Sempre ao Seu Lado

↠ .Cole. ↞

Fechei a porta do meu carro sentindo meu crânio latejar pelo tanto de pensamentos ininterruptos que zig-zagueavam pelo meu cérebro. Calculei meus passos para dar a impressão de que estava caminhando despreocupadamente na direção do acesso portuário enquanto lia os relatórios de entrada náutica sob meu direcionamento, após ter deixado Renesmee a frente da casa da minha mãe, não dando oportunidade de me prender lá. Apesar dela se comportar como uma jovem, Nessie tinha idade o suficiente para agir da maneira mais sábia possível e eu queria evitar qualquer questão que me fizessem ‘perder as estribeiras’ dos meus próprios pensamentos novamente e consequentemente chateá-la; não apenas ela, mas a minha mãe também, então fui sucinto em despachá-la do meu carro para que não fizesse ou falasse alguma merda. Eu ainda precisava me manter são e estável para trabalhar e Renesmee não é conhecida como uma mulher desconhecedora de limites, foi por isso que ela não forçou a barra em tentar saber em primeira mão os meus conflitos internos que pensei ter disfarçado tão bem.

O horário em que eu estava indo para o porto estava fora do padrão consuetudinário; a maneira furtiva dos olhares de Emma e Samuel e o comentário discreto entre eles na guarita de identificação veicular era o fato sobre isso, mas a minha presença ali era necessária; ainda havia algumas pendências com a regência de Forks para liberarem os documentos necessários para as vendas marítimas que estavam me deixando impaciente com toda a enrolação. Para uma cidade pequena, a gerência parecia estar afundada em serviços disfuncionais.

Passei pela segurança ostensiva da guarda portuária, não era porque eu executava toda a rotatividade de barcos e pesca que a maneira protocolada da fiscalização deveria proceder de forma relaxada, acontecia de modo minucioso e em poucos minutos eu já pude estar bem abrigado na sala de monitoramento operacional analisando os dados das principais vias de atracação e desatracação nos berços e o tipo de movimentação dos produtos. Examinei detalhadamente cada situação coletada a frente dos monitores enquanto esperava pela presença de Carl mantendo meus pensamentos otimistas a respeito do percurso que ele estava fazendo pela primeira vez até aqui; ele não era tão desbocado como Mark, mas ainda assim era como a maioria dos homens, grosseiro e inconveniente. Não precisei esperar por mais de uma hora para que ele fosse trazido até à sala.

— Eu nunca mais pisaria meus pés neste lugar, se ele não fosse tão fodidamente lucrativo! — ele comentou quando fez um breve comentário sobre o quão lento foi seu trajeto até chegar a Forks; com a chuva que havia caído algum tempo antes, ele teve que seguir prudentemente às normas do trânsito rodoviário.

Discutimos com calma sobre o vínculo ininterrupto dos rendimentos das pescas dos últimos meses, as inspeções navais realizadas e o satisfatório rendimento que alcançamos. Relatórios foram compartilhados de maneira limpa e objetiva; não havia desvios entre os assuntos para piadinhas escrotas ou alguma ocasião empata foda, Carl era profissional e era disso que eu precisava para não me estressar mais do que o habitual dos últimos meses. Tudo estava indo de acordo com todas as idealizações declaradas a anos atrás, tudo estava bem no meu espaço profissional, mas não estava sendo o suficiente, ainda assim meus pensamentos eram atraídos para as discussões passadas e pessoais.

A maneira em que Renesmee conseguiu perceber que eu estava inquieto a respeito da mulher me desarmou totalmente, a criatura tinha um dom de ler nas entrelinhas que não me agradava nem um pouco. Não que eu tenha ficado zangado com sua intromissão, eu agradeceria, se isso não tivesse me feito agir defensivamente em entender que todo o desassossego da minha mente estava vinculado a presença dessa mulher. Mulher essa que estava grávida de um sanguessuga filho da puta que estupra humanas, que tem uma filha pequena, uma família e que agora tem um nome...

— Amberli... — sussurrei ouvindo o som baixo da entonação em minha voz. Apreciei o nome por alguns milésimos antes que o baixo som de concordância saísse dos lábios de Carl de maneira automática por ter pensado que eu havia concordado com sua linha de raciocínio exata.

— ... Até porque investimos muito naquela cabina, os sensores atuam conforme o previsto. — ele comentou debruçado sobre toda a papelada.

— Mark já havia realizado a emissão das licenças? — me obriguei a prestar a atenção e olhei os dados mapeados por cima dos seus ombros.

— Sim, foi competente em recapitular tudo antes de enviar para os agentes da autoridade ambiental. — assentiu abrindo um dos ficheiros e me entregando.

— Eles não costumam tardar nas respostas, o que é bom. Assim os agentes responsáveis por Forks não terão muitas alternativas além de colaborarem. — retirei umas das cópias da licença do ficheiro que Carl havia apresentado.

— Finalmente!... — esfregou suas mãos em contentamento e continuamos a organizar o mapeamento e distribuição semanal entre as indústrias pesqueiras.

Tínhamos metas milionárias a bater e estratégias o suficiente para ocupar as prioridades dos meus pensamentos. Precisava me focar em uma coisa de cada vez, a obsessão do lobo por mais a respeito dela poderia aguardar. Tive vontade de rir. Não poderia tratar a situação como se fosse a primeira vez e mal soubesse com quem estava lidando, era uma relação nova, recém adquirida, mas que já estava entrelaçada a mim há muitos anos. Forcei meus olhos a analisar o mapeamento e continuei focado no trabalho.

↣ ↢

↣ [... horas depois] ↢

↣ ↢

Conduzia meu carro pelas ruas que me levariam ao meu último compromisso do dia me sentindo à vontade para pensar e repensar no que eu quisesse. Suspirei enfadado, contendo o desejo de apertar meus dedos contra o volante me lembrando de que eu não me sentia tão confortável assim com meus pensamentos...

A poucos dias atrás eu estive na companhia de Embry durante uma mudança flexível do meu turno e estávamos incumbidos de nos apresentarmos devidamente no território dos Cullen para que pudéssemos conversar com o doutor. Não faríamos nenhuma intimação, ou qualquer ignorância parecida, mas a mando de Jake estaríamos ali apenas para poder acalmar os ânimos curiosos dos demais quileutes da matilha. Não era surpresa alguma para mim de que alguns desmiolados haviam aparecido nas terras deles para acharem o que não foi perdido e pior, sem nenhuma permissão do Alfa, sorte a minha que meu turno aconteceu horas mais tarde, me livrando de uma repreensão desnecessária aos meus pensamentos.

Porém isso não fazia com que meu lobo ficasse menos desassossegado com a situação. Estava ansioso, parecia fazer questão de minar meus pensamentos com suposições sem fundamentos apenas para tentar me instigar a uma curiosidade infundada que tramava me fazer agir por impulso, um comportamento que eu nunca aprovei. Mas isso não me livrou de quase cair na tentação quando me obriguei a ficar o mais distante o possível de Embry, mesmo estando tão próximo da mansão dos Cullen, deixei que ele lidasse com a loira mal-humorada que o interceptou na entrada e não aceitei a acusação do lobo de que eu estava o abandonando.

Ainda assim, continuei evitando qualquer informação que incitasse a constante ânsia em saber a respeito dessa Amberli, de saber como era seu rosto, ouvir de seus lábios suas motivações. Foi mais árduo evitar tudo isso quando Embry retornou como um lobo todo satisfeito pelo banquete que a senhora Cullen havia preparado naquela manhã, me apresentando a verdadeira fisionomia da mulher protegida pelos vampiros. Era muito bonita. Embry fez questão de gravar cada detalhe dela minuciosamente para que pudéssemos curiar a vontade. Ela estava sentada no sofá da sala, protegendo a pequena filha dos olhinhos curiosos em seus braços cobertos por um moletom verde escuro, desconfiada da presença dele ali e mesmo que desconfiada, não foi capaz de ser hostil com ele, ao contrário da loira que parecia ser sua amiga. Mas a aversão da suposta Hale já não surpreendia ninguém, o que me surpreendeu foi a maneira amistosa em que Amberli se preocupou com ela, como se Embry pudesse mesmo tê-la ofendido.

O mundo não seria o mesmo se isso acontecesse.

Por um momento, senti uma puta inveja de Embry que parecia torcer minhas entranhas amargamente. Inveja do que ele se proporcionou a realizar, a maneira de como não se importou de estar cercado por vampiros para que pudesse analisar de perto a presença da moça que havia se tornado o centro das conversas cismadas entre a alcateia, até um pensamento mal-humorado e estranho do lobo passou pela minha cabeça de que eu havia perdido uma grande oportunidade de poder vê-la e admirar seus olhos castanhos com meus próprios olhos, de sentir seu cheiro sem todos aqueles componentes químicos do hospital poluindo meu olfato; a fragrância que exalava dela através do vislumbre compartilhado por Embry sequer se comparava com o teor que eu fui capaz de sentir naquele ambiente poluído. Meus pelos se eriçaram em descontentamento. Não era só aquilo! Havia mais, não era um cheiro qualquer entre um e outro como ele sentiu, havia algo de especial, tinha algo mais rico, denso. Era mais que aquilo!, meu lobo renhiu. Nosso estado de espírito ficou tão endiabrado com a constatação mal lavada de Embry, que ele fez questão de evitar-me nas últimas horas do seu turno, arrependido de ter nos mostrado; chateados com nossa reação. Ele apenas contava que eu estivesse mais sociável no trabalho.

Mas o que ele não havia percebido era que eu estava tão confuso quanto ele, o azedume enervante dessa vez era totalmente culpa do lobo!

