beira da mesa daquele jeito! — devolveu o outro.

— Hai, hai — o sensei chamou a atenção, tranquilamente. — Já chega vocês dois. Mas... mais importante, se queriam um bolo era só me pedir para fazer um, que eu faria com prazer. — Sorriu afável, fechando os olhos ao seu modo, espanando um pouco do trigo sobre a cabeça de Shinsuke.

— Nós queríamos fazer... para você — o de cabelos compridos mais uma vez fora quem explicara, surpreendendo o mais velho.

— É seu aniversário, não é? — Gintoki desfez a confusão na expressão do professor, ainda rabugento.

E então um “o” abriu-se em seus lábios, finalmente compreendendo a situação. Fazia tantos séculos que aquela data se repetia, que ele sequer dava-se ao trabalho de lembrar-se dela mais. Pôs-se a pensar por um momento, Takasugi e Katsura haviam entrado para a Shouka Sonjuku há poucos meses e jamais comentara com eles sobre a data. Sendo assim, era óbvio constatar que fora Gintoki quem propusera fazerem um bolo como seu presente de aniversário.

Encarou o pequeno por um instante. Ele tentava abanar a sujeira de sua roupa e sua pele, com a mesma expressão mal-humorada de antes, provavelmente frustrado por não ter conseguido concluir suas ideias.

Sorriu novamente. Um sorriso repleto de ternura; ternura essa que aquecia seu coração de uma maneira inexplicável.

Pegando-os de surpresa, puxou os três para si, abraçando-os com tudo o que sentia naquele momento: amor, felicidade e gratidão. Gratidão por aqueles três pequenos seres humanos fazerem parte de sua vida, por dar sentido a todos aqueles séculos infindos que já vivera. Não tinha dúvida alguma em afirmar com toda a certeza que aqueles três pequenos guerreiros era o que ele mais amava, o que ele tinha de mais precioso.

Apertou-os mais contra seu peito, que explodia de variados sentimentos agradáveis.

— Vocês já são meus melhores presentes... meus pequenos samurais — declarou ainda sorrindo, fazendo as bochechas fofas dos três corarem contra seu kimono.

Mesmo que os planos não tenham saído exatamente como queriam, tudo o que puderam fazer fora responder com a frase que tinham preparado para falar com um bolo grande e decorado em mãos. Ainda assim, com tudo dando errado, desejaram com os corações aquecidos:

— Feliz aniversário, sensei...

E a bronca que pretendia dar? Bem, ela fora deixada para trás, como acontecia na maioria das vezes.

Sim, ele, de fato, precisava aprender a ser mais rigoroso.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.