Eu comprovei a mim mesmo, quando a noite não resisti à necessidade irresistível em me transformar e olhá-la de longe, o lobo nunca esteve tão perto da mansão Cullen pouco me fodendo para o que qualquer um deles achariam em me ver camuflado pela vegetação húmida na escuridão da noite, ainda mais para ver com afinco a jovem mãe deitar a bebê no berço, cobri-la com cuidado, mantendo meus braços dentro do móvel para que suas mãos fizessem carinho na criança adormecida. Passando alguns minutos assim, ela se moveu, distanciando-se do berço passando suas mãos pelos braços quando tremelicou pelo frio. Através do movimento do seu corpo pude perceber a característica barriga de gravida se evidenciando nos tecidos que a cobriam. Em passos calmos ela caminhou na direção dos vidros blindados que ainda permaneciam abertos, puxando as alavancas que os faziam deslizar e serem fechados sem empecilho algum e ali ela ficou; parada analisando com a pouca visibilidade que possui as árvores mais próximas do seu quarto como se estivesse fazendo isso pela primeira vez. Sua atenção ia de um ponto a outro, ora tentava ver as copas das árvores mais próxima, ora tentava ver o declive que separava o terreno assentado ao redor da propriedade até que seus olhos pesaram de tédio e não tardou para que seu nariz começasse a se franzir involuntariamente num reflexo instintivo. O canto de seus olhos se franzi que antes que ela pudesse espirrar, suas mãos se apressaram para tapar suas vias respiratórias a tempo. O som foi tão sutil e suave que achei engraçado, e a maneira que ela se encolheu temerosa e olhou cautelosamente para a direção do local em que a bebê dormia, me fez latir uma risada, achando sua reação cômica. Me segurei no mesmo segundo quando o som chegou até aos seus ouvidos, seus olhos arregalados passaram a analisar o ambiente externo com atenção, mantive meu corpo imóvel para não fazer nenhum barulho mais abrupto para que ela não ficasse desconfiada de que algo pudesse estar embrenhado por aqui. Quando ela se convenceu de que não deveria haver nada tão alarmante, seus ombros se ergueram em indiferença ao acontecido e ela se afastou da extensão do vidro entrando num cômodo anexo, que deveria ser o banheiro. Continuei com o meu corpo escondido entre o mato da floresta aguardando entusiasmado seu retorno enquanto ouvia perfeitamente ela escovar os dentes e fazer xixi, caminhar até um pouco mais distante até que ela retornou com roupas diferentes, possivelmente era seu pijama. Bem tranquila ela se aproximou da cama queen, fastou a maioria dos travesseiros dispostos ali, levantou a ponta do cobertor grosso acomodando o corpo sobre o colchão e deitou satisfeita roçando suavemente a ponta do seu nariz sobre o tecido felpudo. Continuei embasbacado ali, na mesma posição até ter a certeza de que Amberli estivesse dormindo. E quando eu tive ciência dos chiados coléricos da loira direcionados a mim, eu pude discernir nossas ações até ali. Num salto eu me pus sobre minhas patas e parti do território legal dos Cullen o mais veloz que minhas patas garantiam.

Após esse ocorrido, eu me esforcei em camuflar qualquer reação que eu ou o lobo tivéssemos em menção a sua pessoa, engolindo sapo atrás de sapo, evitando de pensar ou opinar até mesmo no menor trisco que surgisse. Era um porre controlar meus pensamentos a todo o momento, pois eu não me sentia livre nem mesmo comigo, embora eu considerasse a situação um bom método para uma paz estranha e absurda. O que não durou por muito tempo, quando Nessie fez questão de jogar na minha cara por mais de uma vez que meu esforço sequer a impediu de observar nas entrelinhas o que eu estava sentindo com toda essa situação. A garota tem uma mania irritante de observar aquilo que ninguém, nem mesmo eu, deveria ver; e ela me contou isso como se estivesse escrito no meu rosto, como se fosse a coisa mais óbvia e simples do mundo. Fiquei mais irritado comigo mesmo por precisar da constatação dela para entender que eu estava mesmo com medo. Temendo pela vida de uma desconhecida e todo o sensacionalismo que esteve envolvendo sua aparição desde então. Meus pensamentos se transtornam dolorosamente no menor indício dessa questão irromper pelo meu cérebro, a melhor solução era escondê-los de mim mesmo novamente.

Manobrei o carro na direção do meio-fio da rua pobremente pavimentada e estacionei. Desliguei o carro e respirei fundo várias vezes até tomar a iniciativa de sair do veículo.

— Puta que pariu, isso é tão... Irritante! — resmunguei controlando meu palavreado ao fechar a porta do meu carro, acionando a trava e o alarme de segurança e caminhei na direção da varanda da casa da minha mãe, que me esperava — Oi mamãe, boa noite. — a cumprimentei curvando meu corpo para abraçá-la.

— Oi meu filho. — pareceu me abraçar o mais apertado que conseguia — Nossa Cole, dá para perceber sua irritação de longe. — reclamou quando nossos corpos se afastaram. Mantive meus braços em contato com seu corpo — Olha só essas sobrancelhas duras e esse rosto mal-humorado, parece que quer socar a cara de alguém. — fez uma careta descontente.

— Vontade é o que não me falta. — resmunguei por baixo da respiração conduzindo-nos para a porta de entrada. Seus olhos brandos me analisaram e logo ficou preocupada — Vamos entrar mãe, tenho muito o que te contar.

— Não pense que não vi seus lábios pronunciando um palavrão. — me repreendeu — Você sabe que não gosto desse tipo de palavreado... O que está te perturbando meu filho? — inquiriu temerosa após um suspiro. Seus olhos escuros me interceptaram. Mantive meus olhos sobre os seus tentando premeditar alguma coisa, mas nada parecia o suficiente. Suas mãos morninhas tocaram as laterais do meu rosto e com aquele olhar que só ela tem, me analisou minuciosamente — Vamos jantar Bee-Bee; amansar nosso espírito e aí conversaremos tudo o que você quiser. — decidiu. Levei alguns segundos para anuir a cabeça. Suas mãos só se afastaram quando convicta de que seguiríamos seu direcionamento.

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— Não é tão difícil de entender as circunstancias dela em procurar o doutor para salvá-la, meu filho. — suas mãos carinhosas descansaram sobre as minhas em cima da mesa de jantar, quando finalmente arrumei coragem para tentar contar os mínimos detalhes dos aborrecimentos que estive passando — Você conhece o ditado de que a fé vence o medo, e o medo consegue ruir até os mínimos sonhos de alguém. Não permita que seu medo venha estagnar sua vida, em nenhuma situação, seja ela qual for. Tenha fé de que isso possa te fortalecer de alguma maneira, tente ser mais otimista, ou apenas se convença de que pode se tornar um. — aconselhou — Bom, deixe-me molhar as palavras. — sorriu afastando suas mãos das minhas para envolver sua xícara enorme e tomar os últimos goles do chá que já não estava tão fumegante, mas que ainda exalava uma essência calmante — Vamos Bee-Bee, estou aqui para te ouvir. — descansou a xícara sobre a mesa novamente e olhou-me daquela forma que só ela conseguia fazer.

Analisei sua postura confiante e conhecedora a minha frente, seu cabelo estava solto emoldurando o belo rosto contrastando devidamente entre o marrom de sua pele e o negro dos fios, em seus pulsos estavam pulseiras artesanais, duas em cada um; uma daquelas quatro eu havia feito para ela de aniversário há anos atrás e as demais foram ela e meu pai. O vestido de estampa tribal era o complemento perfeito, tinha certeza de que era uma das obras têxteis do centro comunitário da reserva. A maneira como aguardou os segundos seguintes, deu-me ânimo o suficiente para tragar o máximo de ar que eu consegui para dentro dos pulmões e soltá-lo por entre os lábios para monologar tudo o que estive evitando de falar a qualquer pessoa.

— Mãe, eu preferiria falar sobre qualquer outro assunto... — comecei desanimado — ...Sobre a indústria pesqueira, os dados desenvolvedores e estatísticos, que eu sei que você estaria disposta a me ouvir, mesmo não entendendo nada dessas coisas, mas eu também preciso falar sobre isso. — engoli em seco, consciente do seu olhar de mãe me analisando. Continuei acuado sobre o assento, sentindo as palavras sumirem do meu cérebro.

— Filho... — suas mãos tornaram a afagar as minhas — Sei que possa estar com medo, mas tem que acreditar que tudo dará certo na vida dessa mulher.

— Eu não estou com medo mãe, você sabe que eu não me envolvo nas decisões alheias e não vai ser agora que me envolverei. É só que, desde o dia em que eu fui na última consulta falsa com o doutor eu estou assim... — comentei hesitante — A filha dela estava chorando em um dos corredores infinitos daquele lugar e eu senti que deveria ir até lá. Eu fui lá. — engoli em seco sentindo a palma das minhas mãos pinicarem. Esfreguei-as sobre o jeans da calça para aliviar a sensação — Ela estava consolando a menina, mãe, do mesmo jeito que você fazia quando eu era criança. — sorrimos brevemente — O cheiro dela é diferente... — procurei palavras para conseguir explicar — Eu fiquei irado por não conseguir identificar a intensidade pelo tanto de coisas que poluem o ar num ambiente hospitalar, mas eu sei que o cheiro dela... É intenso, atrativo... — concluí franzindo minhas sobrancelhas pelo modo lascivo que a palavra significou. Minha mãe moveu a cabeça indicando que entendeu o contexto — E você sabe que essa curiosidade não vem apenas de mim mesmo.

— Isso vem daquilo que te completa, sua existência inteira filho. Vocês são um, apenas não conseguiu entender isso pela cabeça dura que possui quando sua humanidade cética te conduz. — comentou paciente.

— Eu não posso... — tentei insistir, mas a maneira como ela me assemelhou à um “cabeça dura” me chamou a atenção — O que você e Renesmee ficaram fazendo aqui?

— Nada de mais, filho. — sua expressão facial demonstrou pouco caso — Preste bem a atenção no que vou te falar agora. — olhou-me bem — Relaxe na cadeira e estenda a palma de suas mãos nas minhas. — instruiu — Vamos fazer uma oração, você precisa entender mais sobre a bênção quileute que corre em seu sangue — pontuou.

— Mãe... — tentei não a desrespeitar, tencionando os músculos faciais para não rir. Quando estava seguro da minha expressão, falei novamente — Não precisamos de oração...

— “Orai sem sessar”! — frisou — Que tipo de educação eu dei a você? Eu estou orando o tempo todo Cole, o espírito de Deus e nossos espíritos guerreiros não marcam horários para visitar mais não! Humpf! — me repreendeu.

— Sem estresse, — estendi a palma das minhas mãos sobre as dela — vamos orar. — concedi.

— Sim, você está precisando de algumas ajudinhas viu meu filho, — ela falou rápido — da última vez, eu intercedi ao seu favor e os espíritos guerreiros ajudaram a te alinhar com o seu lobo da maneira deles, agora percebo que eles estão apressando alguma coisa para a sua vida.

— Algo a ver com aquela missão de vida? — perguntei inclinando meu rosto para baixo tentando ver se ela estava com as benditas botas de tricô. Por algum equívoco, não estava.

— Feche seus olhos. — mandou. Os fechei no mesmo momento — Tente sintonizar com seu lobo aqui mesmo. Mas sem que esteja como um aqui dentro de casa. — aconselhou — Vamos lá, vamos lá... — cochichou. Pareceu falar sozinha. Não resisti em deixar meus lábios se moverem num sorriso fechado achando bonito a forma de como minha mãe se mantinha tão conectada com nossas crenças. Ouvi seu coração aumentar seu ritmo cardíaco em três a quatro batimentos e seu corpo puxar uma boa quantidade de oxigênio para dentro de si antes que voltasse a falar comigo — Eu vou te direcionar aos poucos, com cuidado e quando for preciso, você tem que falar comigo. Podemos começar? — quis saber.

— Podemos. — concordei sentindo a textura morninha de suas mãos embaixo das minhas.

Ela demorou mais algum tempo para iniciar o que ela pretendia. O ritmo cardíaco continuava alternando entre três a cinco batimentos à mais, indicando que ela estava ansiosa, ou que estava orando em pensamento para que eu não soubesse o que ela estava falando entre suas conexões espirituais. Aguardei o tempo que ela precisou para iniciar isso, seja o que for.

— Relaxe suas mãos nas minhas. — começou com a voz calma, me instruindo — Relaxe todo o seu corpo, da melhor maneira possível. — mexi meu corpo sobre a cadeira tentando fazer o que ela pedia. Com a paciência que eu sei que minha mãe tem, ela aguardou — Conseguiu?

— Sim. — respondi com a respiração tranquila ouvindo nossos corações baterem diferentes.

— Procure de um jeito lúcido pelo vínculo entre vocês, permita-se. Tente... Hã..., se abraçar a isso. — sua voz soou calma.

Me esforcei a elaborar a melhor maneira de reproduzir tudo isso que ela me falou para fazer dentro de mim, segui pela maneira mais fácil que é permitir a transformação e mantive o ponto entre a lucidez humana e a temperatura fervente que o corpo adquiria por estar tão perto entre um corpo e outro. De uma forma surpreendente o lobo estava ansioso, agitado pelo que estávamos fazendo ali, se ele pudesse se repartir comigo, tenho a certeza de que estaria ao lado da minha mãe abanando seu rabo peludo de um lado para o outro com os olhos atentos e expectante. Eu podia sentir isso como se fosse uma segunda camada de mim mesmo.

— Conseguiu? — a voz da minha mãe soou ainda mais clara nos meus ouvidos.

— Sim. — respondi baixo, tentando me acostumar com essa dupla sensibilidade adicional, já estava acostumado com a facilidade em ouvir a boas distancias, mas dessa vez parecia que eu podia separar os timbres que compunham sua voz!

— Isso é bom. — consegui perceber que ela estava sorrindo ao falar — Tudo bem... — continuou soando mais centrada — Como seu lobo está se sentindo? Estão em harmonia?

Analisei suas palavras me atentando a maneira em que estávamos nos recepcionando. Não havia nenhum vínculo mais íntimo entre nós, mas estávamos certos de que não existia mais a possibilidade de sermos hostis um com o outro, pois somos inteiramente um; não há um Cole completo sem que o lobo não esteja incluído e não há um lobo sem que o Cole faça parte da sua existência e isso foi como ouvir os dedos da minha mãe estralando na frente do meu rosto, agora fazia todo o sentido o que ela havia esclarecido a minutos atrás.

— Como você sabe mais sobre meu lobo do que eu? — não resisti em perguntar.

— Seu pai e eu tínhamos uma ótima maneira de incluir o lobo entre nós, sem que ele estivesse sobre as quatro patas para isso. — soltou um leve riso, o som parecia nostálgico — E eu sempre estive ligada aos espíritos. Foi assim que eu soube que seu pai havia tido um imprinting por mim, mas você já sabe disso. Estamos aqui para focar em vocês! — tornou a se concentrar. O lobo ficou mais satisfeito pela forma em que ela o incluiu — Como está a harmonia entre vocês? — tornou a perguntar.

— Está... — me senti confuso em relatar isso para ela — Mãe, como você consegue chegar a esse nível?

— Eu apenas consigo Bee-Bee, os espíritos me ajudam da maneira deles e essa foi uma das formas. Agora pare de desviar o assunto e me responda logo! — dessa vez não foi tão paciente.

—Eu não sei bem. — não demorei para respondê-la — Não estamos à mil maravilhas, mas não nos odiamos. Somos, colegas? — comentei um pouco vago, indeciso com minhas próprias palavras. Experimentei adentrar mais na atividade do vínculo sentindo o lobo se aproximar mais da minha persona espiritual naquele espaço indefinido, ele estava contente com nossa aproximação — Ele está feliz por você estar fazendo isso. — tive que comunicar à minha mãe.

— Isso?! — ela não pareceu entender. Suas mãos abaixo das minhas se mexeram, mas não saiu da posição.

— Isso que estamos fazendo. — esclareci.

— Que bom. Tente se aproximar mais do seu vínculo, filho. — incentivou — Digo isso da forma em que você consegue sentir seu complemento, não queremos nenhum lobo na sala de jantar. — tornou a relembrar — Desenvolva mais afinidade, mostre que são um e que isso é importante para a sobrevivência de ambos...

— Pegue um papel e a caneta, por favor! — brinquei por quase me perder entre suas sugestões por estar tão curioso sobre isso que estava acontecendo.

— Bobo! — percebi que sorria novamente — Apenas tente, eu vou te auxiliando desse lado. Eu sinto que estou mais próxima dos espíritos guerreiros de uma forma que a muito tempo não estive... — ela murmurou deslumbrada.

Me esforcei para entender a maneira que eu deveria executar isso, ela diz como se fosse a coisa mais fácil do mundo, caminhar até um lugar determinado, desenvolver um relacionamento mais amigável, trocarmos apertos de mãos e tudo bem sucedido.

Não foi tão simples quanto eu queria que fosse, porém quando percebi ter alcançado algo propenso a isso, foi como mergulhar num rio tranquilo, mas sem a água. Há uma força corpórea ali que nos regeu através dos anseios inatos, penetrando em zonas imensuráveis deixando-nos deslumbrados com a maneira mágica e espiritual em que eu e meu lobo alcançamos sob orientações da minha mãe em segundo plano. O vínculo estava atado na base primordial de nossos seres, corria forte entre as propriedades do nosso sangue como se fosse mais um essencial por ali, de modo que seria impossível de sobrevivermos se ele fosse extinguido. Pensar nessa hipótese abalou nosso interior de tal forma, que repreendi meu próprio pensamento como se fosse uma blasfêmia. Foi possível sentir o peso da glória ancestral traçado em cada corpúsculo que nos mantinham vivos. O lobo parecia habituado com aquela parte apesar do encanto, e não duvido que estivesse mesmo consciente da vivacidade que emana esplendor, uma luz viva que trançava entre todos aqueles componentes sem que me impossibilitasse de vê-la; algo muito bonito e enigmático. Mas de uma forma abstrata parecia incompleta, sua vivacidade não continha todo o vigor que parecia se dispor a possuir, isso também não a rebaixava à inépcia, porém eu consegui perceber que não estava em seu apogeu, faltava algo mais sublime para que estivesse num nível mais extremo de vitalidade.

O lobo parecia bem mais ciente disso, a maneira que o senti confiante de que a solução para o apogeu estivesse perto nos deixou ansiosos para que o que quer que possa ser essa redenção, não tardasse a acontecer. Os pelos do lobo se eriçavam em regozijo antecipado.

— Percebeu? — meus ouvidos sensíveis captaram a voz da minha mãe numa clareza absurda. Seu timbre parecia compactuar, em níveis inferiores, o teor do meu deslumbramento — Algo está para acontecer nas nossas vidas meu filho, os espíritos guerreiros não te guiaram de forma definitiva para La Push à toa. Eu consigo sentir, não é nada comparado ao que você esteja vivenciando, mas pela nossa ligação e minha capacidade sensiva, sinto com toda a certeza que é algo que possa gerar transformação. — concluiu.

Sua mão moveu sob as minhas querendo se desfazer do nosso contato, me obrigando a retroceder todas as ligas do vínculo que me aprofundei a experimentar num ponto exclusivo e sensível entre minhas identidades. A primeira mudança do retrocesso ao ambiente real foi a percepção do espaço, a sensação de estar ouvindo menos do que antes e a temperatura do corpo normalizar. Abri meus olhos encontrando o olhar intenso da minha mãe sobre mim; sua pele marrom estava mais avermelhada e seus olhos apertadinhos pelas bochechas erguidas pelo seu sorriso, reluziam. As batidas do seu coração mantinham um ritmo instável, assim como o meu, apesar da diferença cardíaca absurda, mas aos poucos em que nós nos acostumávamos com o ambiente ao redor tudo em nosso corpo e mente ia se acalmando. Olhei ao redor, sentindo a necessidade de reconhecer o ambiente e voltei meus olhos para ela novamente, o pequeno sorriso ainda estava delineado em seus lábios e foi impossível de não corresponder ao nosso estado de fascínio. Percebi que suas mãos se apertavam contra a mesa, estendi minhas mãos sobre as suas e puxei gentilmente na minha direção virando sua palma para que eu pudesse analisar. Estavam muito vermelhas.

— Foi como ter segurado uma panela com água fervente... — ela me explicou como se isso não fosse alarmante. Arregalei meus olhos em espanto olhando para a sua mão temendo pelo momento em que sua pele se mostrasse feridas — Pelo menos não há fogo para causar queimaduras. — sorriu quando meus olhos se desviaram de suas mãos abrasadas pela minha pele. Senti sua resistência para puxar suas mãos das minhas — Estou falando sério Bee-Bee, não é a primeira vez. — recolheu suas mãos.

— Como isso foi possível? — perguntei com meus pensamentos anuviados pelos acontecimentos anteriores.

— Qualquer quileute que já teve contato com seu lobo pode fazer isso, apenas precisariam de instrução. — comentou.

— E porque nunca fizemos isso antes? — ergui uma sobrancelha contestando. Ela soltou um fraco riso, como se já esperasse por isso.

— Na maioria das vezes, isso acontece apenas na disposição dos espíritos da tribo, filho. — seus olhos passearam pelo cômodo — Eu vou aonde eles querem me mandar e faço aquilo que eles desejam que eu faça e se eles nunca quiseram mostrar essa experiencia a você antes, é porque não estava na hora. Agora a maneira em que eu conseguia facilmente fazer essa conexão, era toda creditada ao imprinting que tínhamos. — se referiu às experiências com meu pai.

— Todos os outros tiveram essa oportunidade mãe? — fiquei curioso, me perguntando quantos já sentiram tamanha vivacidade.

— Nem todos. — negou — Embry havia sido o último a ser prestigiado por essa experiência duas vezes, alguns meses antes dele passar pelo imprinting por Rebecca e uns dois anos antes da Kaylee nascer. Foi interessante a maneira que ele expressou sua, surpresa... — ela comentou vagamente movendo seus dedos pelas texturas das suas pulseiras com cuidado — na primeira vez ele esperava por um manifestar assim a um bom tempo e eu sempre ajudei a todos os irmãos em oração, então era esperado que eu fosse instruí-lo em alguma circunstância.

— O que isso quis dizer? — minhas sobrancelhas franziram.

— Ele desejava saber por mais quanto tempo ele esperaria pelo seu imprinting. — explicou — E o tempo em que eu o auxiliei com sua conexão entre seu lobo de uma maneira limitada, nos fez estarmos na mesma posição por quase duas horas.

— Duas horas?! — me surpreendi — Ca...ramba!

— Pois é! Nas duas ocasiões ficamos imersos nesta áurea por duas horas. — minha mãe concordou com um olhar advertido — Mas nem pareceu... — comentou puxando algo entre suas coxas — Como o seu, que durou apenas dezessete minutos e senti que havia passado horas naquela sensação, já com Embry eu pensei ter ficado apenas alguns minutos. — mostrou-me a tela do seu celular no temporizador, dezessete minutos e quarenta e oito segundos — Se bem que foi bem mais trabalhoso chegar com ele no mesmo nível que estivemos. — deu de ombros bloqueando a tela do celular, colocando-o entre suas coxas novamente.

Aspirei uma grande quantidade de oxigênio para dentro dos meus pulmões me sentindo confuso pelo desenrolar da situação, mesmo que eu ainda esteja num estado de deslumbramento pela experiência gloriosa que tive a honra de experimentar, achei muito estranho minha mãe temporizar essa experiência.

— Qual foi a finalidade disso mãe? — tive que perguntar.

— Você precisa parar de temer por coisas que nem sabe se pode acontecer, filho. — olhou-me com seu olhar de mãe e espalmou suas mãos contra a madeira da mesa novamente — Aceite o destino traçado pelos espíritos e deixe essa neura. Pare de se esquivar deles, pois você só existe porque eles te escolheram desde que estava aqui, — moveu sua mão esquerda sobre sua barriga — antes mesmo que eu definisse um nome para você Bee-Bee. Eu não preciso ressaltar um fato que agora, você já sabe. E voltando a questão sobre a vida de Amberli Scott; eu sinto que ela vai viver. Seu coração continuará batendo, há muita vida dentro dela.

— Você nem a viu ainda...

— Ainda. — frisou — O coração dela vai se manter batendo do mesmo jeito que está agora. — respondeu com convicção — Estou orando pela família dela. Eles precisarão de forças para passarem pelo vale da morte junto com ela. — parecia falar consigo — Mas eu posso ver meu filho, eu sinto que ela não irá morrer.

— Contando que ela não seja transformada em vampira. — comentei sentindo repulsa.

— O coração dela vai se manter batendo do mesmo jeito que está agora, ou até melhor. — revalidou olhando-me séria — Tente seguir o conselho dessa sua mãe que te ama incondicionalmente meu filho, tente se tornar mais otimista. Seja otimista. Não estou te pedindo para fantasiar o impossível, mas nutra a esperança, está bem?! A fé vence o medo! — estendeu suas mãos na direção das minhas mais uma vez — Eu te amo tanto meu filho, o que eu mais desejo é o seu bem.

— Eu também te amo mamãe. — segurei suas mãos e as trouxe na direção dos meus lábios, beijando-as — Muito. E vou me esforçar para ser otimista. Seguirei seu conselho.

↣ ↢

↣ [03 dias depois...] ↢

↣ ↢

O celular vibrava incansavelmente dentro do meu bolso, já deveria ser a quinta vez que eu ignorava a chamada e até poderia me convencer de que eu não estava ignorando ninguém, mas eu estava sim e continuarei a ignorar até que minha paciência acabe, o que não demoraria a acontecer. Continuei validando as pesagens dos peixes apanhados de cada embarcação do porto de Ilwaco enquanto deixava o celular recebendo as ligações, Mark estava passando as estatísticas atuais da renda semanal, estávamos em êxtase pela boa temporada das pescas desse ano, tanto eu quanto os Co-capitães teremos um acréscimo de quase quarenta porcento apenas pelas pescas destes últimos dias, mal podemos esperar para fechar o mês; a estimativa é de que o lucro geral renda setenta porcento há mais do que a pesca mensal anterior. Estamos entusiasmados com isso!

Levei a mão direita para o bolso retirando o celular dali assim que mais uma chamada foi encerrada; liguei a tela e conferi a remetente. Tornei a bloquear o celular e dessa vez o deixei em cima da mesa, passando a contar os segundos restantes para que o celular tornasse a vibrar. Um segundo... Dois segundos... Três segundos...

Seis segundos bastaram para que o celular acendesse e passasse a vibrar contra a matéria da mesa, me levantei da cadeira e olhei por alguns segundos seu nome piscar na tela antes de pegar o aparelho, sair da sala e atender a chamada me perguntando se eu me arrependeria dessa decisão.

Você vai ir, não é?! — a voz de Renesmee tornou a me irritar com essa sua ideia de estar dentro da mansão dos seus avós apenas para assistir filme. Absorvi as palavras que acabei de ouvi-la dizer, ao contrário do que esperei, ela sequer passou a impressão de estar zangada por estar sendo ignorada. Deixei que um silêncio pairasse na linha quando movi minha mão livre para trancar a sala.

— De novo querendo me vender essa ideia? — parei para respirar fundo atravessando a zona dos píeres de atracamento. Ela tinha uma mania incrivelmente irritante de conseguir me irritar quando se empenhava para isso — Você me dá dores de cabeça, sabia?! — grunhi pressionando o celular contra a minha orelha sentindo o arrependimento de ter atendido sua chamada.

Ah, por favor, eu até perdi as contas de quantas vezes eu te liguei! Pra quê tanto drama, só vamos assistir alguns filmes! São lançamentos! — não foi difícil visualizá-la revirar os olhos — Você deveria me provar estar mais sociável e suportável, não o contrário! Fiquei sabendo que anda com dores de cabeça, para mim isso é seu cérebro se recusando a te aturar por mais esses meses! — riu.

— Você é tão engraçada Nessie, deveria investir em trazer de volta aquele evento de atrações e piadas, sabia? Iria ser a estrela principal. — tentei irritá-la apenas para que a culpa de a ter ignorado não me perturbasse.

Você seria o primeiro palhaço a ser contratado! — respondeu azeda. Soltei um riso pela respiração.

— Mas quem está fazendo piadinhas aqui é você, não eu. — fiz questão de cutucá-la com isso. Ela resmungou alguma coisa incompreensível — Olha só, posso fazer uma pergunta?

Lá vai... — reclamou.

— Sua avó sabe que você que você está marcando esse evento de criança na casa dela? — tramei.

Que caralho, hein Cole?! Não é evento de criança! — sua voz chiou irritada. Gargalhei — Estou te fazendo um favor seu idiota, você é um pão duro que não gosta de gastar seu dinheiro nem para sua própria diversão...

— Olha a boca, é claro que fiquei duro, depois de te dar a liberdade de usar e abusar do que eu tinha para reformar a minha casa!... — resmunguei.

— ...Que estou dando a oportunidade de um lazer gratuito com seus irmãos, com pipoca e tudo o mais! — continuou a falar, mal prestando atenção às minhas palavras.

— Vai ser uma algazarra... — contrapus.

Arg!... Meu pai amado! — bufou —Você vai ou não?

— Só se não houver guerra de pipocas. Além de nos deixar engordurados, causa um desperdício estúpido. — fiz uma falsa imposição, implicando com ela. Nessie adora fazer guerra de pipocas.

Não posso prometer nada, isso é inevitável. Mas pelo menos o filme vai rolar, eu não vou determinar um horário tá legal? Apenas esteja pronto quando o Jake te ligar, ou sei lá, aparecer na sua porta! Para de fingir que não existo, e vem! SEM DORES DE CABEÇA, TÁ LEGAL? — gritou na chamada antes de desligar na minha cara.

Era um alívio para mim que ela soubesse que eu estava a ignorando e o motivo era óbvio e talvez ela soubesse disso também; ela falava tanto da Amberli que eu já estava até sonhando com isso. A moça era quase uma super celebridade entre os lobos e sequer podia imaginar! Até a data de nascimento dela sabemos agora, vinte de agosto; Jacob não poupou detalhes sobre cada momento em que esteve no mesmo cômodo que ela, o modo que ela o olhava, a maneira impassível de como se dirigia a ele mostrava que ela não havia se acostumado com sua presença, não da mesma maneira que se familiarizou tão bem com os vampiros ou até mesmo com Embry. Mas isso era uma perspectiva superficial dele, Jacob também não é todo flores e amores com alguém logo de cara e nosso tamanho e porte físico as vezes intimidam as pessoas na mesma proporção que podem seduzi-las.

Segui meu caminho para fora do barracão das zonas portuárias apenas com os meus pertences pessoais entrando no estacionamento. Puxei a chave do carro desativando a trava e o alarme, e abri a porta me acomodando no banco, logo estava saindo do estacionamento passando pela guarita de identificação cumprimentando Samuel e Emma conjuntamente. Após ser liberado eu pude percorrer livremente para a via principal que me levaria direto para casa, hoje eu não jantaria com a minha mãe, ela e minha tia foram convocadas a acompanhar a noite dos meus avós paternos e com muita empolgação ela elaborou um dos pratos típicos quileute para agradar sua amada sogra. Aproveitei a ocasião para antecipar meu horário da ronda, assim eu teria mais horas de descanso para poder trabalhar na manhã seguinte, mas prometi visitá-los o mais breve possível. Rebecca também havia chamado a minha atenção a respeito da pouca atenção que eu dava a minha afilhada; brinquedos e presentes em datas festivas não preenchiam minha presença na vida da Kaylee e eu teria que me comprometer mais com a aliança que me dispus meses antes do nascimento da menina. A infância é o instante mais importante de toda a vida e eu não estava cumprindo a minha parte na vida da Kay.

Entrei em casa pela porta que ligava a garagem à cozinha, nenhuma luz estava acesa, mas eu não precisava de uma boa iluminação para andar até o meu quarto, apressei meus passos para chegar a tempo no sistema de segurança e digitar a senha antes que ele disparasse. Pendurei a chave do carro no primeiro porta chaves que encontrei no caminho e pressionei os dedos contra os botõezinhos do alarme e segui meu caminho para o primeiro andar arrancando do meu corpo cada peça de roupa durante o curto caminho. Assim que cheguei no quarto, eu liguei a luz do cômodo, joguei o celular sobre a cama e arremessei as peças para dentro de um cesto que era usado para coletar as roupas que seriam lavadas. Arranquei o tênis dos meus pés, deixando a meia dentro deles e tirei a calça junto com a cueca jogando-as no cesto junto com as demais peças. No momento em que me virei para ir ao banheiro, o celular tocou; era minha mãe realizando uma chamada de vídeo. Peguei o celular da cama, aceitando o modo da chamada observando o ambiente da cozinha dos meus avós paternos em que o celular foi posicionado.

Boa noite, filho! — minha mãe surgiu à frente. Sua imagem estava tremida por ela ainda estar posicionando o celular no local — Que os Espíritos guerreiros te protejam.

— Oi mãe. Que assim seja. — a cumprimentei de volta recebendo sua benção, esperando que ela continuasse a falar.

Queria tanto que você estivesse aqui com a gente Cole! Mas tudo bem, você tem seus deveres a serem cumpridos. E hoje sinto que é um dia bem especial, acredita?! Fiquei a manhã toda matutando se deveria mesmo vir com as botinas, e não teve jeito meu filho; eu não conseguia sair de casa em paz sem elas! — ela riu e a câmera foi movida para baixo para que eu visse seus pézinhos com o calçado que ela mais usava na vida. Era surpreendente ver o quão bem minha mãe cuida desses pares de tricô. — Mas estou te ligando para saber se está cumprindo o que me prometeu. — sondou voltando a centralizar seu rosto para mim, mas não por muito tempo, alguém havia entrado na cozinha —Vem ver minha linda, é o tio Cole!

Oi padrinho, oi padrinho! — a voz infantilmente rouca e feminina surgiu antes dos cabelos escuros da Kay na tela — Você não vai acreditar no que aconteceu nessa tarde! — seus olhinhos estavam arregalados em euforia.

— Oi indiazinha! O que aconteceu? — a cumprimentei e esperei que ela fizesse seu suspense. Pude perceber que suas mãozinhas tampavam a boca quando se afastou mais do aparelho.

Eu pensei que você estaria aqui na casa do meu biso e da minha bisa, mas a mamãe disse que você trabalha bastante e... Então vou te contar aqui com a minha tia Franchesca, que é a sua mamãe! — falou num fôlego só — Xíi!... Espere aí que eu vou pegar o baú! — saiu correndo com as mãos cobrindo seus lábios. Talvez estivesse segurando algum segredo. Será que Rebecca já está grávida?

E então? Está cumprindo sua parte? — minha mãe tornou a falar centralizando seu rosto na câmera.

— Que parte mãe? — rebati a pergunta.

Ora Cole, como assim?! Que promessa você me fez? Preciso ter certeza de que está pelo menos se esforçando! — suas sobrancelhas tensionaram.

— A Nessie te falou alguma coisa? — perguntei encarando sua imagem em tempo real.

Ela deveria ter me falado alguma coisa, Cole? — rebateu.

— Não que eu saiba. — desvencilhei — Estou cumprindo a minha promessa até agora mãe.

São essas palavras que eu estava esperando desde o começo desta ligação Bee-Bee. — sorriu — Olha só quem já está voltando!... — se referiu aos passos audíveis da Kaylee entrando no cômodo novamente — Filho, se mantenha nas palavras que te aconselhei e cumpra sua promessa. Sem neura, tá meu amor? Eu te amo. — concedeu seu espaço na tela para que Kaylee aparecesse.

Tia Franchesca, tia Franchesca! Meu padrinho Cole ainda está aí no celular? — seus cabelos tornaram a aparecer na chamada. Aguardei com paciência, nu, no meio do quarto — Oi padrinho! Então, você não sabe o que aconteceu comigo hoje à tarde! Padrinho, a Kaliska Kaluanã me visitou! O osso de leite desprendeu da minha gengiva pela primeira vez! Olha padrinho! — soltou um gritinho animado, finalmente mostrando seu rosto todo na câmera exibindo um sorriso enorme. Um dos primeiros dentes inferiores estava faltando ali, Kaylee estava iniciando a fase das “janelinhas” ao final dos seus seis aninhos.

— Estou muito orgulhoso de você! — cooperei com sua animação — Está se tornando uma mocinha!

Sim padrinho! Mamãe sempre me dizia para esperar pois a Kaliska Kaluanã é muito, super inteligente e que eu iria me tornar uma mocinha muito inteligente também! — ela falava alegre na chamada — Todas as minhas amigas já foram mocinhas e só eu que estava com todos os ossos de leite na gengiva... Ah! E olha aqui o presente que ela me deixou! — ela pegou o pequeno baú de madeira revestido em decoupage e abriu. Era uma caixinha artesanal para guardar todos os dentes de leite — É tão fofinho! Mas a mamãe disse que é delicado, deve ser a mesma coisa, né! Você sabia que a Kaliska Kaluanã é guiada pelos Espíritos quileutes na nossa floresta e ele mostra a casa que ela deve entrar?! Aí padrinho, enquanto ela não chega, nosso dentinho fica ansioso para ela chegar, tanto que até tenta escapar! — riu encantada — Mas ela nunca deixou um dentinho escapar! E até pediu ajuda da mamãe!

— Então você foi promovida com sucesso! — aumentei o sorriso — Parabéns Kay!

Parabéns padrinho! Obrigada! — agradeceu com seu jeitinho peculiar — Tchau padrinho, eu quero te ver na casa do meu biso e da minha bisa também, tá legal?!

— Vamos nos ver em breve indiazinha, não se preocupe. — mantive a expectativa.

Não estou preocupada não, viu padrinho! — ela começou a se movimentar pelo cômodo com o celular em mãos — Mamãe disse que se você demorasse muito mais, ela vai te puxar pelo rabo! Você deveria tomar cuidado tá bom padrinho, pois a mamãe vira uma fera quando está ‘zangadona’! — soltou um riso alto — Tchau padrinho Cole, eu vou levar o celular da tia Franchesca para ela! — se despediu aproximando ainda mais seu rostinho da câmera para mandar um beijo. Acenei para ela, gesticulando com a mão um beijo no ar; ela sorriu para mim, orgulhosa da sua primeira “janelinha” e encerrou a ligação.

Deixei o celular no colchão e caminhei até para o banheiro anexado ao meu quarto e sem enrolação eu entrei no box, ligando o registro na temperatura mais alta que tinha; não que eu conseguisse sentir toda a quentura, mas o valor que chegava nas notas de cobrança mensalmente, eram altas o suficiente para provar-me de que meus vizinhos nunca conseguiriam tomar banho nessa temperatura. Sorte a minha que as mulheres Cullen tinham experiência o suficiente para saberem de uma empresa que fornece um chuveiro com um aquecimento tão potente.

Entrei debaixo do jato d’água sentindo sua temperatura amena, deixando que o líquido escorresse livremente pelo meu corpo antes de começar a lavar-me. Fechei meus olhos deixando que o jato contristasse contra meu rosto tentando me conectar a sensação sublime que vivi há dias atrás. Permiti que minha conexão entre o lobo se sensibilizasse o suficiente para que a água que caia sobre mim parecesse ainda mais fria e que tudo ficasse irritantemente muito mais alto aos meus ouvidos; eu estava quase lá, refazendo cada etapa de concentração para alcançar um nível satisfatório da ligação sobrenatural que possui em meu DNA. Era um absurdo saber da existência dessa ligação tão majestosa somente agora, era como se encontrar, se compreender pela primeira vez na vida! Não me parece justo deixar meus outros irmãos ignorantes a isso como eu estive por tanto tempo, mas também não é certo de contestar os motivos por trás dessa falta de conhecimento que minha mãe mantém. Ela, mais que ninguém é conectada a eles de uma forma muito particular, particular o suficiente para estar à frente das decisões dos conselheiros da tribo desde que pôde estar envolvida o suficiente com a magia do nosso povo.

Abaixei minha cabeça, deixando que o jato de água, agora fria sobre minha pele corresse livremente pelas minhas costas enquanto sentia meu corpo se arrepiar no momento em que a conexão sensível se estabeleceu. A sensação de estar inundado por esse poder ancestral era tão intensa que nenhuma palavra me parece suficiente para comparar a ligação inigualável que estou tendo o direito de reivindicar para a minha vida. É tão sobrenaturalmente palpável, que energizava todo o meu corpo, ou pelo menos é assim que eu consigo sentir seu manifesto. Senti um suspiro sair por meus lábios entreabertos enquanto me concentrava ainda mais na corrente enérgica que me entrelaçava ao lobo contente pela “visita” que estamos -...

Um vácuo surgiu entre tudo. Toda a concentração e sensações inexplicáveis que estava sentindo foram cortadas abruptamente. Franzi minhas sobrancelhas perturbado pelo zumbido irritante que soou no ambiente desfazendo tudo num rompante. Abri meus olhos irritado pela sensação de vazio que senti com tudo que estava ao meu redor, meus sentidos buscaram a ameaça, identificando através da percepção auditiva o que nos interrompeu.

Algum fodido estava me ligando.

Empurrei o vidro do box com força para que eu passasse, xingando alto. Nem fiz questão de desligar o registro, deixando a água do chuveiro jorrando sobre os ladrilhos. Passei meus pés na toalha sobre o piso para não molhar as tábuas do quarto, e irrompi pelo cômodo alcançando o celular, que vibrava sobre o colchão e atendi a ligação sem nem mesmo saber quem era.

— Que porra, caralho! Não tinha momento melhor para ligar não?! — gritei enfurecido para o remetente antes mesmo que o celular chegasse à minha orelha. Torcia para que não fosse alguém da minha família. Em especial minha mãe.

Xíi...! Atrapalhei a sua batida? — reconheci a voz sacana na hora. Usei minha mão livre para conter a ira, apesar do alívio, apertando a minúscula concentração de pele que havia na raiz do nariz, usando todo o autocontrole que ainda mantinha. — Você não acha que é meio cedo para bater uma não?! Qual é! Eu já te falei que se precisar de uma mulher para fazer um serviço bem feito é só me...

— Mark!... — grunhi tentando conter a força que minha mão exercia sobre o celular — Puta que pariu, hein caralho! — bufei revirando meus olhos.

Não vai me dizer que empatei sua foda?! — gargalhou na chamada — Cacete! — silvou inacreditado — Eu vivi para que isso acontecesse mesmo? Cara porque você não continuou...

— Cala a porra da boca, inferno! — o cortei, respirando fundo e retornando para o banheiro — O que você quer? Eu estava ocupado sim, mas não ao ponto de permitir que justo você empatasse alguma foda que eu estivesse tendo. — deixei o celular sobre o balcão o colocando no viva-voz.

Então... — pigarreou assumindo seu profissionalismo — Você recebeu algum relatório de análise portuária de Forks?

— Deveria? — puxei a toalha de banho para me secar, olhando amargamente para os respingos de água sobre as tábuas do quarto.

Sim, pois chegou a segunda via para nós ainda hoje, pensei que já soubesse do estrago. — ele demorou um pouco para responder. Prendi a ponta da toalha na lateral do quadril.

— Pode relatar, estou te ouvindo. — permiti — Independentemente do que seja. — reclamei puxando a toalha menor da barra de aço para secar meu cabelo, algumas mechas estavam encharcadas o suficiente para pingar sobre meu rosto. Arrastei a toalha de chão para o quarto afim de secar as tábuas o mais rápido possível.

Eu não vou enrolar. Na papelada toda, eles deram a entender que estamos desestruturando a flora natural preservada, com vazamentos químicos. Há embarcações com documentações e vistorias expiradas, o que nos ferra pois eles estão nos encarregando de sermos os responsáveis por esses barcos. — informou.

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— Não somos responsáveis pelos barcos que estão poluindo o oceano! — afirmei aumentando o som da minha voz para que ele me ouvisse na chamada.

Com certeza que não! — sua voz chiou em concordância — Eles são um bando de pau no cu, se mandam tanto assim, por que não vão pessoalmente ao invés de mandarem recados?! O problema é que estão nos usando de babá para fazer o trabalho deles!

— Não iremos fazer trabalho nenhum além do nosso, Mark. — elaborei algo rápido, pegando o celular do balcão e indo para o quarto — Selecione os documentos recentes de vistorias e ficha limpa dos barcos que trabalham com a gente. Gaste quantos papéis for preciso e contate o escritório responsável pela parte alta de toda essa burocracia. Envie tudo para eles. Faça eles engolirem cada um desses papéis. — instruí pegando as peças de roupa que uso para simular a caminhada noturna que faço periodicamente.

Posso até mesmo fazer uma varredura das embarcações de La Push ativas e os lançamentos inexistentes dos capitães filhos da puta que rastejam por aí. — apresentou.

— Faça isso. — concordei vestindo as peças passando a toalha sobre meu cabelo mais uma vez — E não deixe que os Co-capitães saibam, eles não precisam inventar nada do que não sabem.

Positivo! — concordou — Agora vou deixar que continue a foder a gostosa que caiu na sua rede em paz. Mande um beijo na boca da gostosa da sua mãe para mim!

— Vai se foder, filho da puta! — o xinguei mesmo que já tivesse encerrado a ligação — Ótimo! Mais uma coisa para perturbar minha cabeça. — resmunguei entre dentes retornando ao banheiro para pendurar as toalhas e sai do cômodo.

↣ ↢

Saí pela porta da frente, como sempre faço, seguindo para a trilha que embrenhava para dentro da floresta parando apenas quando deixei minhas roupas dentro da parte oca da árvore para que eu me transformasse no lobo e corresse até as trilhas montanhosas que cercavam parte da floresta num limite além de Forks. Enquanto corria para lá, deixei que meus pensamentos fossem sondados pelos meus irmãos presentes. Eu sabia que eles não iriam me incomodar, pois eram assuntos relacionados ao meu trabalho e também porquê é praticamente impossível de esconder alguma coisa de um deles. Eu estava fodido em ansiedade para saber se Mark, ou até mesmo Carl conseguiriam relatórios plausíveis para culpar os outros capitães que dividem o porto conosco pela sujeira nos mares de La Push. Talvez eu nem conseguisse dormir, pensando em tudo que está me atormentando.

Diminuí a intensidade das minhas patas contra o solo húmido e rochoso assim que cheguei ao meu destino, as orelhas sensíveis do lobo se moviam para todos os lados, atento ao mínimo sinal de aproximação e perigo e meus olhos analisavam com atenção a paisagem noturna e ampla disposta à minha frente, andei silenciosamente por mais trezentos metros, até parar e sentar meu traseiro peludo entre as trilhas cruzadas que nos direciona para as montanhas. Aguardei alguma movimentação diferente e só tornei a me mexer quando percebi um novo manifesto de pensamentos. Possivelmente houve a troca de turno.

Tão rápido?! Nem faz muito tempo que cheguei... — externei.

Ah! Mas já faz sim! — Ouvi a voz de Brady soar em meus pensamentos — Tem duas horas que você está viajando com as estrelas, pensando no seu trabalho.

Também!... — Hugo se manifestou — Com gente tentando ferrar todo o trabalho. Eu nem dormiria à noite.

Estava muito melhor quando vocês estavam em silêncio. — comentei azedo — Deveriam apenas se despedir.

Não está mais aqui quem falou, ó fodão dos mares. — foram as últimas palavras que ouvi de Hugo.

Fale para ele fazer isso mais vezes, estava mesmo precisando de alguém para amaciar meu ego. — comentei para Brady soltando um riso.

Me pagando!... — riu. Pelos seus olhos eu via o corpo nu de Hugo o esperando — Tchau Cole, nos vemos em alguma ronda aleatória!

Pensei que teria que lembrá-los dos horários! — a voz de Seth surgiu no mesmo momento que Brady transformou-se em humano — Hey, Cole! Soube que a Nessie te convenceu a assistir uns filmes com a gente!

Se você quis dizer, me obrigar de tanto que me fez perder a paciência, acertou. — ajeitei meu corpo, acomodando minha barriga sobre o terreno. Estendi minhas patas para frente, aranhando minhas garras sobre o espaço pedregoso.

Então você vai?! — pareceu surpreso.

O que eu perdi?! — Collin surgiu interessado se embrenhando para dentro da floresta afim de cercar sua parte do perímetro.

Cole vai ir com a gente! Dá pra acreditar?! — Seth o informou.

O que a Nessie ainda não conseguiu, não é mesmo? — Collin riu.

Eu não dei certeza. — os fiz saberem.

Não têm porque não ir. — Seth afirmou.

Por acaso está com medo da paciente? — Collin perguntou.

Paciente? — eu e Seth inquirimos.

A Amberli. Não é possível que vocês tenham se esquecido de que ela vai estar lá. — indagou.

Foi como um balde d’água lançado em mim. Senti os músculos do abdômen do lobo se contrair com num choque com a constatação que havíamos ouvido. Um vislumbre de sua feição através dos olhos de Embry passou por meus pensamentos como fizesse questão de que eu me lembrasse dela. Ela. Ela estaria lá! Como eu não havia me lembrado desse detalhe?!

Wow! Ninguém aqui fez uma afirmação não. — Seth falou.

Ela vai estar na mansão Cullen. Que eu saiba ela não tem outro lugar para ir. — Collin tentou contornar minha linha de raciocínio — Você tem certeza de que está seguindo o conselho da sua mãe? — Collin sondou suas possibilidades de fazer-me esquecer da presença da mulher — Você prometeu a ela que seria positivo. — acusou-me.

Isso é um golpe baixo, cara! — grasnei irritado levando o focinho para cima estendendo o pescoço para que um uivo irrompesse pela garganta em sinal de desagrado.

Não, negou com certeza isso é apenas um amigo te lembrando da promessa que fez à tia Franchesca, vulgo, a sua mãe. Você sempre fica amargurado pelos cantos quando descumpre uma promessa, por mais fútil que ela seja. Não é hoje que você vai falhar com sua mãe, ela é grudada com os Espíritos, saberá antes de você que descumpriu o que prometeu para ela. Seja bonzinho e obediente e mova suas patas peludas até o território legal dos Cullen para agradar nossa monstrinha preferida e ser educado com todo o mundo!

↣ ↢

↣ ↢

Eu até que estava disposto a ir na mansão dos avós de Renesmee, mesmo que eu nem me lembre a última vez que entrei naquele local. Não seria a primeira e muito menos a última vez, eu sentia isso; o lobo ansioso como sempre está há tantos meses, sentia isso com grande entusiasmo. Um entusiasmo esquisito que eu faço questão de maquiar, talvez esse seja mais um dos meus motivos pessoais de sentir tanto desconforto na cabeça nesses últimos dias. De qualquer forma, eu sigo não dando a mínima e evitando em pensar nas minhas suposições pessoais quando estou na forma do lobo.

Falando em dores de cabeça, eu sabia muito bem que estava gerando uma frustração em massa entre meus irmãos lobos; felizmente era desproposital, pois eu simplesmente não conseguia evitar meus impulsos quando estou transformado, acontecia de maneira inusitada, meu querer, as respostas e reações que meu lobo externava através de uma parte consciente minha. Uma confusão total. Não tinha como eu me explicar, já havia saído, os pensamentos foram ouvidos, eu apenas podia me desculpar ou contornar a merda que havia escapado e deixado o ambiente totalmente desconfortável. Me sentia grato de que apesar de tudo isso, estou sendo cada vez mais acolhido de volta por meus irmãos, eles não preferem que eu esteja cada dia mais distante, eles se esforçam para compreender a maneira intensa do manifestar do meu lobo entre nós, de maneira que as vezes eles até discutem, que isso possa ser uma característica sensitiva vindo da minha mãe; mas nunca nutri tal curiosidade para saber se isso pode ser verdadeiro ou não, eu estou equilibrando até que bem minha vida dupla, para querer me aventurar na magia do lobo, mesmo que agora eu esteja ciente de um nível mais profundo e sublime da nossa conexão ancestral que poucos de nós experimentaram.

Eu me sentia irritado. Isso, mais uma vez, não era nenhuma novidade. A irritação estava quase que se tornando parte do meu nome, o que me causava uma irritação tão grande que parecia pinicar meu corpo apenas por me lembrar de que estava irritado com qualquer mínima situação. Eu precisava saber quais seriam os resultados colhidos por Mark, precisava saber se tínhamos alguma margem, mesmo que mínima, de alguma das nossas embarcações estarem envolvidas na poluição das zonas pesqueiras do oceano. A multa que isso pode nos gerar é de quebrar as pernas, estamos tocando nosso próprio negócio agora, eu não poderia correr esse tipo de risco, meu nome é o primeiro a ser afogado no cais e uma das minhas motivações é fazer o nome dos meus antepassados brilharem, e não serem lançados na lama!

Estralei a língua no céu da boca tentando me desvencilhar dos pensamentos borbulhantes em minha mente, me atentando aos passos masculinos que me acompanhavam. Todos em silêncio seguindo na mesma direção. Eu sabia que eles estavam frustrados, uma frustração diária e momentânea pela minha presença, a situação sempre fazia meus ombros sentirem o peso da culpa de tal modo que eu me surpreendia por não ter surtado mais uma vez...

Eu estava sendo conduzido contrariado. Estava claro até nas entrelinhas de que eu não queria estar indo, em hipótese alguma para a mansão Cullen; havia enrolado horas o suficiente para fazer com que Nessie saísse pela mata para tentar me arrastar pelas orelhas ciente de que eu simplesmente não queria me dispor ao breve lazer bobo sem fins lucrativos que ela animadamente se dispôs a realizar. Nessie sempre foi uma garota de ouro, que com o passar dos anos isso foi se refinando de uma maneira admirável, difícil até mesmo de ser compreendida, mas que ainda assim, estava lá, me aguardando como se eu não estivesse agindo como um arrombado.

Ainda não me sentia preparado para vislumbrar pessoalmente a mulher protegida pela sua família, não me parecia certo estar nos mesmos metros quadrados que ela; de me lembrar as razões dela estar ali e me horrorizar com isso, mas Seth havia me convencido a passar por cima de qualquer oposição que surgisse dentro de mim pois eu preciso de uma distração emocionante. A mulher é apenas a paciente protegida por Esme e Carlisle Cullen, isso não significa que ela estará no mesmo cômodo que nós, ela deve estar ocupada e preocupada o suficiente com a sua vida para sequer cogitar em perder seus últimos momentos assistindo filmes; e outra, talvez ela nem esteja sabendo da programação animada que Nessie produziu.

Soltei um suspiro alto hesitando meus passos no momento em que o odor flamejante de tão doce, entrou por minhas narinas, senti-as inflar em repulsa fazendo com que meu corpo se movesse cautelosamente em reflexo ao cheiro do inimigo, os demais que me acompanham de perto sequer tiveram algum milésimo de alarde, continuaram caminhando pela trilha como se apenas o cheiro da vegetação densa estivesse impregnando em nossas roupas, deixando-me chocado com a habituação. Movi meus olhos em silêncio, inacreditado por não conseguir captar nem mesmo uma mínima careta de suas feições. Forcei meus pés calçados contra o solo húmido cheio de musgo e samambaias que me aproximava cada vez mais da esplendorosa mansão de vidro que estava amedrontando minhas entranhas da mesma forma que se fazem com as crianças quileutes quando ouvem sobre os diversos castigos dos Espíritos; aos poucos, os passos que me acompanhavam foram ficando para trás, até que só o som dos passos de Collin estivesse comigo. Conforme adentramos totalmente no terreno da mansão, o cheiro forte e inconfundível de pipoca entre outros condimentos já pairava nos arredores do lugar amenizando muito bem o fedor adocicado dos residentes. Consegui respirar um pouco melhor, eu tinha um papel a cumprir nessa madrugada: descansaria meu corpo em algum lugar naquela sala enorme, assistiria aos filmes selecionados e tentaria relaxar. De longe eu via perfeitamente o andar da sala sendo iluminado apenas pela difusão da ação que passava na tela, e meus ouvidos captavam em alto e bom som toda a trama. Os presentes naquele cômodo estavam em silêncio, todos entretidos com o que assistiam.

— Esse filme é bom. — Collin comentou animado atraindo minha atenção — Vi o trailer umas três vezes.

— Então deve ser bom mesmo. — o respondi equilibrando meu pé esquerdo sobre uma pedra coberta por líquen — Você nunca assistiu um filme ruim.

— Talvez um dia eu te ensine como filtrar e equilibrar suas preferências... Reconhecer que meu gosto é bem melhor que o seu já é um bom caminho. — passou a mão sobre os locais onde despontava sua barba. Revirei os olhos — Sua vida está girando demais em torno da pesca, precisa se distrair mais. — sugeriu.

— Talvez eu precise mesmo. — concordei.

— Deveria parar de assistir filmes de terror também. — emendou quando passamos por um declive entre os musgos, raízes expostas e terra — Ação trás toda aquela energia heroica, você deveria carregar mais disso também.

— Quais benefícios isso me traria? — empurrei minha mão direita contra o tronco da árvore mais próxima para que eu pulasse as toras de madeira que estavam compondo o solo daquele lugar.

— Com certeza, uma energia mais positiva. — retrucou depois de alguns segundos em silêncio pulando as toras logo depois de mim. Grunhi revirando meus olhos — Viu?! Vamos entrar logo nesse lugar. — nossos pés pousaram sobre os cascalhos que asfaltavam a entrada da mansão.

Continuei caminhando com Collin ao meu lado, chegando aos degraus de concreto estranhamente ornado com madeiras, nossos ouvidos recebiam toda a intensidade sonora que nos aguardava dentro daquelas paredes de vidro e sem que precisássemos ser recepcionados, por já estarmos atrasados o suficiente, apenas entramos seguindo direto para o andar que precisávamos estar. Ao abrir a porta bem ornamentada de aço, madeira e vidro, fomos recebidos pelo cheiro das pipocas e os estrondos sonoros da cena do filme que assistiam. Seguimos em silêncio até sermos recepcionados pela Nessie. Seus olhos flamejavam na minha direção, como se a qualquer momento ela fosse saltar para cima de mim tentando fincar seus dentes afiados em algum ponto letal do meu corpo através da sua maneira peculiar ela nos enviou uma pequena amostra do quanto estava malograda com a minha enrolação. Não que eu estivesse surpreso com esse sentimento, mais um indivíduo para a tediosa lista de pessoas que eu estive frustrando. Depois de alguns xingamentos dela ecoarem na minha mente, ela liberou a passagem para que eu pudesse sossegar. Nem fiz questão de perder mais do meu tempo em escolher um lugar, apenas puxei umas das almofadas dos braços de Ravi e me acomodei no tapete caro disposto no chão, perto da mesa de centro. Em meio ao som alto que reproduzia no ambiente, consegui escultar Nessie reclamar de algo a meu respeito; mas nem dei bola, a minha parte já estava sendo cumprida aqui.

Eu me empenhei a me comportar o mais descontraído possível. Ignorei alguns comentários, fingi responder outros e até mesmo me fiz o favor de irritar um e outro, mas não conseguia deixar de me sentir ansioso e estressado. Eu conseguia sentir a fragrância da Amberli no ambiente, apesar do cheiro intenso dos diversos tipos de pipocas, e cheiro dela estava fazendo minha boca salivar, estava quase exatamente da maneira que eu sentia pelos pensamentos entre meus irmãos, só que dessa vez eu estava de corpo presente em um dos espaços em que ela habita. Eu queria saber onde ela estava mantida, ao mesmo tempo em que me mantenho na santa ignorância e continuo fingindo estar de olhos fechados. Porém entre toda essa algazarra eu senti meu corpo gelar ao ouvir mais de uma gargalhada feminina no cômodo pra lá de enorme da família Cullen. Ela estava mais próxima do que eu havia cogitado a imaginar e saber disso agora, deixava minha temperatura corporal mais febril do que naturalmente é. Continuei fingindo não ter ouvido nada ao continuar recolhendo as pipocas desperdiçadas no chão arremessando-as em Thomas enquanto ouvia ela comentar algo com a Nessie. O tempo começou a pesar pra porra e minha vontade era de sair logo da sala, ao mesmo tempo em que isso me parecia uma ideia contraditória. Eu apenas tinha que resistir por mais alguns minutos. Os benditos minutos não custariam grande coisa na minha vida, além da lerdeza que estavam a passar.

↣ ↢

Creio que já estava hiperventilando, se eu soubesse qual é a sensação de estar passando mal, eu diria que deve ser exatamente como eu estou me sentindo agora. Uma sensação agonizante que parecia correr pelos meus nervos a cada segundo em que eu ficava nesse local enorme sentindo cada vez mais o quanto o movimento do corpo feminino propagava seu odor pelo ambiente. O cheiro da mulher estava abalsamando minhas narinas, destacando-se de modo atrativo, deixando qualquer outra manifestação olfativa ofuscada. Engoli o acúmulo de saliva quase sentindo seu sabor nas papilas da língua, eu não queria me mover muito para não poder ter uma visão exata dela sobre uma das poltronas onde ela estava sendo protegida pela Nessie, que já não estava mais tão próximo dela quanto imaginei; se meus olhos se focassem nela, meu olfato tragaria todo o seu teor para dentro de mim e apenas em pensar sobre isso fez com que minhas narinas inflassem em antemão.

— Nessie!... — a chamei entredentes.

O modo alarmado de como a chamei, atraiu uma devida atenção aos meus irmãos mais próximos, deixei que eles percebessem meu estado desequilibrado. Mexi meu corpo desconfortável sobre o móvel em que estava, indeciso entre sair dali ou me manter ignorante, porém nem consegui escolher uma das minhas limitadas opções.

Minha audição apurada percebeu o momento em que suas mãos femininas envolveram uns par de grãos de pipocas, mexendo seu corpo expectante numa posição confortável sobre o assento de onde estava movendo seu braço numa velocidade suficiente pra ter impulso, para que sua mão os arremessasse na minha direção. Nem mesmo quando as pipocas impregnadas de sal e açúcar tocaram meu rosto, imaginei sentir-me tão afetado por uma carga pavorosa do seu perfume lançado em mim. Meu nariz inflou ao inalar seu perfume com força e assim que absorvemos a essência, eu senti meu tórax regougar num tremor sensível de reivindicação. Minhas pálpebras se moveram num piscar.

No mísero segundo em que fui definitivamente atraído pela sua presença, Renesmee já estava posicionada defensivamente sobre a poltrona, não me retraí em virar-me na mesma direção, embora os olhos da híbrida, bem iluminados apenas pelas imagens da televisão, gritassem ferozmente para que eu não me aproximasse delas em hipótese alguma. Minhas sobrancelhas tencionaram num franzir no instante em que me pus de pé, meus olhos ansiavam por verem a protegida de Renesmee.

Tão rápido quanto me levantei, fui levado ao chão.

A abordagem invasiva foi o suficiente para que a linha tênue entre mim e minha parte animalesca titilasse com brutalidade contra o chão; uma mensagem clara e colérica pela interrupção. Meus irmãos me prendiam num aperto de aço e força contra o piso da sala, tentei avisá-los de que nada desse show seria necessário, mas estamos puto da vida para que eu conseguisse verbalizar uma palavra sequer, nem mesmo em nossa língua nativa, o único meio comunicativo que consegui proferir só poderia ser compreendido se algum deles estivessem transformados, algo que eu ainda conseguia ter noção de que não poderia deixar acontecer, apenas não sabia até que ponto conseguiria conter pois eu sentia que estava rogando por algo que não conseguia ver.

Minhas pálpebras se fecharam por um instante pelo incomodo repentino da iluminação completa do ambiente, antes de se acostumar com o cenário mais claro. Apesar da vasta concentração do cheiro puro da humana, meu nariz não deixou de ser perturbado pela presença corpórea de vampiros no local.

— O que está acontecendo?! — a voz da Amberli soou trêmula pelo medo.

Desejei resmungar qualquer coisa que fosse aos meus irmãos, para que pelo menos eu pudesse sair dali para me transformar, mas a única coisa que saía dos meus lábios era grunhidos agressivos que personificavam a presença ativa de forma descontrolada do meu lobo, eles me cercavam tensos, não entendendo; o que me deixava mais irritado ao ponto de parecer um lobo raivoso sendo oprimido. Mesmo me sentindo uma bomba relógio, eu insisti em querer dialogar humanamente, até que conseguisse proferir algum cacete de palavra, em meio ao meu alto nível de estresse eu consegui me sentir um ‘pouco’ melhor quando algumas palavras soltas foram compreendidas. Era quase nada de tudo que eu estava mesmo tentando falar, mas de uma maneira ou outra, eles precisavam me arrancar daqui.

Meu coração se comprimia dentro do meu peito, parecia estar inchando e apertando os pulmões, estendi meu pescoço para o lado, afim de conseguir puxar melhor o oxigênio e um gelo percorreu meu corpo, amenizando os tremores excessivos e me atemorizei ao perceber que havia trago minha mãe para dentro da residência Cullen. O choque pareceu resultar num escape, entretanto não foi o suficiente para que meu raciocínio detectasse alarmado a diferença do tom de pele da pessoa que estava usando a botina vermelha intacta que ela tanto estima. Mesmo que eu me negasse e até mesmo quisesse fechar meus olhos e ignorar, meu corpo continuou inerte nessa assombrosa curiosidade elevando a minha visão, mal destacando o que eu estava vendo, eu apenas precisava, precisava enxergar, precisava sentir, precisava!... Meu corpo clamava dolorosamente por isso.

Gloriosamente, apenas Cole Uley e Amberli Scott existiam naquele ambiente.

Não apenas uma parte de mim, mas o homem e o lobo reconhecendo e proclamando a excelência da predestinação que nos apresentou no momento que os espíritos bem quiseram. Algo assombrosamente assustador.

Eu pensei que sentiria correntes, cabos e amarras a me atar invisivelmente a ela.

Esperei por isso, entretanto ali estava: o apogeu excelso que aquela sensação indescritível necessitava. Parecia irreal demais, incompreensível, rudimentar, mas estava ali, me envolvendo, atraindo todo o meu ser em sua direção, ela era a fonte de energia principal que irradiava, a engrenagem angular que precisávamos até ao nosso último suspiro de vida. Unicamente dela. Para nos manter em pé, para respirar, para tocar, para sentir, para viver! Pela primeira vez eu me senti tentado a glorificar em agradecimento pelas boas funções sensoriais do meu corpo; como em poder respirar, pois o seu cheiro, sua presença estava ali, estava ali para mim, estava ali por mim. Poder enxergar, ser privilegiado em contemplá-la nitidamente e me surpreender com o que estava finalmente vendo, era como ver pela primeira vez após viver de olhos abertos, sem realmente enxergar! Havia um sentido mais puro na maneira de como o mundo está se passando pelos meus olhos com ela presente nesse exato momento da minha vida.

Senti quando a pressão das mãos de Brady e Martim me libertaram de seus apertos; eu estava totalmente rendido por Amberli, que continuava a manter seus olhos castanhos nos meus. Senti meu corpo reagir como se houvesse ficado sem fôlego por uns segundos, era uma reação esquisita misturada com a forte devoção que eu descobri estar enraizado dentro de mim. Minha pele palpitava num bramido sensitivo de que a partir deste momento eu precisava dela, ardentemente.

Seus olhos foram substituídos dolorosamente pelo corpo de Carlisle entrando no meu campo de visão, prendi minha respiração para que eu conseguisse me acostumar com o contato tão próximo e repentino com o vampiro. Aos poucos liberei o ar, sentindo o cheiro repulsivo que emanava dele.

— ... E-eu preciso... — a voz dela chamou minha total atenção para si. Olhei para ela com atenção — Obrigada Rose. — sua barriga evidente naquele vestido xadrez rodado parecia maior agora que ela estava de lado sendo ajudada pela vampira loira a sair da sala. Ela sequer deu três passos para longe quando parou. A loira ao seu lado, revirou os olhos sem que ela percebesse — Ah! — as batidas do meu coração pesaram dentro do meu corpo assim que ela tornou a firmar seus olhos nos meus — Meu nome é Amberli... — pausou para respirar — Espero que fique bem pelos próximos dias. — desejou dando-me um curto sorriso. Com a ajuda da loira, ela foi escoltada para fora dali.

Concordei com o desejo dela. Ele já havia se realizado, agora que ela estava na minha vida, meus próximos dias seriam os melhores na sua companhia.

“Amberli...”

Pronunciei seu nome com devoção em seus pensamentos. Me deleitei na pronúncia.

“Am...ber...li...”

“...Lee...”